Quase tudo o que sabe sobre a sequência de Fibonacci está errado

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Da sua origem ao seu significado, quase todas as noções populares sobre a famosa sequencia de Fibonacci estão erradas — e a verdadeira história da  “Proporção Dourada” é mais terra a terra.

A sequência de Fibonacci, conhecida também como Proporção Divina, Proporção Áurea ou Número Dourado, é uma serie de números inteiros, em que cada número é a soma dos dois anteriores.

A sequência começa por 0 e 1, seguindo-se os números 1, 2, 3, 5, 8, 13, 21, 34… até ao infinito. A sequência é definida pela equação matemática: Xn+2 = Xn+1 + Xn, e quando dividimos um número pelo anterior, obtemos a famosa Razão Dourada, “phi” — um número irracional que tende para 1,618.

Muitas pessoas afirmam que esta sequencia numérica tem propriedades especiais, — uma espécie de “código secreto da natureza”, usado para construir estruturas perfeitas, como a grande Pirâmide de Gizé. Um dos exemplos mais clássicos de manifestação da proporção dourada é a  concha do mar.

Mas muitas dessas afirmações estão incorretas, e a verdadeira história da sequência é mais terra a terra.

A sequência é de Pisa (ou nem isso)

Segundo a Live science, a sequência não é originalmente de Leonardo Fibonacci — que, na realidade, nem sequer era conhecido por esse nome. O matemático italiano nasceu por volta de 1170, e era originalmente conhecido como Leonardo de Pisa, explica Keith Devlin, matemático da Universidade de Stanford.

Só século XIX os historiadores atribuíram ao matemático o apelido Fibonacci, para o distinguir de outro famoso Leonardo de Pisa, explica Devlin.

Segundo Keith Devlin, Leonardo de Pisa não descobriu realmente a sequência. Textos antigos em sânscrito que utilizavam o sistema número hindu-arábico mencionaram-na pela primeira vez em 200 a.C, muito antes de Leonardo de Pisa. “Tem estado por cá desde sempre”, acrescentou.

Em 1202, Leonardo de Pisa publicou o volumoso livro “Liber Abaci”, uma espécie de livro de instruções para fazer cálculos. “Escrito para comerciantes, apresentava a aritmética hindu-arábica usada para registar lucros, perdas, saldos de empréstimos pendentes e assim por diante”, diz Delvin.

Numa das páginas do livro, Leonardo de Pisa introduz a famosa sequência, num problema que envolve coelhos.

Comece com um coelho macho e outro coelho fêmea. Passado um mês produzem uma ninhada com outro coelho macho e fêmea. Um mês depois esses mesmos coelhos reproduzem-se e sai novamente um macho e uma fêmea, que também poderão acasalar passado um mês. Após um ano, quantos coelhos teria?

A resposta final é 144, e a fórmula usada para chegar a essa resposta, agora conhecida como a sequência de Fibonacci, é assim pela primeira vez introduzida no mundo ocidental. Mas após o problema sobre os coelhos, o autor do livro nunca mais mencionou a sequência.

De facto, foi maioritariamente esquecida até ao século XIX, quando alguns matemáticos aprofundaram estudos sobre as propriedades matemáticas da proporção divina. Em 1877, o matemático francês Édouard Lucas batizou oficialmente o problema dos coelhos como “a sequencia de Fibonacci”.

A proporção não é Divina

A sequencia de Fibonacci, além de ser uma boa ferramenta de ensino, manifesta-se em algumas formas da natureza. Contudo, não é um código secreto que rege a arquitetura do universo, diz Keith Delvin.

É verdade que a razão entre um número da sequência de Fibonacci e o anterior tende para a que é conhecida como Razão Dourada, phi — número irracional que ganhou a discutível aura de “divina”: 1,6180339887498948482

Esta proporção dourada consegue descrever algumas formas da natureza, como o crescimento das folhas de algumas plantas ou a disposição em espiral das pétalas de algumas flores.

Ken Jeffery / ecampus Ontario

A espiral da folha de bromélia segue a sequência de Fibonacci

Mas, embora a Filotaxia, que estuda o padrão de distribuição das folhas ao longo do caule das plantas, nos mostre que as pinhas ou sementes de um girassol seguem a espiral dourada, também mostra muitas plantas que não seguem esta regra.

A sequência de Fibonacci “não é a Regra Universal de Deus para fazer crescer as coisas”, diz Keith Delvin.

O exemplo mais famoso não o é

A concha de nautilus é talvez o mais famoso exemplo de uma manifestação da Sequência de Fibonacci na natureza. Mas, na realidade, as células da concha de nautilus não crescem de acordo com a sequencia de Fibonacci, diz Devlin.

“Quando as pessoas começam a estabelecer ligações ao corpo humano, à arte e à arquitetura, as ligações à sequencia de Fibonacci vão de muito ténue a pura ficção”, sustenta o matemático.

Roberta Conti

A concha de nautilus e o phi

Num artigo publicado em 1992 no College Mathematics Journal, George Markowsky, matemático da Universidade do Maine, diz que “seria necessário um livro enorme para documentar toda a desinformação sobre a relação de ouro, grande parte da qual é simplesmente a repetição dos mesmos erros por autores diferentes”.

Grande parte da desinformação acerca da Sequência de Fibonacci pode ser atribuída ao “Aesthetic Research”, livro de 1855 do psicólogo alemão Adolf Zeising, que alega que as proporções do corpo humano se baseiam na Proporção Dourada.

Nos anos seguintes, a mítica proporção deu origem a inúmeros “retângulos de ouro”, “triângulos dourados” e a todo o tipo de teorias sobre as manifestações destas dimensões icónicas.

