Europa “a pagar”. O que dizem os planos de ataque dos EUA partilhados na Signal

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Casa Branca/Flickr

Donald Trump

O jornalista que foi adicionado, por engano, a um grupo da app Signal, onde altos responsáveis da administração Trump partilharam planos de ataque dos EUA, divulgou a quase totalidade das mensagens, que incluem horários e armas a utilizar, bem como revelações sobre a Europa.

O secretário da Defesa dos EUA, Pete Hegseth, revelou os horários exactos dos lançamentos de aviões de guerra, bem como as armas a usar e os alvos definidos, no ataque aos Houthis no Iémen, numa conversa com vários altos responsáveis da Casa Branca na app de troca de mensagens Signal.

A revista The Atlantic, cujo jornalista Jeffrey Goldbeg foi adicionado ao grupo de conversação por engano, resolveu publicar a quase totalidade das mensagens a que teve acesso em primeira mão.

A decisão surge depois de várias figuras da administração Donald Trump terem ido ao Comité de Inteligência da Casa Branca garantir que não tinha sido divulgada nenhuma informação “classificada”, ou seja confidencial e sensível para a segurança nacional dos EUA.

Mas as novas mensagens divulgadas revelam uma enorme falha de segurança, com os horários específicos e a sequência dos ataques aos Houthis revelados por Hegseth na app, antes da operação militar. O jornalista só os publicou após o ataque.

O que dizem as mensagens?

O Secretário da Defesa dos EUA partilhou informações sobre as horas do ataque, discriminando o tipo de armas que seriam usadas, bem como a sequência dos lançamentos.

Assim, especificava, por exemplo, o lançamento dos F-18, um tipo de caça multifuncional supersónico, às 12:15 horas como o “primeiro pacote de ataque”. Às 13:45 horas, seguiria o lançamento drones e um ataque de F-18 contra a localização conhecida dos Houthis.

Planos de ataque dos EUA na Signal

Mas ainda há quem questione se isto é, ou não, informação sensível. Pete Hegseth tem insistido que nunca foi divulgado nenhum plano de ataque na conversa na Signal.

Mas o político democrata Jason Crow, eleito pelo Colorado para a Câmara dos Representantes dos EUA e um veterano militar, está certo de que Hegseth transmitiu, “sem sombra de dúvidas, informações operacionais sensíveis classificadas”. Por isso, diz que deve “demitir-se imediatamente”.

O congressista Pat Ryan, outro democrata eleito por Nova Iorque e um veterano do exército, acusa mesmo o Secretário da Defesa de ter praticado “um crime” por ter partilhado informação que é “100% e inequivocamente classificada” numa “rede insegura”.

Ryan nota que Hegseth colocou “em risco” a vida dos militares norte-americanos que participaram no ataque aos Houthis, e exige explicações de Donald Trump.

Dúvidas de JD Vance com inconsistência de Trump

A troca de mensagens na conversa na Signal começa com o vice-presidente dos EUA, JD Vance, a confessar que achava que o ataque aos Houthis era “um erro”, considerando que apenas “3% do comércio dos EUA” e “40%” do comércio europeu passam pelo Canal do Suez [Egipto].

O Canal do Suez liga o Mar Mediterrâneo ao Mar Vermelho, região onde os rebeldes do Iémen têm atacado vários navios comerciais e militares, o que tem causado interrupções significativas no tráfego marítimo global, com o consequente aumento nos custos de transporte.

Mas JD Vance salientava que havia “um risco real de o público não entender” porque havia necessidade de atacar os Houthis, até considerando a política externa de Trump quanto à guerra na Ucrânia.

O Presidente dos EUA defende que os EUA não devem intrometer-se num assunto que não lhes diz respeito.

Não tenho a certeza se o Presidente está ciente de quão inconsistente isto [o ataque aos Houthis] é com a sua mensagem sobre a Europa”, destacava JD Vance.

