Programa de Ellen DeGeneres investigado por denúncias de racismo contra funcionários

O The Ellen DeGeneres Show, programa apresentado por Ellen DeGeneres, está a ser alvo de uma investigação interna por parte da WarnerMedia.

O processo começou depois de terem surgido várias queixas por parte dos funcionários, espelhadas num artigo do Buzzfeed onde estes afirmam que eram alvo de racismo, intimidação e bullying nos bastidores do programa, segundo avança a Variety.

Os executivos da Telepictures, a produtora do programa, e da Warner Bros. Television (WBTV), a distribuidora do mesmo, enviaram um comunicado aos membros do staff, na semana passada, informando que o departamento de recursos humanos da Warner Media, a dona da WBTV, iniciou um processo de recolha de testemunhos de funcionários sobre a sua experiência na produção do programa e ambiente no estúdio.

Vão ser entrevistados tanto os trabalhadores atuais como antigos, sendo que, para ajudar na recolha dos depoimentos, a WarnerMedia contratou uma auditoria externa, desconhecendo-se a sua identidade. A carta que informou o staff do programa de Ellen foi escrita por Donna Redier Linsk, a vice-presidente executiva da Telepictures, e por Donna Hancock Husband, a vice-presidente dos recursos humanos da WBTV.

Na origem da carta enviada, e da posterior investigação iniciada, estão os recentes depoimentos públicos que denunciaram as “péssimas condições de trabalho” que os trabalhadores têm de enfrentar, enquanto exercem as suas funções profissionais para o programa de Ellen.

Tudo começou quando, em abril, a Variety denunciou o tratamento que os funcionários, da equipa principal do programa, foram sujeitos durante a pandemia e o confinamento instaurado.

A investigação levada a cabo pelo Buzzfeed

Em julho, o Buzzfeed publicou um texto onde denunciava situações de racismo e intimidação da apresentadora norte-americana e dos produtores contra os seus funcionários. Neste testemunho, feito por 11 funcionários anónimos, actuais e antigos, do programa de Ellen, foi revelado o facto de os funcionários terem sido alvo de racismo, bullying e intimidações, tudo isto inserido num ambiente de trabalho tóxico.

O relato publicado pelo site continha um vasto número de acusações de comportamentos racistas, desde pequenas agressões a piadas sobre confundir duas funcionárias negras com o mesmo penteado.

A investigação do Buzzfeed detalhou incidentes nos quais os funcionários disseram ter sido marginalizados, alvo de medidas disciplinares ou até mesmo despedidos por falarem em situações de discriminação, tirarem baixas médicas ou por terem ido assistir a funerais de membros familiares, entre outras coisas.

Para além das situações de racismo atrás expostas, foram feitas acusações endereçadas igualmente a Ed Glavin, o produtor executivo do programa. Segundo o que contou uma antiga funcionária do programa, ao Buzzfeed, esta despediu-se depois de ter sido convocada para uma reunião com Glavin, onde foi repreendida por ser contra a utilização da expressão “espírito animal”, por ter pedido um aumento e por ter também sugerido que os funcionários do programa devessem receber aulas de inclusão e diversidade no local de trabalho. A ex-funcionária relata que Glavin lhe disse que esta “andava por todo o lado com cara de ressentimento e raiva.”

Em resposta a este artigo do Buzzfeed, Glavin, Andy Lassner e Mary Connely, os outros produtores executivos do programa, partilharam publicamente um comunicado conjunto, enviado ao Buzzfeed, onde falaram sobre estas alegações. “Estamos realmente com o coração partido e lamentamos saber que uma pessoa da nossa família de produção teve uma experiência negativa. Isto não é quem nós somos, nem quem queremos ser, nem é a missão que Ellen nos encarregou,” disse o grupo.

“Para que fique registado, a responsabilidade diária do programa de Ellen é completamente nossa. Todos nós levamos isto muito a sério e percebemos, como estão muitos no mundo a aprender, que precisamos de fazer melhor, e estamos dispostos a fazer melhor, e iremos fazer melhor.”

O The Ellen DeGeneres Show tem as suas emissões, neste momento, suspensas devido à pandemia da covid-19, não havendo ainda detalhes sobre como e quando será o regresso do programa mais visto dos Estados Unidos, que tem já 17 temporadas.

“Sejam amáveis”, mas só para o grande público

Ellen DeGeneres conseguiu construir o seu atual estatuto de fama global, e uma marca multimilionária, em função do lema “sejam amáveis”, e para pôr isso em prática, vários são os momentos em que Ellen pratica caridade, oferecendo donativos e apoios aos mais carenciados e até à própria audiência do seu programa.

