Existem milhares de espécies de aves na Terra — entre cerca de 10.000 e 18.000. O registo fóssil sugere que surgiram na sequência da última grande extinção, há 66 milhões de anos, quando um asteroide abalou o Planeta e levou à extinção dos dinossauros não aviários.
Mas, a forma como se processou esta rápida evolução tem sido um mistério biológico de longa data. Segundo o Popular Science, uma nova investigação pode ter a resposta sobre esta proliferação de aves.
Num estudo publicado na Science Advances, os cientistas relatam padrões de alteração do ADN na árvore da vida das aves, associadas ao fim súbito e impetuoso do período Cretáceo.
É a primeira prova publicada até à data de grandes alterações nos genomas das aves, diretamente resultantes do evento de extinção, de acordo com Jacob Berv, principal autor do estudo e biólogo evolutivo da Universidade de Michigan.
“Estamos a utilizar novos modelos estatísticos para detetar este tipo específico de padrão nas sequências que não tínhamos conseguido detetar antes”, diz Berv. “Está a permitir-nos associar grandes mudanças nos genomas das aves a este evento de extinção em massa de uma forma direta e muito clara, o que não tínhamos conseguido fazer anteriormente”, acrescenta.
De acordo com a investigação, estas assinaturas genéticas não são aleatórias. As mudanças de ADN observadas estão associadas a alterações no tamanho do corpo e nos cuidados parentais que podem ter sido fundamentais para o sucesso e a diversificação das aves, de acordo com uma análise secundária efetuada por Berv e os seus colegas.
A extinção que marcou o fim do período Cretáceo e o início do período Paleogéico deixou sinais óbvios. Por um lado, há a cratera Chicxulub, com 6,2 kms de largura, no México. Depois, há a fronteira K-Pg no registo geológico, uma camada distinta de rocha rica em irídio. Há, também, a ausência conspícua de Tyrannosaurus rex.
Agora, os investigadores descobriram mais uma peça no puzzle da influência que um único e grande asteroide teve na Terra.
“Penso que, em geral, subestimámos a medida em que estes eventos de extinção moldam a diversidade moderna”, afirma Nick Longrich, paleontólogo e biólogo evolutivo da Universidade de Bath, em Inglaterra.
Longrich não participou na investigação da Berv, mas estudou anteriormente as aves que não conseguiram atravessar a linha Cretáceo-Paleogénica. “Temos tendência para nos concentrarmos nas pequenas mutações do dia a dia — aquilo a que chamamos micro evolução — mas, se olharmos para trás, ao longo de enormes períodos de tempo, veremos que estes acontecimentos extremos e raros foram extremamente importantes para a evolução da vida na Terra”.
Com o novo estudo, “o que é interessante é que o conseguimos detetar”, acrescenta.
Os cientistas utilizaram um modelo informático para analisar amostras parciais do genoma de 198 espécies de aves atuais, abrangendo todo o clado das aves, recolhidas em espécimes de museus.
Combinado com informações do registo fóssil sobre o momento do aparecimento de certas linhagens, Berv e os seus colegas conseguiram reconstruir uma história de transições evolutivas e descobrir “fósseis genómicos”.
Análises anteriores semelhantes tenderam a utilizar modelos construídos em torno de pressupostos como o de que a proporção de A’s, T’s, G’s e G’s é relativamente estável ao longo da evolução e que as substituições ocorrem apenas aleatoriamente.
Na realidade, porém, é muito mais provável que os T’s transformem em C’s do que em A’s, diz Sonal Singhal, coautor do estudo e geneticista evolutivo da Universidade Estatal da Califórnia.
O novo estudo adotou uma abordagem diferente, utilizando um modelo que não incluía estas suposições padrão e que, em vez disso, contabilizava as alterações mais prováveis na composição do ADN.
Com este modelo melhorado, identificaram 17 mudanças diferentes e importantes na composição molecular no seu conjunto de dados. 15 foram agrupadas no espaço de 5 milhões de anos após a extinção K-Pg e 12 estavam diretamente ligadas a divergências entre linhagens de aves.
