Portugal tem 87% da população vacinada, mas regista uma tendência crescente de casos de covid-19. Que medidas sugerem os especialistas?

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Patricia De Melo Moreira / EPA

Especialistas concordam com algumas das medidas mais leves — as últimas a serem levantadas — perante o aumento do número de casos, mas afastam cenários de confinamentos como os que o país viveu em março de 2020 e janeiro de 2021. Administração das doses de reforço deve ser uma prioridade.

António Costa admitiu-o ontem. “Quanto mais tarde atuarmos, maiores serão os riscos” que a covid-19 poderá representar para a população portuguesa, face ao recente aumento de casos e apesar de o país apresentar uma das maiores taxas de vacinação na Europa. No que respeita à atuação das autoridades portuguesas, de forma a conter a chamada quinta vaga, muitas das respostas poderão surgir na sexta-feira, dia para o qual está agendada nova reunião no Infarmed, na qual serão também antecipados os próximos meses.

Para já, os especialistas parecem dividir-se quanto à veemência das medidas a dotar — se é que devem ser adotadas — e quando as implementar.

Raquel Duarte, membro da Administração Regional de Saúde do Norte, do Instituto de Saúde Pública e uma das responsáveis por delinear o programa de desconfinamento português, considera importante a adoção de medidas, de forma a travar o surgimento de casos que podem por em perigo o sucesso da vacinação em Portugal e resultar numa sobrelotação dos serviços de saúde. Como tal, destaca a importância de acelerar na vacinação dos maiores de 65 anos e de reduzir a transmissão.

Tal só será possível através de medidas que, no entender de Raquel Duarte, já deveriam fazer parte do quotidiano da população portuguesa. “É preciso que na comunidade haja uma redução na transmissão através das medidas que nós já conhecemos: distanciamento, utilização da máscara, higienização das mãos, evitar ir ter com os nossos colegas e familiares tendo sintomas respiratórios, a testagem mais frequente particularmente quando se vai ter algum comportamento de maior proximidade com outras pessoas. Não precisamos de estar à espera de nenhuma orientação”, disse, citada pelo jornal Público.

De acordo com outro perito em saúde pública ouvido pelo mesmo jornal, que pediu para não ser identificado, muito do que será dito esta sexta-feira na reunião do Infarmed já consta no plano apresentado em setembro e que previa que medidas deveriam ser adotadas num cenário de agravamento da situação pandémica. “Há uma série de medidas, como o uso da máscara em espaços fechados, a promoção do teletrabalho e não necessariamente a obrigatoriedade, a ventilação dos espaços dos espaços e eventualmente voltar a definir lotações para os espaços são alguns exemplos”, explicou.

Para este especialista, é importante antever como é que estará Portugal daqui a um ou dois meses, precisamente na quadra natalícia, já que os números atuais indicam um cenário pior ao de 2o20. “No final da próxima semana vamos aproximar-nos dos 2000 casos diários”, exemplificou. Para a mesma fonte, “apesar das consequências não serem de todo comparáveis, isto não significa que não haja conseq1uências”.

Tiago Correia, professor de Saúde Internacional e investigador do Instituto de Higiene e Medicina Tropical da Universidade Nova de Lisboa, tem uma posição diferente da dos seus pares em relação à imposição de novas medidas restritivas. “Para já e à luz daquilo que sabemos, não deve acontecer porque não podemos fazer uma campanha de vacinação que foi um sucesso advogar a eficácia das vacinas para reduzir a doença para agora estarmos a tentar reduzir a circulação do vírus sem evidência, para já, que os cuidados de saúde vão ficar numa situação crítica em virtude deste aumento dos contágios.”

Como tal, o especialista defende que se deve olhar sobretudo para os números da ocupação hospitalar e não tanto para os da transmissão e do contágios. “Nos países com níveis de vacinação próximos dos nossos não há uma evidência clara de que os internamentos e os óbitos cresçam exponencialmente. Portanto, tomar medidas preventivas não faz sentido enquanto não tivermos a evidência de que os internamentos e os óbitos vão aumentar exponencialmente com o aumento dos contágios. Tem de se fazer a monitorização da doença e não do vírus”, esclarece.

