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Reconstituído o genoma do primeiro mulato conhecido na Islândia

Helga Tomasdottir / Videnskab.db

Hans Jonathan nasceu nas Caraíbas em 1784 e emigrou para a Islândia em 1802

Um grupo de cientistas conseguiu reconstituir 38% da parte africana e materna do genoma de Hans Jonathan, um escravo mulato que fugiu da Dinamarca para a Islândia, no início do século XIX.

Hans Jonathan nasceu no final do século XVIII numa colónia da Dinamarca e estava praticamente predestinado a ser um escravo, pois era filho de uma mãe escrava negra.

Mais tarde, foi considerado um herói nacional quando combateu nas guerras napoleónicas na Dinamarca. Mas a sua proprietária pôs o caso em tribunal e o juiz condenou-o a voltar às colónias. Até que Hans Jonathan conseguiu fugir para a Islândia, tornando-se assim um dos primeiros mulatos a viver no país nórdico.

Quase 200 anos depois da sua morte, uma equipa de cientistas conseguiu reconstituir 38% da metade africana do genoma de Hans Jonathan através da análise genética de 182 descendentes seus.

O estudo foi publicado no início do mês na revista Nature. A geneticista Luísa Pereira, do Instituto de Investigação e Inovação em Saúde (i3S) da Universidade do Porto, integra esta equipa, avança o Público.

À semelhança de todos nós, Hans Jonathan recebeu 23 pares de cromossomas: metade da parte da mãe, que era africana, e metade da parte do pai, europeu.

“Nas células que deram origem aos seus espermatozoides ocorreu uma divisão chamada ‘meiose’, durante a qual cada par de cromossomas se uniu em certos locais, havendo troca de material genético entre eles, num processo designado ‘recombinação’”, explica Luísa Pereira.

Foi assim que se originaram “cromossomas códigos de barras com partes paternas intercaladas com partes maternas”. Estes fenómenos de recombinação são aleatórios, pelo que cada um dos espermatozoides de Jonathan tinha um puzzle de material genético das duas partes diferente.

Misturou-se a informação que veio de cada um dos ancestrais. Isto é um fenómeno natural que aumenta a diversidade genética por novas combinações de variantes que foram transmitidas pela mãe e pelo pai”, acrescenta a geneticista.

Assim, a equipa dedicou-se a encontrar os pedaços africanos no genoma de 182 descendentes de Hans Jonathan, ou seja, montar um puzzle a partir de outro puzzle.

Os cientistas afirmam que foi relativamente fácil procurar os pedaços africanos em genomas islandeses. “A parte africana foi mais fácil. É mesmo um puzzle com pedacinhos africanos espalhados por várias pessoas”, diz a cientista.

Deu-se, então, a reconstituição de metade de um genoma de uma pessoa que viveu há cerca de 200 anos pela primeira vez, através da análise de material biológico dos seus descendentes. Além disso, foi possível perceber qual a origem geográfica da mãe de Hans Jonathan, Emilia Regina.

O mais provável, escreve o jornal, é que Emilia Regina seja descendente de africanos de uma região que se estende do Benim, passa pela Nigéria e vai até aos Camarões.

“Sabe-se que antes de Hans Jonathan não houve nenhum mulato na Islândia”, refere Luísa Pereira. Só no século XX começaram a aparecer africanos no país, fazendo com que as pessoas de pele escura se tornassem cada vez mais comuns na Islândia.

A cientista afirma já ter usado o mesmo método deste estudo para conseguir mapear genes que protegem contra certas doenças, como a febre da dengue na população de Cuba. Mas, para Luís, o importante é destacar o fator antropológico desta história.

“Foi um momento de transição histórica e este indivíduo representa a capacidade de alguém que nasceu escravo conseguir obter a sua liberdade, ser integrado num outro país, ter descendentes de uma mulher islandesa e ser aceite pela comunidade”, conclui.

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