“Não é tão mau como estamos à espera”: a fascinante sensação de morrer

Um “processo gentil”, sereno e indolor. Desde as mudanças fisiológicas às experiências alucinogénicas: vamos falar da morte natural.

O que acontece depois da morte é, muito provavelmente, uma incógnita eterna, mas saber o que acontece nos momentos que imediatamente antecedem o último suspiro não é assim tão complicado.

À medida que nos aproximamos da morte, é comum perdermos a energia, uma vez que também se desvanece o interesse pela comida e bebida. Dormir torna-se menos rejuvenescedor à medida que a vida se aproxima do seu fim: o sono é substituído, pouco a pouco, por períodos de inconsciência cada vez maiores.

A inconsciência impede-nos de tossir ou engolir a saliva, o que justifica uma respiração que, por atravessar muco, aparenta ser quase sufocante. Mas a morte natural é, na verdade, “um processo gentil”, na opinião da doutora de cuidados paliativos Kathryn Mannix. Morrer, para si, “não é tão mau como estamos à espera”, confessa à BBC.

Mas o que é que acontece exatamente nos momentos finais da vida?

O processo de morrer naturalmente, caracterizado por etapas distintas e uma taxa de progressão variável, é muito semelhante experiência corporal natural de dar à luz, compara Mannix.

Os momentos finais são caracterizados por mudanças fisiológicas, incluindo o enfraquecimento dos batimentos cardíacos, a queda da pressão arterial, o arrefecimento da pele e a diminuição da função dos órgãos.

Os padrões de respiração também mudam: tornam-se mais superficiais e lentos até que eventualmente param, seguidos pela cessação do batimento cardíaco.

Se o que perdemos primeiro é a fome e sede, seguidas do discurso e visão, o que parece durar mais é a audição e o toque, algo que indica que, nos momentos finais, podemos ouvir e sentir aqueles que estão connosco.

Compreender e enfrentar estas etapas naturais pode ser fundamental para reconhecer a progressão natural, reduzir o medo de complicações inesperadas e saber quando procurar assistência médica para garantir uma passagem pacífica para “o outro lado”.

A experiência alucinogénica da morte

Como todos sabemos, podemos morrer de várias maneiras, mas a certo ponto, independentemente de como acontece, experienciamos a morte clínica — o momento em que o coração deixa de bater e deixamos de respirar.

Em 2013, investigadores da Universidade de Michigan mediram a atividade cerebral de ratos durante a sua “passagem para o outro lado”.

Após experienciarem a morte clínica, os cérebros dos roedores mostraram uma súbita atividade com níveis de ondas gama baixas ligadas à perceção de consciência humana, indicando que há algum tipo de experiência entre a morte clínica e a morte cerebral.

A experiência veio não só desafiar a ideia de inação cerebral no momento da morte, mas também revelar que este “limbo” entre a vida e a morte pode mesmo ser um período de consciência mais elevada do que o normal.

Mas restava responder ao que realmente desperta a nossa curiosidade: o que é que acontece nesse “limbo”?

“Transcendência do espaço e do tempo” e “unidade com objetos e indivíduos nas proximidades” foram algumas das descrições da sensação da morte dadas por indivíduos ressuscitados após morte clínica, num estudo do Imperial College London de 2018 que concluiu que algumas destas experiências são bastante semelhantes às provocadas pelo poderoso alucinogénico DMT (dimetiltriptamina).

Alguns pacientes mostram também atividade relacionada com a lembrança de memórias, o que traz alguma verdade à velha ideia de que vemos toda a nossa vida a passar rapidamente pelos olhos quando morremos.

Cerca de 20% das pessoas dadas como clinicamente mortas têm experiências de quase-morte. Há uma possibilidade de, tal como acontece quando administradas altas doses de DMT ou outras drogas alucinogénicas, o indivíduo esquecer essas experiências. O momento pode ser tão “inefável” que, tal como alguns sonhos, temos dificuldade em lembrá-lo, explica Chris Timmerman, da Imperial College London, à BBC.

Mas quais são os mecanismos responsáveis por estas experiências?

As ondas gama parecem ser as responsáveis pelas experiências de quase-morte. Os lobos temporais mediais, parcialmente responsáveis pelas nossas memórias e sonhos, também são suspeitos.

Alguns pacientes que sofreram uma paragem cardíaca e foram reanimados experienciaram memórias lúcidas do seu tempo passado como “mortos”, segundo o seu registo de padrões cerebrais únicos associados ao pensamento e à memória em estudo publicado na revista Resuscitation a 14 de setembro de 2023.

Os investigadores descobriram algo surpreendente recorrendo à tecnologia de electroencefalograma (EEG): quase 40% dos pacientes estudados mostraram atividade cerebral normal ou quase normal até uma hora durante a reanimação cardiopulmonar (RCP), contrariando a crença há muito estabelecida de que o cérebro sofre danos irreversíveis aproximadamente 10 minutos após a paragem cardíaca.

Os dados do EEG mostraram picos em ondas cerebrais ligadas a funções mentais superiores, como ondas gama, delta, teta, alfa e beta. Os sobreviventes relataram frequentemente experiências únicas e lúcidas durante situações de quase-morte.

Os cientistas colocam a hipótese de que, à medida que o cérebro “morre”, os sistemas inibidores são removidos, fornecendo acesso a “novas dimensões da realidade”, incluindo a recolha lúcida de memórias armazenadas, desde as mais antigas da nossa infância até ao momento da morte.

Incorporar a morte na vida

Graças à rápida evolução de exames cerebrais como ressonâncias magnéticas, estamos cada vez mais perto de entender o que realmente se passa no cérebro no momento da “despedida”.

Até lá, todos nós, programados para temer o dia da nossa morte, talvez possamos todos relaxar um pouco, sabendo que a maioria das pessoas que relata estas experiências “psicadélicas” de quase-morte descreve um momento de paz e serenidade indolor.

Visto que a morte pode ser tão emocional, devemos incorporar a morte… nas nossas vidas?

Tomás Guimarães, ZAP //

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