Professores e diretores contra avaliação que altera resultados por “insuficiência de quotas”

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Wilson Dias / ABr

Notas de Excelente ou Muito Bom na avaliação de desempenho estão a ser reduzidas a Bom por “insuficiência de quotas”.

Segundo o Público, por ser regulada por quotas, a avaliação de desempenho dos professores está a criar “um ambiente de cortar à faca nas escolas”, alerta o presidente da Associação Nacional de Dirigentes Escolares (ANDE), Manuel Pereira.

Depois de ter sido protelada devido ao congelamento das carreiras da função pública entre 2011 e 2017, a avaliação de desempenho docente voltou em força às escolas a partir de 2018, envolvendo milhares de professores, entre avaliados e avaliadores.

Quase todos foram confrontados com uma evidência: quem obtém classificações máximas (Muito Bom ou Excelente) na avaliação, vê a sua nota descer para Bom na homologação final por “insuficiência de quotas“.

Isto acontece porque a lei determina que só 25% dos professores de cada escola podem obter as classificações máximas, que são as únicas que permitem acelerar a progressão na carreira.

Sendo as quotas o único padrão para a distribuição destas notas, não existe, por exemplo, “qualquer critério que permita a atribuição de um Excelente aos professores que tiveram maior participação na escola”, realça o diretor da Escola Secundária Camões, em Lisboa, João Jaime.

São todos colocados em pé de igualdade, independentemente de terem levado escola às costas ou de se limitarem a cumprir o serviço mínimo”, corrobora Manuel Pereira, para reforçar que este modo de avaliar se tornou “um dos maiores limitadores ao bom funcionamento das escolas”.

O sistema que está em vigor é regulado pela legislação aprovada em 2012 pelo Governo de Passos Coelho, que reduziu o modelo desenvolvido pela ex-ministra socialista Maria de Lurdes Rodrigues a dois instrumentos de avaliação.

São eles a observação de aulas, a cargo de professores externos às escolas, e um relatório anual de auto-avaliação com três páginas no máximo, que é analisado pelos coordenadores de departamentos.

Quanto às quotas, advêm do Sistema Integrado de Gestão e Avaliação do Desempenho na Administração Pública (SIADAP), aprovado em 2007 pelo Governo de José Sócrates.

Nem 40 anos são suficientes

“É um sistema anti-natura, que impede a avaliação do trabalho desenvolvido nas escolas, criando desmotivação e desinteresse”, insiste João Jaime.

“Por si só, este sistema de avaliação não melhorou a qualidade do desempenho docente”, observa a professora do 3.º ciclo e secundário Maria Sanches.

Entre as razões principais para tal aponta também o facto de ser “um sistema com quotas, o que torna muito difícil a um professor atingir o topo da carreira”, mesmo que o seu trabalho seja excelente. Esta docente tem 25 anos de serviço, mas só agora ingressou no 4.º escalão de uma carreira que tem dez.

Dados recentes da Direção-Geral da Administração Escolar (DGAE) divulgados pelo Conselho Nacional de Educação dão conta de que 25,6% dos professores, o maior grupo, estão no 4.º escalão, sendo que a sua média de tempo de serviço é 25,2 anos e que rondam, em média, os 50 anos de idade.

À exceção do 5.º escalão, onde só se está dois anos, o tempo de permanência média nos outros patamares da carreira é de quatro anos.

Ou seja, são necessários quase 40 anos de serviço para se chegar ao topo. E isto se não se esbarrar no que o diretor do Camões classifica como uma “barreira artificial”, que acrescenta em média mais dois ou três anos de permanência suplementar no 4.º e 6.º escalões, já que o acesso aos patamares seguintes estão sujeitos a quotas.

Mais concretamente, para passar para o 5.º e 7.º escalões os professores têm de cumprir um de dois critérios.

Obter Muito Bom ou Excelente na sua avaliação, menções que estão racionadas nas escolas, ou ter cabimento nas vagas abertas pelo Governo anualmente.

“Transformaram a avaliação numa prática administrativa para condicionar o progresso na carreira”, comenta a dirigente da Fenprof, Anabela Delgado, que aponta ainda para mais um dos motivos que estão a gerar “indignação” entre os professores: a disparidade entre escolas.

“Acontece que colegas da escola ao lado acabam por progredir mais depressa, embora tenham menos tempo de serviço. E isso porque conseguiram ter lugar nas quotas para Muito Bom e Excelente”.

