Relações sexuais de insetos ajudam a prever tempestades

Afirmar que os animais conseguem prever tempestades não é utopia. Investigadores brasileiros conseguiram comprovar cientificamente que a mudança de comportamento sexual dos insetos pode indicar a chegada de tempestades e ventanias.

A explicação está na capacidade dos insetos em detetar as mínimas alterações da pressão atmosférica na natureza, segundo o entomologista e professor da Universidade de São Paulo (USP) José Maurício Simões Bento.

Um estudo comprovou que os insetos preveem mudanças bruscas no tempo e dão indicações através de alterações no seu comportamento sexual.

“O que percebemos é que, ocorrendo um evento de baixa pressão atmosférica, que normalmente antecede um temporal, os insetos interrompem o acasalamento e vão procurar abrigo. Isto acontece, geralmente, entre quatro a seis horas antes da chuva, fornecendo uma certa previsibilidade”, explicou o professor.

A descoberta desta capacidade nos insetos e sua alteração de comportamento começou após José Maurício Simões Bento e sua equipa notarem que, em dias de chuva, os insetos não acasalavam, mesmo com todas as condições controladas de temperatura e humidade em laboratório.

“Como a força exercida pela pressão atmosférica é a mesma, independentemente de se estar num ambiente externo ou interno de um laboratório (ou de uma casa), decidimos comprovar a nossa hipótese, a partir do comportamento sexual dos insetos”, contou.

No estudo, os cientistas analisaram três espécies distintas de insetos comummente encontrados no Brasil: o besouro, popularmente conhecido como ‘brasileiro’ ou ‘patriota’, por ter cor verde e pintas amarelas (Diabrotica speciosa); o pulgão da batata (Macrosiphum euphorbiae) e a lagarta da pastagem (Pseudaletia unipuncta).

Com auxílio de uma câmara barométrica – equipamento que pode controlar ou alterar a pressão atmosférica -, conseguiram comprovar que, sob queda de pressão atmosférica, as três espécies de insetos reduziram a sua atividade sexual e acasalaram menos que em condições normais de pressão.

“Diferentemente de nós, seres humanos, que temos um relógio que nos mostra as horas ao longo do dia, permitindo-nos ‘marcar horários’’ a maioria dos insetos guiam-se pelo amanhecer e entardecer (crepúsculo). Sendo assim, muitos acasalam nestes períodos, como um encontro pré-determinado, independente da época do ano. Porém, o que percebemos no estudo é que, com a queda da pressão e a previsibilidade da chuva, evitavam os encontros para acasalar e procuravam abrigo”.

Isso acontece porque os insetos possuem um instinto de sobrevivência muito apurado na natureza. “O simples impacto de uma gota de chuva pode parecer pouco para nós, mas para estes organismos diminutos, como os insetos, pode ser fatal”, referiu.

Agora, os cientistas tentam descobrir quais estruturas no corpo dos insetos permite-lhes perceber a mudança da pressão atmosférica, horas antes de uma tempestade.

“Já comprovamos que os insetos conseguem antever tempestades e ventanias por uma questão de sobrevivência. São seres vivos que evoluíram por milhões de anos, o que torna-os amplamente adaptados na Terra. Agora queremos descobrir um pouco mais com eles e desvendar as suas estruturas, aprimorando os nossos métodos de previsão do tempo”, apontou José Maurício Simões Bento.

Outra pesquisa do grupo, realizada na Escola de Agricultura Luiz de Queiroz, da USP em Piracicaba, demonstrou que formigas cortadeiras, também chamadas de saúvas (Atta sexdens), passam a executar tarefas rotineiras de corte e transporte das folhas de forma mais rápida horas antes de uma tempestade.

“Da mesma forma que os outros insetos, as saúvas conseguem pressentir a chegada de uma chuva e aceleram o seu trabalho, com o objetivo de coletar e armazenar a maior quantidade possível de alimentos para o ninho”, explicou José Maurício Simões Bento, que também liderou o projeto.

O estudo realizado através de uma câmara barométrica foi dividido em etapas: na primeira, como forma de simular a chegada de uma chuva, os cientistas introduziram as formigas cortadeiras num ambiente de baixa pressão atmosférica; e, nas demais etapas, simularam condições de estabilidade e de alta pressão, que representam pouco risco de chuva e tempestades.

Os resultados mostraram que numa condição de baixa pressão – indicativo de chuva -, as formigas deixaram os ninhos 2,8 vezes mais rápido que quando a pressão foi constante. Também ficou comprovado que entre 1,5 e 2 vezes mais folhas foram cortadas e levadas para o ninho durante a queda da pressão atmosférica.

