PS passa ao lado dos reparos de Belém e deixa cair “doença fatal” no projeto da eutanásia

Manuel de Almeida / Lusa

O deputado do PS, Eurico Brilhante Dias

O PS apresentou um novo projeto de lei sobre a morte medicamente assistida em que já não consta a expressão “doença fatal”.

Os socialistas passam a usar o conceito “doença grave e incurável“, em vez de “doença grave ou incurável”, e deixam cair a expressão “doença fatal”, que estava no diploma vetado em novembro e no projeto de lei do PS entregue em 2019.

Na altura do veto, Marcelo Rebelo de Sousa pediu aos deputados que clarificassem “o que parecem ser contradições no diploma quanto a uma das causas do recurso à morte medicamente assistida”. No seguimento, pediu também que clarificassem se o que é exigível é “doença fatal”, se só “incurável” ou se apenas “grave”.

A nota do Presidente da República continha ainda um aviso sobre renúncia da exigência de a doença ser fatal “e, portanto, ampliar a permissão da morte medicamente assistida, ou seja, do suicídio medicamente assistido e da eutanásia”.

No fundo, a alteração acaba por sublinhar aquilo que Marcelo designou, no veto de novembro, como a “solução mais drástica e radical“. A possibilidade de recurso à morte medicamente assistida sem ser estritamente em casos de doença fatal tem sido um polo de discórdia entre os deputados favoráveis à despenalização e o Presidente da República.

Esta terça-feira, Eurico Brilhante Dias, líder da bancada socialista, disse aos jornalistas que “o PS, com todo o respeito institucional, e com toda a vontade de responder, entende que a resposta que está a dar responde ao conjunto de preocupações que o senhor Presidente da República levantou”, ainda que não antecipe “decisões do Presidente da República”.

Na mesma conferência de imprensa, a deputada socialista Isabel Moreira afirmou que o texto agora apresentado é o mesmo, embora com o esclarecimento pedido.

É o mesmíssimo texto, após o veto do Presidente da República. O que nos desafiou a fazer foi a clarificar num texto, que foi aprovado por uma larguíssima maioria na Assembleia da República, aspetos formais”, disse, citada pelo jornal Público.

A deputada acrescentou que foi feita também uma outra alteração: o texto passou a referir-se a “morte medicamente assistida” e não a “antecipação da morte medicamente assistida”.

A intenção da bancada socialista é agendar o debate na generalidade já em junho, assim que termine o processo orçamental, para que “baixe à especialidade o mais rapidamente possível”.

“Nada disto faz sentido”

Ana Sofia Carvalho, professora de Bioética da Universidade do Porto, considera que as alterações ao projeto do PS não respondem às preocupações expressas pelo Presidente da República. “Nada disto faz sentido”, disse, à Renascença, referindo-se à retirada da palavra “fatal” da nova versão.

“Nada disto faz sentido, é uma coisa muito estranha. E, depois, quando dizem que só doença grave, incurável e irreversível, que origina sofrimento de grande intensidade, isto aplica-se a todos os casos oncológicos“, explicou a especialista.

“Como é que o senhor Presidente sublinha em todo o documento que passar para lá da doença grave é algo que lhe parece que está completamente ao arrepio do que é a vontade geral e a proposta do PS é deixar cair o conceito de doença fatal?”, questionou, apelando a um debate no Parlamento sobre esta matéria.

“Se há uma mudança tão radical no que é, segundo o senhor Presidente, o sentir da sociedade portuguesa, tem de haver debate parlamentar, não pode ser feito sem debate”, sublinhou Ana Sofia Carvalho.

O Presidente da República vetou o decreto em 26 de novembro, realçando que o texto utilizava expressões diferentes na definição do tipo de doenças exigidas para a eutanásia e o suicídio medicamente assistido e defendeu que o legislador tem de optar entre a “doença só grave”, a “doença grave e incurável” e a “doença incurável e fatal”.

No caso de a Assembleia da República querer “mesmo optar por renunciar à exigência de a doença ser fatal, e, portanto, ampliar a permissão da morte medicamente assistida”, segundo Marcelo, “suscita-se uma questão mais substancial”.

Na mensagem que sustenta o segundo veto ao decreto, de 29 de novembro, o Presidente da República deixou uma advertência para o caso desta lei deixar ‘cair’ o termo “fatal”, como agora acontece no diploma do PS.

“Admitamos que a Assembleia da República quer mesmo optar por renunciar à exigência de a doença ser fatal, e, portanto, ampliar a permissão da morte medicamente assistida, ou seja do suicídio medicamente assistido e da eutanásia. Se assim for, alinhará pelos três Estados europeus citados pelo Tribunal Constitucional e pela Espanha — que, entretanto, aprovou lei no mesmo sentido -, os quatro com solução mais drástica ou radical, e afastando-se da solução de alguns Estados Federados norte-americanos, do Canadá e da Colômbia”, escreveu.

O Presidente questionou se esta “visão mais radical ou drástica” corresponde ao “ao sentimento dominante na sociedade portuguesa”.

“Ou, por outras palavras: o que justifica, em termos desse sentimento social dominante no nosso País, que não existisse em fevereiro de 2021, na primeira versão da lei, e já exista em novembro de 2021, na sua segunda versão? O passo dado em Espanha?”, perguntou ainda.

ZAP // Lusa

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