O presidente da principal agência de publicidade japonesa anunciou esta semana a sua renúncia ao cargo, depois do suicídio de uma funcionária que estava física e mentalmente exausta por causa do excesso de trabalho.
Tadashi Ishii lidera a Dentsu, uma gigante nipónica de publicidade, e assumiu a responsabilidade pela morte da jovem funcionária. O presidente afirmou que vai tornar a renúncia efetiva na próxima reunião da direção da empresa, que acontece em janeiro.
Matsuri Takahashi, de apenas 24 anos, trabalhava na agência há quase um ano quando decidiu, na noite de Natal de 2015, saltar da janela do prédio onde morava.
Já passou um ano desde o seu suicídio mas o caso veio à tona esta semana, uma vez que o Ministério do Trabalho japonês decidiu processar a empresa pela sua morte.
O Governo japonês chegou mesmo a fazer uma investigação e buscas na Dentsu para obter mais informações sobre as práticas de trabalho.
Na passada quarta-feira, a empresa admitiu que cerca de cem trabalhadores ainda fazem cerca de 80 horas extras por mês.
https://twitter.com/CurtisSChin/status/814443771257561088
Exausta
As mortes por excesso de trabalho são um problema tão comum no Japão que até existe um termo para descrevê-las: “karoshi”.
Antes de se suicidar, Takahashi deixou um bilhete para a sua mãe, no qual escreveu: “És a melhor mãe do mundo, mas porque é que tudo tem de ser tão difícil?”.
Semanas antes da sua morte, a japonesa escreveu também uma mensagem nas redes sociais em que dizia: “quero morrer” e noutra alertava para o facto de estar “física e mentalmente destroçada”.
Contratada em abril do ano passado, a jovem chegava a fazer cerca de 105 horas extras por mês.
Além disso, a família acusou a empresa de obrigá-la a registar menos horas do que, na verdade, trabalhava. Em muitos casos, o registo mostra que Takahashi trabalhou 69,9 horas por mês, perto do máximo de 70 horas permitidas, mas o número era bem maior.
A japonesa tinha acabado de se formar na prestigiada Universidade de Tóquio e expunha as condições duras de trabalho na sua conta do Twitter, na qual detalhava que às vezes trabalhava cerca de 20 horas por dia.
A carga horária disparou em outubro de 2015, quando só chegava a casa por volta das cinco horas da manhã, quando já tinha trabalhado dia e noite. Além disso, não teve um único dia de folga em sete meses.
Ao anunciar a sua demissão, o presidente da Dentsu afirmou que jamais deveriam ser permitidas essas quantidades excessivas de trabalho.
“Lamento profundamente por não ter prevenido a morte da nossa funcionária por excesso de trabalho e peço as minhas sinceras desculpas”, disse Ishii.
Outros casos
A morte de Takahashi não foi a única no quadro de funcionários da empresa japonesa.
As autoridades concluíram que o falecimento de um jovem de 30 anos, ocorrido em 2013, também terá ocorrido pelo mesmo motivo.
Antes disso, o Ministério do Trabalho determinou uma mudança nas práticas de trabalho da Dentsu, desde o suicídio de outro empregado, Ichiro Oshima, em 1991, também por causa de carga de trabalho excessiva.
A morte de Ichiro foi a primeira a ser oficialmente atribuída por trabalho em excesso. O japonês só tinha tirado um dia de folga em 17 meses e só conseguia dormir uma média de duas horas por noite.
Mesmo assim, no ano de 1997, a empresa argumentou na Justiça que o suicídio tinha sido motivado por “problemas pessoais”.
Mais de 2 mil “karoshis”
O caso de Takahashi reacendeu o debate sobre o “karoshi” e levou o Governo a aprovar, esta semana, um conjunto de medidas destinadas a prevenir novas mortes.
A sociedade japonesa valoriza um estilo de vida que tem uma extrema dedicação à profissão. Dados oficiais apontam que mais de duas mil pessoas se suicidam anualmente pelo stress provocado pelo trabalho excessivo.
Mas a quantidade de mortes pode ser ainda maior se forem considerados problemas de saúde como, por exemplo, falhas cardíacas ou acidentes vasculares cerebrais.
Um relatório apresentado pelo Governo em outubro revelou que, em 22,7% das empresas analisadas, alguns empregados fazem mais de 80 horas extras todos os meses.
ZAP // BBC