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Polinizar o Metaverso: estufas para o pensamento

AFD / Midjourney

Num mundo em rápida mudança, com a tecnologia a evoluir a um ritmo que nos deixa tontos, torna-se difícil manter-nos à tona num dilúvio de informação, processos e software.

Para melhor compreender a nossa situação, olhamos para estas épocas de grande mudança como acontecimentos discretos, em vez de processos contínuos.

Termos como a ‘Era da Informação‘ e a ‘Transformação Digital’ são emblemáticos dessa forma de pensar.

No início dos anos 2000, quando o termo ‘Era da Informação’ já começava a acusar algum desgaste, começou a falar-se de um novo período — a ‘Era da Imaginação‘, onde a criatividade iria impulsionar o crescimento económico e moldar o futuro.

Uma década antes, já o filosofo Agostinho da Silva tinha lançado, numa espécie de profecia provocatória, a ideia de que “O homem não nasce para trabalhar, nasce para criar, para ser aquele poeta à solta”.

Hoje encontramo-nos confrontados com a questão de saber se esse desejo inato de criar é ou não parte daquilo que nos define enquanto humanos — uma discussão muito atual face aos recentes avanços em Inteligência Artificial.

Toran, criador do AutoGPT

Não é ainda possível saber qual será o impacto da IA no trabalho em geral e nas atividades criativas em particular.

No entanto, podemos antever desde já grandes disrupções. A própria OpenAI estima que o impacto será muito significativo em quase 20% dos empregos.

Tradicionalmente olhamos para automação como uma força do mercado que incide principalmente sobre os trabalhos mais repetitivos, mas estas novas ferramentas vieram colocar em causa essa ideia.

Como será que estas ferramentas vão afetar os trabalhos de índole criativa e intelectual? A resposta vai depender da forma como as utilizamos.

É no entanto claro que o uso correto destas novas ferramentas tem o potencial de nutrir a criatividade humana, e talvez seja que aqueles que se dediquem a desafios criativos se tornem nos tais ‘poetas à solta’ a projetar novas ondas de mudança.

Metaverso

O metaverso pode ser mais uma dessas etiquetas que criamos para tentar compreender o mundo à nossa volta, uma etiqueta envolta em ambiguidade etimológica.

Meta, é um prefixo grego que denota “depois” ou “além”, e é também comummente usado como prefixo para “auto-referência” (como em metadados). Em ambos os casos, um prefixo presunçoso quando em conjunção com -verso.

Uma visão mais pragmática e saudável, embora etimologicamente menos correta, é a do metaverso como uma coleção de mundos digitais que assumem a sua artificialidade de forma a promover o espírito de invenção e descoberta humano — sandboxes (caixas de areia) em vez de um mundo “além” do mundo real.

Cultivar Criatividade

Ok, se estamos então numa nova meta-era (vamos abraçar a suposição), como serão essas novas meta-pessoas? Onde se escondem e o que podemos fazer para as encontrar?

Morpheus, The Matrix 1999

Para esse efeito, temos de superar o paradigma da era industrial e reimaginar o que significa ser humano, aprender e criar. Isto implica não sermos receptores passivos de informação como as vítimas da Matrix — meros recursos no mundo das máquinas — mas sim agentes de mudança consciente.

Como podemos traçar um caminho para esta “nova” meta?

Um vetor é o de deliberadamente criar novos ambientes físicos e digitais, laboratórios e salas de aula do futuro, onde a aprendizagem é uma experiência multidimensional e colaborativa, adaptada a cada um, um processo de descoberta, onde o foco é, não produzir, mas explorar.

Estes ambientes — espaços de coworking, incubadoras, aceleradoras, escolas, casas, e sabe-se lá mais o quê — serão os nossos novos ecossistemas. Florestas vivas, com espécies exóticas de pensamentos, ideias e todo o tipo de vida selvagem.

Numa floresta, há uma fusão harmoniosa entre as diferentes formas de vida. Há algo de mágico na sinergia entre as diferentes espécies.

Estes ecossitemas contrastam fortemente com a realidade que vivemos hoje de árvores dispersas no meio do betão. A educação, por exemplo, é hoje ainda maioritariamente composta por um currículo padronizado, aprendizagem passiva e disciplinas compartimentadas.

É assim necessário conceber um modelo de aprendizagem colaborativa, experimental e orientada a projetos que as pessoas se sintam naturalmente motivadas a desenvolver — e onde possam estabelecer sinergias com o meio que as rodeia e a sua comunidade.

O nosso objetivo deve ser criar esses novos ambientes onde as ideias possam ser trocadas livremente, polinizadas e cultivadas — como estufas para o pensamento.

Abel Dantas, ZAP * //

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