Mas, segundo as alegações publicadas no BuzzFeed News, os seus funcionários, nos bastidores, não recebem o mesmo tratamento. Ao invés de dinheiro, caridade e bondade, para estes existe racismo, medo instalado e comportamentos de intimidação.

“Esse lema ‘sejam generosos’ é tudo uma fachada, apenas acontece quando as câmaras estão ligadas. É tudo apenas para puro entretenimento”, contou um antigo funcionário ao BuzzFeed News. “Sei que dão dinheiro às pessoas e as ajudam, mas é apenas para aumentarem a popularidade do programa.”

Aparentando ser uma pessoa de toque e afetos, Ellen é muitas vezes vista a abraçar os seus convidados, a brincar com estes, a confidenciar coisas com a sua audiência, proporcionando uma experiência familiar para quem vê o seu programa. Mas estas práticas não são, igualmente, repercutidas junto dos seus funcionários.

Surgiram confissões, também junto do Buzzfeed, que os trabalhadores receberam ordens, dos seus patrões diretos, para não dirigirem a palavra a DeGeneres, se a encontrassem nos corredores do estúdio.

A maior parte dos antigos funcionários põe a culpa nos produtores executivos pela toxicidade que se vive no local de trabalho, mas um trabalhador em particular coloca as culpas em Ellen, dizendo que é o seu nome que está no programa e que ela precisa urgentemente “de reivindicar responsabilidade” pelo ambiente que se vive nos estúdios do The Ellen DeGeneres Show.

“Se ela quer ter o seu próprio programa e ter o seu nome no título, ela precisa de estar mais envolvida nas coisas que se andam a passar”, exigiu um antigo funcionário. “Acho que os produtores executivos rodeiam-na e dizem-lhe coisas como ‘as coisas andam maravilhosas, todos estão felizes’ e ela acredita nisso, mas é da sua responsabilidade ir para além disso.”

O inicio da polémica

Tudo começou, como referido, em abril, quando a Variety denunciou o “péssimo tratamento” que os funcionários foram sujeitos durante a pandemia e o confinamento instaurado. Na altura, mais de 30 trabalhadores ficaram furiosos por não terem recebido, durante um mês inteiro, qualquer tipo de comunicação escrita acerca do seu número de horas de trabalho, salário, nem um questionário, da parte dos produtores, sobre a sua saúde física e mental enquanto estavam confinados.

As fontes anónimas tinham adiantado à Variety que as instâncias mais altas da produção do The Ellen DeGeneres Show atendiam ocasionalmente as chamadas telefónicas, mas sem adiantar quase nada sobre a situação profissional dos funcionários.

A juntar a isto, a equipa ficou ainda mais chateada pelo facto de Ellen ter, recentemente, contratado uma equipa de tecnologia externa, não sindicalizada, para a ajudar a gravar o programa, remotamente, desde a sua casa, na Califórnia.

Com esta nova aquisição de Ellen, a maior parte da equipa de trabalho viu-se sem trabalho e com cortes no salário, mesmo tendo as mesmas aptidões profissionais que a Key Code Media, a empresa contratada para ajudar na produção dos elementos técnicos do novo programa em formato remoto.

“Devido ao distanciamento social necessário dada a pandemia, tiveram que ser feitas mudanças técnicas na maneira como o programa era produzido, de modo a respeitar os protocolos de saúde pública”, disse um funcionário da Warner Bros, acrescentando que nenhum membro da equipa do programa perdeu o emprego, à luz da contratação da Key Code Media.

Quando os produtores executivos decidiram explicar o estado da situação, revelaram que todos os funcionários iriam sofrer um corte de 60% nos salários, mesmo com o programa a continuar a ir para o ar. Apenas quatro funcionários da equipa principal se mantiveram a trabalhar na versão remota da transmissão do programa.

Segundo uma fonte próxima do programa, esta decisão é totalmente inconsistente com a mensagem diária que Ellen deixa, no pequeno ecrã, aos espectadores: “Sejam amáveis.”

Um representante da Warner Bros. Television, a distribuidora do programa, disse à Variety que “os nossos produtores executivos e a Telepictures estão comprometidos a tomar conta do nosso staff e da nossa equipa, e fizemos decisões, em primeiro lugar, com eles nos nossos pensamentos.” O estúdio reiterou o facto de a equipa estar a ser paga de forma consistente, apesar de trabalhar em regime de horário reduzido.

Mas a verdade é que, segundo as alegações feitas, durante mais de duas semanas, desde fim de março até 9 de abril, a equipa do programa, desde o responsável pela iluminação, até aos operadores de câmara, foi completamente ignorada acerca de como e quanto iria ser paga. Os telefonemas feitos pela Telepictures aos membros da equipa foram esporádicos e sem qualquer tipo de informação, antes e depois deste silêncio de 14 dias, segundo avança a Variety.

