Por que está a Rússia em guerra contra os Evangélicos?

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Pavel Bednyakov / EPA

As Igrejas Evangélicas têm registado um crescimento significativo em vários países europeus, nomeadamente em Portugal. Mas para a Rússia são “agentes da América” que é preciso combater.

Durante a União Soviética, todas as religiões foram oprimidas. Actualmente, a Rússia tem liberdade religiosa, mas as autoridades têm imposto algumas restrições a certos grupos religiosos, proibindo, por exemplo, as Testemunhas de Jeová e os Mórmons.

Há leis conhecidas como “anti-missionárias” que proíbem a disseminação da fé, impedindo as pessoas de convidarem outras para se juntarem aos seus cultos, ou para outros eventos religiosos até mesmo nas suas próprias casas.

Também se pode ser sancionado por, somente, se falar de religião em paragens de autocarro, ou por colar cartazes a anunciar um culto numa Igreja.

Os Evangélicos foram o grupo mais sancionado por estas controversas leis “anti-missionários, e não foi apenas dentro do território russo.

Na guerra na Ucrânia, alguns soldados detidos foram alvo de tortura por parte dos russos devido à sua fé evangélica, como reporta a Time.

A revista internacional menciona inclusive casos de exorcismos de tentativa de “cura” com a participação de padres ortodoxos russos e com a aplicação de choques eléctricos, tasers e agressões com tacos de basebol.

“A invasão da Ucrânia pela Rússia é acompanhada por um esforço estratégico para reprimir, controlar e esmagar grupos religiosos fora do Patriarcado de Moscovo controlado pelo Kremlin, a Igreja Ortodoxa Russa”, relata a Time, citando “mais de trinta casos de clérigos religiosos mortos e raptados” entre uma centena de “interrogatórios, expulsões forçadas, prisões, detenções” e “600 casas de culto destruídas”.

Os Evangélicos têm sido os principais alvos dos russos depois de uma “perseguição sistémica aos Protestantes na Ucrânia ocupada”, relata a Time que cita também ataques a congregações adventistas.

Isto acontece porque as Igrejas Evangélicas são vistas como “Igrejas americanas” ou “com ligações à América”. Portanto, atacá-las é atacar o “poder americano”, aponta a Time.

Igreja Ortodoxa Russa apoia luta contra “agentes da América”

Os EUA têm a maior população de Evangélicos em todo o mundo, em termos proporcionais – é o maior grupo religioso do país. Já na Rússia, domina a Igreja Ortodoxa Russa.

No país de Putin ainda se olha para o mundo como no tempo da URSS e, assim, os Evangélicos são vistos como “agentes da América”, uma espécie de “espiões” dos EUA e, logo, o inimigo que é preciso destruir.

Por outro lado, o Kremlin tem fortes ligações com a Igreja Ortodoxa Russa que é uma grande aliada de Putin, apoiando publicamente a invasão da Ucrânia, e prometendo aos soldados que os seus pecados serão perdoados.

Há rumores, inclusive, de que há padres ortodoxos russos que fazem trabalho de espionagem na Ucrânia.

À Igreja Ortodoxa Russa interessa manter a predominância e alargar a sua influência para lá das fronteiras russas.

Putin quer, à força toda, incutir a sua Lei – mas há quem insista em seguir a “lei” do seu Deus e muitos crentes mantêm os cultos vivos em segredo, nos seus apartamentos, ou em caves, à imagem do que já se fazia na época da União Soviética.

Há interesses comuns entre Evangélicos americanos e oligarcas russos

Neste xadrez político religioso, é interessante reparar que os Evangélicos norte-americanos e a Igreja Ortodoxa Russa têm interesses comuns e “uniram forças para aumentar o financiamento a actores ultra-tradicionalistas baseados na Europa, com foco específico em atingir os direitos LGBTQI+“, revelaram fontes que não quiseram identificar-se, “por medo de represálias”, em declarações à Euronews em 2023.

Estas declarações surgiram depois da publicação de uma resolução do Parlamento Europeu (PE), em Julho de 2023, onde se apontava a preocupação com a interferência estrangeira em processos democráticos no Velho Continente.