“É muito, muito claro que estas grandes alterações na composição [do ADN] estão a ocorrer num intervalo muito curto”, afirma Berv.
A partir daí, os cientistas utilizou um modelo de aprendizagem automática para associar as alterações observadas no genoma a características.
Descobriram que o tamanho do corpo e os cuidados parentais foram fortemente afetados por essas alterações do ADN. Em todos os taxas que os investigadores examinaram, verificaram que as aves se tornaram mais pequenas após as alterações genéticas relacionadas com a extinção em massa e que os recém-nascidos se tornaram menos maduros quando emergiram e mais dependentes dos cuidados parentais.
O tamanho da ninhada e a granivoria, ou seja, o consumo de sementes, também foram significativamente associados às alterações de ADN observadas.
A vida imediatamente a seguir a um impacto maciço de um asteroide é difícil. Num dia, “estamos habituados a dias agradáveis e ensolarados no Cretácio, com uma bela floresta e comida abundante e, de repente, estamos num inferno“, diz Daniel Ksepka, paleontólogo e conservador do Museu Bruce.
Kspeka não participou na nova investigação, mas já estudou anteriormente a diversificação das aves. “Faz muito sentido” que o estudo identifique essas alterações de características como estando ligadas ao evento de extinção, observando que o tamanho e os cuidados parentais eram provavelmente características importantes para gerir uma realidade subitamente muito mais dura.
As aves mais pequenas precisam de menos comida e combustível e podem sobreviver com menos. E pesquisas anteriores indicaram que o filhotes menos maduros, contraintuitivamente, se desenvolvem e crescem mais rápido, o que também pode ter sido fundamental para aumentar o sucesso reprodutivo ao longos das gerações.
O aumento da ingestão de sementes é uma descoberta particularmente interessante, diz Ksepka. Muitas plantas morreram ou não puderam crescer porque as cinzas bloquearam a luz solar no final do Cretáceo. Mas as sementes teriam permanecido como uma potencial fonte de alimento durante, pelo menos, alguns anos. O aparecimento da granivoria nos dados genéticos apoia as teorias existentes de que os pássaros bicudos sobreviveram e se diversificaram devido à sua capacidade de tirar partido de um recurso que outros não conseguiam.
No entanto, há algumas questões que a nova investigação não resolve. Como se baseou em genomas parciais — e não completos —, Berv observa que o estudo não identifica todas as alterações genéticas importantes que provavelmente ocorreram como resultado do impacto do Chicxulub.
Há uma margem de erro incorporada nos estudos de modelação genética. O registo fóssil é incompleto e a análise de dados genéticos contemporânea através da lente do que aconteceu há 66 milhões de anos traz consigo muitas incertezas, como exemplificam as recentes descobertas que mudaram o paradigma.
“Estes modelos e tentativas de reconstruir as coisas. Não são a verdade de Deus“, diz Longrich. Embora considere o estudo uma tentativa inicial convincente de utilizar este novo método e apresentar uma hipótese de como a evolução das aves pode ter ocorrido na fronteira K-Pg, não está totalmente convencido de que seja a palavra final.
A ciência é um processo contínuo e fluido. E um estudo não cimenta uma hipótese como um facto, observa Longrich. “Eu não apostaria a minha vida em como esta filogenia está correta. Mas apostaria uma cerveja em como está correta — é esse o nível de confiança”, diz.
“Há fósseis no Cretáceo que ainda estamos a tentar classificar. Mas é um primeiro passo muito interessante“.
À medida que mais passos se seguirem, teremos uma visão ainda mais profunda do passado longínquo e de como ele ainda reverbera no presente. Um dia, poderá ajudar-nos a descodificar o que está para vir.
“Compreender como a evolução da vida está ligada a grandes mudanças na história da Terra é uma questão fundamental em biologia“, diz Bery. Algumas investigações indicam que uma nova extinção em massa causada pelo Homem já está em curso e a evolução das aves pode oferecer-nos um roteiro para nos prepararmos para as consequências.
“Se quisermos saber como a vida responderá a eventos atuais e futuros — algo maciço como as alterações climáticas — o único recurso em que temos de confiar é a história“.