A “Aldeia dos túmulos”. Refugiados coreanos transformaram cemitério japonês numa vila

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Casa na aldeia de Ami-dong

Ami-dong, na cidade sul-coreana de Busan, parece uma aldeia vulgar, com casas coloridas e pelos becos estreitos. Mas, se olharmos atentamente, encontramos um material invulgar nos alicerces das casas, das paredes e das escadas: lápides com caracteres japoneses.

Conhecida como Aldeia Cultural Tombstone, foi construída durante a Guerra da Coreia, que eclodiu em 1950 após a invasão do Norte pelo Sul. O conflito deslocou mais de 640 mil norte-coreanos, de acordo com uma das estatísticas. Sul-coreanos também fugiram de Seul e das linhas da frente.

Muitos destes refugiados, relatou a CNN, dirigiram-se para Busan, uma das duas cidades nunca capturadas pela Coreia do Norte durante a guerra. A outra é Daegu, localizada a 88 quilómetros de distância.

Busan foi convertida na capital temporária durante a guerra, com as forças da Organização das Nações Unidas (ONU) a construir um perímetro à volta da cidade. Segundo a página oficial, devido à sua relativa segurança, Busan tornou-se a cidade para onde corriam os refugiados e “o último bastião do poder nacional”.

A escassez de espaço e de recursos levou os refugiados a Ami-dong, local que albergava um crematório e cemitério e ficava no sopé das montanhas de Busan. Este foi construído durante a ocupação japonesa da Coreia da Sul, entre 1910 e 1945.

Segundo um artigo sobre o guia oficial da cidade, durante esse período colonial, as zonas planas habitáveis de Busan e o centro da cidade junto aos portos marítimos foram desenvolvidos como território japonês. Os trabalhadores mais pobres instalaram-se no interior, junto às montanhas – onde estava o cemitério Ami-dong.

As lápides tinham os nomes e as datas de aniversário e da morte dos falecidos, gravados em Kanji, Hiragana, Katakana e outras formas de escrita japonesa, de acordo com um artigo de Kim Jung-ha, da Universidade Marítima da Coreia. A área do cemitério ficou abandonada após o fim da ocupação japonesa.

Quando os refugiados chegaram, desmantelaram os túmulos e utilizaram-nos para construir uma densa coleção de cabanas, acabando por criar uma pequena “aldeia” dentro do que se tornaria uma metrópole em expansão.

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Restos de uma lápide na aldeia de Ami-dong

Em 2008, antigos refugiados entrevistados por Kim Jung-ha descreveram a demolição dos muros do cemitério e a remoção de lápides para usar na construção, muitas vezes deitando fora as cinzas.

“Ami-dong era a fronteira entre a vida e a morte dos japoneses, a fronteira entre as zonas rurais e urbanas para os migrantes, e a fronteira entre a cidade natal e um lugar estrangeiro para os refugiados”, escreveu Kim Jung-ha.

Com o armistício assinado a 27 de julho de 1953 e o fim do conflito entre as Coreias, muitos dos refugiados partiram. Mas outros ficaram e continuaram a construir a vila.

De acordo com a CNN, Busan tem atualmente um aspeto muito diferente, sendo conhecida como um destino de férias à beira-mar. Em Ami-dong, muitas casas foram restauradas ao longo dos anos, mas os resquícios do passado permanecem.

Ao caminhar pela aldeia as lápides podem ser vistas nas soleiras das portas, nas escadarias e nas paredes. Fora de algumas casas, são utilizadas para sustentar botijas de gás e vasos de flores. Embora algumas ainda ostentem as inscrições, outras já foram desgastadas pelo tempo, o texto já não é legível.

No seu artigo de 2008, Kim Jung-ha contou que persistem na aldeia os relatos sobre fantasmas dos japoneses falecidos – figuras vestidas com quimonos que apareciam e desapareciam. Esses relatos, explicou, vão ao encontro da crença popular, na qual as almas dos mortos estão ligadas à preservação das suas cinzas ou restos mortais.

Ami-dong é hoje uma atração turística, mas ainda há vários residentes no local. Ao deixar a aldeia, lê-se numa placa: “Há um plano para construir um memorial no futuro, após a recolha das lápides espalhadas pelo local”.

ZAP //

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