Durante a Guerra Fria, Londres temia que os movimentos de ideologia progressista ganhassem tracção e criou campanhas de desinformação para semear discórdia entre os líderes do movimento de direitos civis dos negros.
O Governo britânico criou uma campanha de desinformação para tentar descredibilizar Stokely Carmichael, um dos mais importantes líderes do movimento de direitos civis dos negros dos anos 60 nos Estados Unidos, de acordo com documentos confidenciais que foram recentemente revelados.
A unidade secreta conhecida como Departamento de Pesquisa de Informação, que fazia parte do Ministério dos Negócios Estrangeiros, criou e distribuiu conteúdos de fontes falsas como parte de um plano mais alargado para a desestabilização dos seus inimigos na Guerra Fria.
Apesar da União Soviética e da China serem os maiores inimigos das potências ocidentais durante a Guerra Fria, os grupos de raiz ideológica esquerdista também eram encarados como ameaças, escreve o The Guardian.
Um dos principais alvos foi Stokely Carmichael, um carismático activista que defendia uma ideologia pan-africanista e socialista e que até teve de fugir para a África Ocidental para escapar ao assédio das agências policiais norte-americanas.
Os documentos britânicos mostram que o Governo tentou semear as sementes da discórdia ao criar uma organização africana falsa chamada “Poder Negro — Grupo da Herança Africana”, que produziu um panfleto onde acusou Carmichael de ser um “profeta da América que não foi convidado” pelos africanos e que estava a “deixar um rasto sangrento de caos em nome do pan-africanismo”
Em vez de retratar Carmichael como um fantoche da União Soviética, como era comum na propaganda ocidental, o panfleto pintou uma imagem do activista como um traidor à causa da igualdade racial.
Ao ir para África, o activista tinha “desertado a causa” nos Estados Unidos, que “precisam mais dele do que nós”, e tinha sido arrogante ao pregar sobre poder negro em África. Para além disto, o panfleto acusa Carmichael de ver os africanos como “selvagens“.
“Somos capazes de formular os nosso planos na nossa parte da luta pelos direitos iguais e para a liberdade para o homem negro em qualquer parte e quando lançarmos “Poder Negro”, será a nossa veia de “Poder Africano”, não a ideia afro-americana que Stokely nos está a tentar impor”, remata.
Esta não foi a única táctica usada pelos britânicos. Em Fevereiro de 1969, o Departamento de Pesquisa de Informação tentou descredibilizar uma conferência de activistas negros em Bermuda com a publicação de uma série de artigos em jornais nos países das Caraíbas, onde acusavam o movimento de estar ligado a Cuba.
Em 1969, foi criado um novo grupo falso: A Organização de Estudantes Africanos pelo Poder Africano, que teria uma ideologia de esquerda radical e declarava que tanto o lado capitalista como o bloco soviético eram “pragas“.
Para os responsáveis britânicos, esta estratégia permitia-lhes fazer propaganda anti-soviética, como acusar os comunistas de ser culpados por uma onda de assassinatos em África, de forma menos óbvia e mais difícil de rastrear, já que surgiram outros grupos semelhantes nos finais da década de 1960.