“O esforço do grupo para transportar e levar uma quantidade maior de alimento em menos tempo, diante de uma iminente tempestade comparado às condições normais, demonstrou a alta capacidade de tomada de decisão individual dos insetos diante de um indício de risco”, concluiu.

Além de tempestades, há anos investigadores tentam comprovar cientificamente se os animais conseguem prever terramotos.

Foi em busca dessas respostas que o professor Jean Pierre Raulin, coordenador do Centro de Rádio Astronomia e Astrofísica Mackenzie (CRAAM), participou de um estudo que analisou o que levou aves e mamíferos do Parque Nacional Yanachaga Chemillen, no Peru, a deixar a região dias antes de o terramoto Contamana, de 7,0 de magnitude na escala Richter, atingir os Andes peruanos, em 2011.

Na literatura mundial, a referência mais antiga registada sobre comportamentos incomuns dos animais antes de um desastre natural data de 373 a.C., quando o historiador grego Tucídides relatou que ratos, cães, cobras e doninhas abandonaram a cidade de Hélice, na Grécia, dias antes de um terramoto catastrófico.

Junto da pesquisadora inglesa Rachel Grant e Friedemann Freund, da agência espacial NASA, Jean Pierre encontrou uma explicação: o gás que sai por baixo e vem para a superfície a partir da movimentação de placas tectónicas faz aumentar a produção de iões positivos na atmosfera, que, percetível aos animais, provoca um aumento dos níveis de serotonina, deixando-os agitados.

“Foi por isso que abandonaram a região antes do terramoto”, revelou. Para chegar a essa conclusão, cada investigador estudou de uma forma o comportamento dos animais antes do terramoto.

A partir de câmaras instaladas no parque, acionadas de forma automática no momento que o animal passava à sua frente, os investigadores atestaram que, num dia comum, os animais eram avistados, em média, entre cinco 5 e 15 vezes ao dia.

“Porém, no intervalo de 30 dias que antecedeu o terramoto, notamos que o número de avistamentos de animal caiu progressivamente até atingir zero, no dia do evento sísmico”, contou Jean Pierre.

Ao mesmo tempo, a monitorização da propagação das ondas de rádio de baixa frequência, nos dias que antecederam o terramoto, revelou que as mesmas partículas atómicas libertadas pelo gás (da movimentação das placas tectónicas) provocou alterações nas ondas de rádio da atmosfera da região.

“Unindo os dados, chegamos à conclusão que isso pode sim ter influenciado o comportamento animal de fugir da região antes de o terramoto acontecer”, continuou.

Desde antes de Cristo, observar o tempo é crucial para a humanidade. No passado, era através da observação dos céus que as pessoas previam se choveria ou não. O objetivo era evitar perdas no cultivo de plantações que dependiam dos ciclos de chuvas.

Até a Bíblia, em Mateus, capítulo 16, versículos 2 e 3, cita a forma em que se previa o tempo na época de Jesus. “Haverá bom tempo, porque o céu está rubro. E, pela manhã, haverá tempestade, porque o céu está de um vermelho sombrio”.

Contudo, foi a partir do desenvolvimento da ciência que o ser humano passou a usar equipamentos para decifrar quando choveria. Foi a partir do século 16, por exemplo, com o desenvolvimento do termómetro e do barómetro, que o tempo passou a ser previsto pelo homem através da tecnologia.

Depois, além do termómetro e do barómetro, os profissionais passaram a utilizar uma infinidade de novas tecnologias para prever se vai chover ou não. É assim que, atualmente, meteorologistas preveem o tempo por atarvés de dados atmosféricos, fornecidos por estações meteorológicas; imagens de satélite; e radares meteorológicos instalados em diversas partes do mundo.

Os estudos que permitem a identificação de mudanças bruscas no tempo baseiam-se em dados de precipitação, ventos, humidade relativa do ar e a pressão atmosférica – que os animais conseguem captar sem o uso de equipamentos tecnológicos.

Animais podem ajudar a prever desastres naturais

Com a enorme dificuldade para prever terramotos, surge a questão: será que seres humanos poderão prever tempestades e terramotos com maior antecedência, a partir da observação dos animais?

José Maurício Simões Bento e Jean Pierre Raulin acreditam que sim, mas defendem antes a necessidade de maiores investimentos em pesquisas sobre o tema.

“As pesquisas são somente mais um indício de como os animais não precisam do ser humano para sobreviver na natureza, mas de como nós precisamos deles”, defendeu José Maurício Simões Bento.

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