Após seis anos de investigação, a idosa encontrada num sarcófago improvisado em Gondomar ainda não tem um nome. PJ esteve quase lá.
Quase ganhou uma cara, mas a múmia encontrada numa casa de Rio Tinto, em Gondomar, continua sem um nome ao fim de seis anos. É um mistério que a Polícia Judiciária do Porto não esquecerá tão cedo.
Tudo começou em fevereiro de 2018 quando, durante obras de remodelação numa casa da freguesia, os trabalhadores encontraram ossadas humanas embrulhadas em jornais de 1970, escondidas dentro de um sarcófago improvisado na parede.
Uma extensa investigação policial arrancou na época dos factos mas, até então, nem autópsias, testes de ADN, pesquisas genealógicas, investigações em cemitérios, recolha de testemunhos ou arquivos de hospitais e de paróquias forneceram qualquer pista sobre a identidade da mulher.
O que se sabe sobre a “múmia de Rio Tinto”
A mulher — idosa, revelou a autópsia — foi encontrada com vestimentas que remetem a uma época passada, entre os quais uma camisa de dormir, um sutiã com fecho de cordel e umas pantufas.
Inicialmente, uma das linhas de investigação da PJ passava pela hipótese de o cadáver ter sido transportado de uma campa e colocado naquele compartimento de cimento em que foi encontrado, apurou na altura o Correio da Manhã, mas tal não foi apurado.
Entre os seus pertences estava ainda um anel de ouro branco, uma pista que ao fim ao cabo — como muitas outras — não levou a uma identificação concreta, uma vez que a empresa de Gondomar que o fabricou, avança o JN este domingo, não tinha o registo de vendas do anel.
Resolver o caso tornava-se difícil, mas foi então que surgiu uma luz ao fundo do túnel.
O testemunho da proprietária da casa
A casa estava desabitada desde agosto de 2017, altura em que a inquilina de 90 anos, que viveu vários anos na casa, se terá mudado para um lar de idosos devido a problemas de saúde. Mas a PJ voltou a sair com uma mão cheia de nada: a ex-inquilina, por apresentar debilidades mentais, não pôde dar um testemunho credível. Além disso, os na altura futuros inquilinos da casa não quiseram prestar qualquer esclarecimento ao CM.
O enigma intensificou-se com o testemunho da proprietária da casa, que relembrou os primeiros inquilinos do andar onde a múmia foi encontrada: marido e mulher, já falecidos, que viviam com a mãe da mulher do casal, cuja descrição batia certo com a da múmia de Rio Tinto.
No entanto, registos incompatíveis e a confirmação de que a mulher em questão tinha sido sepultada numa data posterior esfumaram (mais uma vez) a esperança da PJ — mas nem tudo estava perdido.
Apesar de afastarem a possibilidade de a múmia ser a mãe do casal inquilino, testes de ADN puseram a PJ na rota certa e confirmaram que as duas eram da mesma família.
A PJ foi procurar os descendentes da idosa, que também foram submetidos a testes de ADN. Os testes indicaram que a múmia poderia pertencer a uma família com origens em São Tomé e Príncipe. A Judiciária encontraria outro beco sem saída: as autoridades de São Tomé não colaboraram na investigação.
Caso morreu na praia, às mãos do MP
Cada vez mais longe de desvendar o mistério da múmia gondomarense, a PJ quis contratar uma reconstituição facial do crânio da múmia, mas o Ministério Público recusou, argumentando que mesmo que a identidade fosse descoberta e se estabelecesse a causa da morte, a possibilidade de acusação estaria barrada pela prescrição dos eventuais crimes envolvidos no caso.
“Se a morte tiver ocorrido há mais de 15 anos, já não pode haver procedimento criminal, porque já decorreu o prazo de prescrição. A única coisa que poderá ser feita é a identificação da pessoa e da causa da morte, para efeitos administrativos e cíveis”, explicou na época ao CM o jurista André Ventura.
O inquérito foi encerrado pelo Ministério Público de Gondomar por falta de novas pistas com relevância penal, mas caso surjam novas informações que possam levar à identificação da vítima, pode ser reativado, reativando também a dignidade de uma mulher que foi esquecida nas paredes durante meio século.