Varia de escola para escola

Esta disparidade resulta essencialmente de uma escola ter mais ou menos professores em situação de progredir e de a exclusão derivada das escolas ser por essa razão maior ou menor.

Mas não é só na distribuição de quotas que se reflete a diferença entre escolas. É também nos critérios e formas de avaliar e essa é outra das razões para a degradação do clima que se vive atualmente.

“Apesar do diploma da avaliação definir estes critérios, não explicita como os aplicar, ou seja, não há indicadores de referência de qualidade nem perfis de desempenho na legislação. No diploma do SIADAP estes estão definidos”, explicita Maria Sanches.

A legislação não explica como avaliar, apenas indica o que se deve observar. “Isto significa que fica ao critério de cada agrupamento, da comissão de avaliação que neles existem e da qualidade dos documentos orientadores produzidos pelas escolas (divergem muito) e dos professores avaliadores”, sublinha.

O professor do 2.º ciclo Paulo Guinote, autor do blogue O Meu Quintal, corrobora: “É uma manta de retalhos. Há de tudo. Desde micro-critérios, esmiuçados ao pormenor e criados de um modo que inviabilizam as notas máximas a alguns grupos de pessoas, até casos em que apenas existe a referência a um ‘domínio’ de avaliação, sem qualquer tipo de referencial ou descritor”.

Na observação das aulas passa-se o mesmo. “Os avaliadores observam duas aulas de 90 minutos. Uns usam os referenciais existentes, outros não. Alguns reúnem-se com a pessoa que avaliam entre aulas e dão algum feedback. Em outros casos, isso não acontece. Em alguns casos existe uma reunião entre avaliador externo e interno para compararem as classificações, em outros apenas trocam a documentação”, conta Paulo Guinote.

Também na avaliação interna “não há um momento de discussão pública da classificação obtida, nem é obrigatória uma reflexão conjunta entre avaliador e avaliado, nem um feedback sobre o relatório de auto-avaliação que este último elabora e entrega”, descreve Maria Sanches.

O que “leva a muitos conflitos, pois a única contestação possível do avaliado é a reclamação formal feita a posteriori, isto é, após a atribuição de classificação”.

No último ano, Paulo Guinote acompanhou sete recursos, um deles sobre o seu caso. Adianta que as reclamações apresentadas, decorrentes sobretudo da descida da classificação, só não foram aceites num deles. Quando é dada razão ao professor que apresentou o recurso tem de se criar uma “quota supletiva” em seu benefício.

“Não conheço qualquer caso em que as aprendizagens dos alunos tenham ganho seja o que for com tudo isto, pois tudo se limita a apresentar ‘evidências’ da realização de atividades que, tantas vezes, são relativamente irrelevantes como aplicar um quizz numa aula”, destaca Guinote.

“Uma professora viu o seu desempenho menorizado por não ter desenvolvido atividades na ‘comunidade’ quando se estava em pandemia e, por ser de Educação Musical, ter poucas oportunidades para o fazer“, conclui, indignado.

ZAP //

2 Comments

  1. A acrescentar que há professores que ingressaram na carreira em 2017 e o tempo contou de 4 em 4 anos, enquanto os mais antigos viram-se obrigados a recuar quando a carreira teve menos escalões e nunca foram reposicionados qd voltaram a alterar a duração dos módulos de tempo de serviço. Assim, colegas com 16 anos de serviço passaram a ingressar o mesmo escalão que colegas com 25 anos de serviço.

  2. Os professores são o exemplo de uma manta de retalhos. Há os do pré-escolar, do 1º ciclo, do 2ºcico, do 3ª ciclo, do secundário, dos politécnicos, das universidades. Então sindicatos, é aos montes.
    Pergunta sacramental: os professores são todos muito bons? Todos fomos alunos e sabemos que 25% de excelentes professores ultrapassa a média que qualquer um de nós conhece.
    Os inspectores e avaliadores tem que ser um corpo externo, uma carreira própia, ou então é a bandalheira que se vê.
    Depois tem o problema dos instalados, os que tiveram a sorte de entrar e estar num escalão elevado antes de 2013 ou 2014 tem garantido o acesso ao topo da carreira,sejam bons,maus ou péssimos; um professor que tenha agora 25 anos de serviço, mesmo sendo excelente tem muita dificuldade de chegar ao topo.
    Cereja no topo do bolo: os professores que estão em cargos de direcção, ou assessoria são todos excelentes…

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