Ainda assim, não coloca de parte a adoção de algumas medidas. “Se fosse fácil do ponto de vista jurídico incentivaria sempre que possível o teletrabalho”, assim como o uso de máscaras em espaços fechados.

Para Manuel Carmo Gomes, professor da Faculdade de Ciência da Universidade de Lisboa (FCUL), seria pertinente a “avaliação multissectorial da sociedade portuguesa”. Para o especialista, um número importante a reter o das camas de cuidados em cuidados intensivos, 255, o qual não pode ser atingido — atualmente há 80 doentes internados nestas unidades.

“Eu acho que para evitar isto tem de se começar pelas medidas que evitam a propagação do vírus sem que haja grande interferência na nossa vivência social normal do dia-a-dia e sem que haja grande perturbação dos vários setores da economia”, ressalvou. Entre as medidas que apoiaria estão a “limitações de lotação em espaço”, “obrigatoriedade da utilização de máscara em espaços fechados onde não existe ventilação”, “o teletrabalho quando ele é possível” e a “obrigatoriedade de apresentação do certificado digital para entrar em certos recintos”.

Mesmo assim, entendo o especialista, essas medidas só deverão ser adotadas quando se entender que estamos prestes a atingir a linha vermelha da ocupação hospitalar. “Para já, ainda não estamos nessa situação.” Sobre a vacinação das pessoas com mais de 65 anos, Carmo Gomes defende que é “altamente desejável” acelerar a administração destas doses.

Ao Jornal de Notícias, o docente avançou ainda que Portugal atingirá, na próxima semana, os dois mil casos por dia e, na primeira metade de dezembro, os três mil, pelo que recomenda aos portugueses que façam testes rápidos, idealmente dois por semana.

Finalmente, Ricardo Mexia, presidente da Associação de Médicos de Saúde Pública, considera que apesar de a situação se estar a agravar do ponto de vista epidemiológico, os números mais recentes ainda não têm um “impacto muito significativo” ao nível dos cuidados de saúde e na mortalidade.”Penso que é prematuro estar a pensar já em medidas restritivas quando ainda temos muito que podemos fazer”, esclareceu o especialista que destaca, para além do papel da vacinação, o dos testes rápidos.

Para o próprio, medidas como a “utilização da máscara sempre que estamos com maior proximidade ou num espaço fechado; melhorar a ventilação dos espaços; e ter e, conta as necessidades de higienização das mãos. No que respeita ao teletrabalho, Ricardo Mexia diz que a modalidade “pode ter vantagens nos diversos eixos e pode ser incentivado”.

ZAP //

2 Comments

  1. Os dinheiros públicos investidos nas vacinas e nos meios para a publicitar e aplicar serviram para que?
    Se está tudo igual/pior ao Portugal de 2020 com 0% de vacinados?

    Não existe qualquer métrica que indique redução de mortalidade, transmissibilidade ou o que quer que seja..de uma população pouco ou muito vacinada.

    O que se continua a ver são velhos e obesos a sofrer com o vírus e o resto nada muda.

    E o custo de parar 99% de uma população saudável (que vai sair física, mentalmente e financeiramente mais frágil) vale a pena por reduzir (sem grande margem) o risco de 1% da população frágil que continua a falecer em igual percentagem?

  2. Afinal para que fomos todos ser vacinados? É óbvio que neste momento o vírus apresenta uma taxa mínima de mortalidade (graças em grande parte à vacinação), se olharmos para os números a frio (o que se espera de governantes), este vírus tem mortalidade inferior a outras doenças, inclusive o influenza já mata mais.
    Está claro que temos de continuar a vacinar e a reforçar a vacina a quem está a perder imunidade, mas a nossa vida não pode ser sempre isto!!! Máscaras, redução de lotação, etc … parece ridículo para um vírus que já se viu que vai ficar durante muito tempo.
    Se a mortalidade já não é o problema, e agora o drama é os internamentos, em vez de retirar qualidade de vida para não atingir as 250 camas, talvez se devesse começar a aumentar o número de camas!!

    Parece ridículo que ao fim de um ano ainda temos o mesmo número de camas disponíveis que tínhamos quando descobrimos o vírus, o que se vai gastar em apoios e aplicação de medidas daria para aumentar o número de camas e pessoal medico para o triplo e ainda sobrava dinheiro … sem falar do aumento de qualidade de vida.

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