Este alerta surgiu na antecâmara das eleições europeias de Junho de 2024.

A mesma resolução evidenciava os financiamentos vindos sobretudo da Rússia e dos EUA a organizações que se opõem ao que se chama de “ideologia de género”, e que são contra os direitos das mulheres e da comunidade LGBTQI+.

Evangélicos ultra-conservadores e oligarcas russos estabeleceram, ao longo da última década, “uma rede de agências criadas em instituições de direitos humanos em toda a Europa para levar a cabo uma diplomacia anti-género, e para se infiltrar em posições de poder nos Estados-Membros“, destaca a resolução do PE.

Desse modo, têm financiado acções que passam por “reprimir, intimidar e silenciar críticos, lavagem de dinheiro e de reputação, assédio físico, envio de esquadrões de combate pagos para marchas LGBTQI+”, “invasão de dispositivos de jornalistas com o software Pegasus” e “uso de “quintas” de trolls para espalhar desinformação contra activistas LGBTQI+”, aponta ainda o documento.

Estas acções têm sido realizadas, sobretudo, na Europa de Leste, nomeadamente nos Balcãs e em antigos países da ex-URSS como a Geórgia, por exemplo, com a disseminação de “desinformação para reverter o progresso nos direitos das mulheres e na igualdade de género”.

“84% dos Evangélicos brancos dos EUA apoiam Putin”

Como se não bastasse essa agenda comum entre alguns Evangélicos americanos e Putin, nomeadamente quanto aos direitos LGBTQI+ que também são reprimidos na Rússia, há outro dado curioso sobre esta proximidade entre históricos inimigos.

É que “84% dos Evangélicos brancos” nos EUA votaram em Donald Trump em 2020, e muitos apoiam Putin, aponta a professora Marcia Pally, da Universidade de Nova York, num artigo de análise no seu site.

Poder-se-ia achar que este apoio a Putin se deve ao facto de terem “alguma tendência fundamentalista para o autoritarismo”. Mas a professora acredita que o que está em causa é a ideia de uma perda de liberdade por parte dos cristãos.

Assim, para os Evangélicos norte-americanos mais conservadores, Putin é “um líder que promove a liberdade religiosa a nível mundial contra a tirania do Governo secular [ou seja, um Governo laico, que não é religioso]”, aponta Marcia Pally.

Lembremo-nos que Putin é o mesmo líder que impôs na Rússia as leis que proíbem alguns grupos religiosos e que permite a perseguição a Evangélicos na Ucrânia.

Em todo o caso, os Evangélicos mais conservadores dos EUA sentem-se “assediados” numa “sociedade cada vez mais secular e multicultural”, procurando, por isso, “um aliado na sua luta pela liberdade de serem cristãos”, aponta ainda Marcia Pally.

Vários líderes Evangélicos já elogiaram Putin ao longo dos últimos anos, nomeadamente pelo pretenso esforço feito pelo presidente da Rússia para proteger as crianças do que definem como a “propaganda homossexual”.

No fundo, os crentes mais conservadores desta religião receiam perder o controlo sobre uma sociedade que é cada vez mais diversa.

Os temores Evangélicos agudizaram-se ao longo das últimas décadas, fruto dos eventos transformadores – e eventualmente traumatizantes para alguns -, que ocorreram, tais como a revolução sexual, os movimentos pelos direitos das mulheres e dos homossexuais, a aprovação do casamento homossexual, e, finalmente, a vaga de defesa dos direitos das pessoas LGBTQI+.

Susana Valente, ZAP //

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4 Comments

  1. Mas eles são os maiores apoiantes do Putin na América…. Estranho a mensagem que o Kremlin esta a passar aos seus apoiantes (MAGA). A única religião que está a ser apoiada pelo putin é islão.

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  2. A religião volta a estar no centro da guerra e nos apoios políticos aos extremos. Em Portugal as igrejas evangélicas por exemplo andaram a dar apoio e ajudar a “lavagem cerebral” do caso extremo direita. Os opostos atraem-se e os extremistas da esquerda e da direita são contra à democracia! Só isso e mais nada que está notícia confirma

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