O rio Magpie, no Canadá, tornou-se legalmente uma pessoa. Mas não é o único

Cephas / Wikimedia

O reconhecimento do estatuto legal do rio resulta de anos de campanhas de  indígenas, na esperança de garantirem a preservação dos ecossistemas.

O que significa ser uma pessoa? Podemos deixar as respostas filosóficas para os filósofos, mas no plano legal, parece que uma pessoa não tem que efectivamente ser uma pessoa para ser reconhecida como uma pessoa.

O mais recente exemplo disto é o rio Magpie, na região canadiana do Quebec, que se tornou o primeiro no país a ser reconhecido legalmente como uma pessoa. O rio de 193 quilómetros de comprimento é sagrado para a tribo esquimó Inuit, que depende dele para sobreviver, relata a National Geographic.

Nos últimos anos, têm-se acumulado ameaças ao ecossistema do rio e aos que dele dependem, com propostas para a construção de uma barragem. Para a protecção deste importante marco natural, o rio foi declarado legalmente uma pessoa em 2021, o que lhe garante nove direitos — entre eles o direito de fluir, de proteger a sua biodiversidade, de ser livre de poluição e até de abrir processos judiciais.

É a primeira vez que o Canadá avança com uma iniciativa semelhante, mas o fenómeno da atribuição do estatuto legal de pessoa a elementos da natureza não é novo e parece que veio para ficar. O rio Whanganui, na Nova Zelândia, o rio Klamath, nos Estados Unidos e o rio Amazonas, na América do Sul, já receberam todos os estatuto legal de pessoa.

Dar direitos legais a rios representa uma grande mudança na forma como as sociedades ocidentais encaram a natureza e o papel dos humanos nela. Desde as conversas informais no café até aos representantes políticos em altos cargos que escrevem as leis, há uma visão predominante no Ocidente de que o ser humano é o apogeu da natureza e tem o direito de a explorar para seu benefício.

No entanto, para muitas comunidades indígenas — que têm liderado os movimentos que defendem a protecção dos rios — a natureza é encarada com um ser auto-consciente equivalente aos humanos.

“Eu vejo o rio e as árvores como antepassados. Estão aqui há muito mais tempo do que nós e merecem o direito à vida“, explica Uapukun Mestokosho, membro da Aliança Mutehekau Shipu — nome dado pelos indígenas ao rio Magpie —, comité que participou na campanha para o reconhecimento legal do rio.

Apesar da importância que estes rios têm para os nativos, são muitos os casos em que os Governos ou grandes multinacionais conseguem passar por cima de séculos de história entre a natureza e as tribos através da justiça. Com esta mudança, a lei indígena está afirmar-se na lei canadiana de forma a não poder ser atropelada.

O papel do eco-turismo não pode ser desvalorizado, já que ensina os visitantes a ter uma noção da importância da protecção natural e ajuda-os a largar a mentalidade tentadora da exploração descontrolada.

Através do turismo, as comunidades indígenas também podem educar os viajantes sobre as ameaças ambientais nos seus territórios e sobre os laços históricos que os unem. A esperança é que, aos poucos, haja uma reconciliação entre as visões incompatíveis do Ocidente e dos indígenas, dos colonizadores e dos colonizados.

“Temos que entender que enquanto humanos não estamos acima da água ou dos animais. Somos uma parte de um todo. Quando curamos a Terra, cura-mo-nos, também”, conclui Mestokosho.

Adriana Peixoto, ZAP //

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