A falta de transparência da liderança de Ellen DeGeneres continuou quando esta decidiu apresentar cinco programas por semana ao invés de quatro, gravados em dois dias. O silêncio dos produtores criou um clima geral de ansiedade junto da equipa do programa, que receou ser excluída e, confirmando-se esse caso, teria de pedir os benefícios de estar desempregada.

Outro representante anónimo da Warner Bros. reconheceu que a comunicação entre as partes poderia ter sido melhor, mas justificou-se com as complicações que surgiram com o caos instalado pela covid-19.

A 2 de abril, a maioria da equipa da produção ficou chocada quando descobriu que DeGeneres tinha um estúdio remoto montado na sua própria residência, onde gravava o programa. Para além da fúria, os trabalhadores só souberam da novidade através das redes sociais, em publicações colocadas por colegas de outros departamentos.

Em situação normal, Ellen grava durante quatro dias por semana. Os episódios ambientados no estúdio foram gravados, pela última vez, na semana de 9 de março. A última vez que a equipa foi paga na totalidade foi na semana de 16 de março, em que a Warner Bros. decidiu fechar as portas, como medida de precaução de modo a prevenir o aumento do contágio do coronavírus, de acordo com o estúdio. A semana seguinte, de 23 de março, existiu uma pausa planeada de primavera.

“Quando retornados da paragem, à equipa foi-lhe paga a semana de 30 de março, apesar de não existirem informações do lado do estúdio em relação aos planos a serem adoptados, nem sobre quando a produção irá retomar”, disse a fonte à Variety. O pagamento correspondente a 8 horas de trabalho diárias sofreu alterações, contabilizando-se agora 10 horas por dia, para a semana de dia 30.

No dia 7 de abril, marcado pelo regresso de DeGeneres à televisão, esta contou aos espectadores que “queria começar o seu novo programa o mais rápido possível”. A apresentadora disse, em específico, que o programa era dedicado a “todo o meu staff e equipa. Eu amo-a, tenho saudades dela, a melhor coisa que posso fazer para a apoiar é manter o programa no ar.” A 10 de abril, a equipa foi informada de que devia esperar uma compensação reduzida de dois dias com 8 horas de trabalho diário, por semana.

Mais ainda angustiante para os funcionários é o facto de não terem tido nenhum contacto pessoal com a líder do programa, que não procurou saber o estado dos seus trabalhadores a meio de uma crise de saúde pública, contou uma fonte à Variety.

A equipa de palco opera separadamente dos produtores, argumentistas e assistentes de Ellen. Mas, muitos dos membros da equipa principal, afetados por este tratamento por parte da sua entidade empregadora, têm trabalhado junto de DeGeneres desde que o programa foi a primeira vez para o ar, há 17 anos.

O único a ser acusado de negligenciar os funcionários

Tentando perceber se esta situação era generalizada a todo o setor, a equipa de trabalho de Ellen procurou recolher informações junto de colegas de outros programas semelhantes ao The Ellen DeGeneres Show. Porém, aquilo que várias dessas pessoas inquiridas estão a passar é uma situação totalmente contrária àquela vivida no set de Ellen.

Por exemplo, os auxiliares de palco de Jimmy Kimmel Live!, o programa apresentado por Jimmy Kimmel, viram os seus salários pagos do próprio bolso de Kimmel, no início do confinamento provocado pela covid-19, confirmaram duas fontes próximas dos estúdios de Jimmy, à Variety.  Para além disto, desde que o programa voltou a ser emitido, a ABC, distribuidora do programa, tem pago os salários por inteiro.

Outros talk-shows como Last Week Tonight with John Oliver, Full Frontal with Samantha Bee e Desus & Mero têm tido uma comunicação bastante transparente para com os seus trabalhadores, pagando, igualmente, os salários por inteiro.

De recordar que Ellen está numa categoria diferente em termos de televisão, dado que é uma franquia de daytime, com distribuição de primeira execução, significando que é vendida pela Warner Bros. para as estações televisivas, como se tratasse de um mercado. “O lado criativo, a entrega, as economias, as horas, os tempos de gravação, a estrutura do staff, etc. são completamente diferentes para um talk show diurno”, afirma a Warner Bros.

Ellen é uma das estrelas mais bem pagas da televisão norte-americana, ganhando mais de 42 milhões de euros anuais, provenientes do seu contrato com a Telepictures. O seu património liquido está avaliado em valores a rondar os 281 milhões de euros.

O The Ellen DeGeneres Show terminou recentemente a sua décima sétima temporada, tendo sido renovado até 2022.

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