Desde então, a proporção áurea é apontada nas dimensões da Pirâmide de Gizé, do Partenon, do “Homem Vitruviano” de Leonardo da Vinci, e de um grande número de edifícios renascentistas.

De acordo com Keith Delvin, a ideia de que a proporção é gratificante ao olho humano “de uma forma única” é normalmente defendida sem qualquer escrutínio. “Todas estas alegações, quando testadas, são comprovadamente falsas“.

“Somos bons a reconhecer padrões, e conseguimos sempre encontrar um padrão, independentemente de ele lá estar ou não. É apenas tudo uma ilusão“, diz Devlin.

Inês Costa Macedo, ZAP //

8 Comments

  1. Este artigo pode ter na sua génese um objectivo louvável – informar – mas ao afirmar no início que “A sequência de Fibonacci, conhecida também como Proporção Divina, Proporção Áurea ou Número Dourado” acaba por fazer aquilo que critica – desinformar.
    A Proporção Divina, Proporção Áurea ou Número Dourado (Phi) é resultado duma fórmula: (1 +/- raiz quadrada de 5) / 2.
    De facto os valores resultantes da divisão de cada valor da sequencia pelo anterior tendem para o Phi, mas a sequência é isso mesmo, uma sequência, e não uma proporção. A sequência o que faz é, através da soma de números inteiros, obter uma proporção (resultante da divisão de cada número pelo anterior e/ou o seguinte) que tende para um número irracional.
    Quanto ao resto, é evidente que Phi não é algo inventado nem descoberto no séc. XII, mas era conhecido bem antes disso, sendo abundantes as provas da sua aplicação em períodos muito anteriores.

  2. Achei bastante falho o conteúdo escrito pela autora: não existe sutentação real na proposta de contestação. Todas as justificativas são vagas e mereceriam evidências concretas. Este tipo de abordagem parece estar associada à, já há tempo estabelecida e crescente, “onda” virtual de questionar apenas como forma de captar audiência.

    • Caro leitor,
      A “onda virtual já há algum tempo estabelecida e crescente” que mais nos preocupa (e que deveria preocupá-lo a si também) é a “moda” de criticar gratuitamente o trabalho dos órgãos de comunicação no seu papel de informar — e de questionar os factos estabelecidos.
      Mas vamos a factos.
      O artigo aponta especificamente 5 lugares comuns acerca da “Sequência de Fibonacci” que não estão corretos ou são mal interpretados.
      1. Leonardo “de Fibonacci” não nasceu “de Fibonacci”.
      2. Não foi Leonardo de Fibonacci que “descobriu” em 1200 a sequência que tem o seu nome — apareceu pela primeira vez em 200 A.C.
      3. Só seis séculos depois de Fibonacci é que a sequência que identificou nos coelhos ganhou o seu nome.
      4. Nem todas as formas da natureza nas quais a sequência ou “proporção divina” é identificada, são de facto manifestações dessa sequência — ex. nautilus, ou os inúmeros artigos que o ZAP já escreveu acerca de “alguém que identificou a proporção divina em alguma coisa”.
      5. Somos bons a reconhecer padrões — fenómeno aliás que tem o nome de pareidolia.
      Qual destes 5 factos está errado, é vago, ou merecia evidências concretas?
      Quanto ao 6º lugar comum acerca da Sequência de Fibonacci que o artigo contesta, é o de que a proporção seja divina. “Não é um código secreto que rege a arquitetura do universo”.
      O ZAP não dá esta alegação como facto, cita o matemático que exprime esta opinião — porque neste ponto, o tema afasta-se da matemática e dos factos. É uma questão, digamos, de “religião” — e o ZAP defende o direito de cada um a acreditar no que quiser.

  3. Srs do ZAP,
    Referem no texto o seguinte:
    “Quando dividimos um número pelo anterior, obtemos a famosa Razão Dourada, e a proporção é definida por uma equação matemática: Xn+2 = Xn1 + Xn”.
    Quando dividimos? Onde está a divisão ou proporção?
    A equação indicada não reflecte qualquer proporção mas define como se formam os termos da sucessão! E está mal escrita. Deve ser:
    Xn+2 = Xn+1 + Xn ( sendo que N+2, N+1 e N são índices de X).

    • Caro leitor,
      Obrigado pelo seu reparo.
      Faltava efetivamente um “+” no Xn1 — está corrigido.
      A “Proporção Dourada” que referimos, ou “phi”, é um número irracional que tende para 1,618, e obtém-se dividindo um dos números da sequência de Fibonacci (1, 2, 3, 5, 8, 13, 21, 34, 55, 89, 144…) pelo anterior.
      3/2=1,5
      5/3=1,666…
      8/5=1,6
      13/8=1,625

      89/55=1,6181818
      144/89=1,6179…
      233/144=1,618055…
      377/233=1,618025…
      Para clarificar o texto, a redação foi alterada para:
      “A sequência é definida pela equação matemática: Xn+2 = Xn+1 + Xn, e quando dividimos um número pelo anterior, obtemos a famosa Razão Dourada, ‘phi’ — um número irracional que tende para 1,618.”

      • O meu reparo, no fundamental, tinha a ver como o facto de referirem que a equação reflectia a proporção que está na base da famosa ” razão dourada ” designada por ” phi”, quando o que constava era a fórmula que define a formação dos termos da sequência dita de Fibonacci.
        Quanto ao Xn1 percebia-se perfeitamente tratar-se de um mero lapso de escrita. Só o referi por razões mais formais.
        A explicação da ” proporção ou razão dourada” eu conheço-a perfeitamente porque estudei matemática superior e não foi objecto de qualquer reparo da minha parte.
        Com a correcção introduzida o texto fica claro.

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