O vice-presidente sublinhava ainda que “a razão mais forte” para o ataque seria “enviar uma mensagem”, mas apontava ainda o “risco” de haver “um pico nos preços do petróleo”.

Hegseth acrescentava, então, que, independentemente das dúvidas quanto à forma como a economia pode responder, ou quanto às tensões na Ucrânia e em Gaza, “a mensagem vai ser forte“.

“Odeio resgatar a Europa novamente”

“Ninguém sabe quem são os Houthis”, escrevia ainda Hegseth, defendendo que os EUA deviam focar-se em passar a mensagem de que “Biden falhou” e de que o “Irão financiou”.

Os rebeldes do Iémen recebem apoio do Irão, nomeadamente em termos logísticos e financeiros, mas também de armamento, tecnologia, mísseis balísticos e drones.

Mas, para o Secretário da Defesa dos EUA, o ataque não era tanto sobre os Houthis, mas sobre “restaurar a liberdade de navegação, um interesse nacional nuclear”, e “restabelecer a dissuasão, que Biden quebrou”.

JD Vance destacava, então, que se Hegseth defendia que era para avançar, estava com ele.

“Estou disposto a apoiar o consenso da minha equipa e a manter estas preocupações para mim”, rendia-se. “Simplesmente, odeio resgatar a Europa novamente“, lamentava ainda.

Em todo o caso, o vice-presidente dos EUA recomendava que se “minimize o risco” de afectar as “infraestruturas de petróleo sauditas“.

Pôr a Europa “a pagar” pelo ataque

Da conversa na Signal ficam ainda algumas ideias curiosas sobre a política dos EUA quanto à Europa.

O conselheiro nacional de segurança de Trump, Mike Waltz, notava na troca de mensagens que os “navios europeus não têm a capacidade de se defender” contra as armas sofisticadas dos Houthis.

Waltz também revelava que, “a pedido do Presidente”, estava a trabalhar com os Departamentos de Justiça e de Estado para ver como é que os custos da operação poderiam ser “taxados” aos europeus.

Seria uma “mensagem” a acrescentar “a uma série de coisas horríveis sobre o porquê dos europeus investirem mais na sua defesa“, destacava ainda. Isto significa que os EUA estão interessados em que a Europa se rearme?

Um dos intervenientes na conversa, identificado apenas como SM, questionava-se: “E se a Europa não pagar?”. A pergunta ficou sem resposta.

SM, segundo o jornalista Jeffrey Goldberg, será Stephen Miller, conselheiro de Trump.

Qual é o problema da app Signal?

A Agência de Segurança Nacional dos EUA (a NSA na sigla original em Inglês) foi alertada sobre a vulnerabilidades da Signal um mês antes do ataque aos Houthis, de acordo com a CBS News.

Funcionários da NSA receberam, em Fevereiro deste ano, um boletim especial de segurança operacional da NSA sobre a Signal, indicando que tinha sido “identificada uma vulnerabilidade”, conforme documentos internos obtidos pela CBS News.

“A utilização da Signal por alvos comuns de vigilância e actividade de espionagem tornou a aplicação um alvo de alto valor para interceptar informações confidenciais”, apontava o boletim da NSA.

Entretanto, o jornal alemão Der Spiegel avança que se podem encontrar online, em sites de dados pirateados, os números de telemóvel, os endereços de e-mail e, em alguns casos, as palavras-passe utilizadas por Waltz, Hegseth e pela directora de segurança nacional, Tulsi Gabbard.

Contudo, não é claro se estes dados são recentes.

O perigo dos “hackers profissionais russos”

A agência alertou ainda para a existência de “grupos de hackers profissionais russos” que usam “esquemas de phishing para obter acesso a conversas encriptadas”, ou seja, convertidas em formato codificado, para serem decifradas apenas pelos seus destinatários, como é o caso das que ocorrem na app Signal.

No momento em que a informação sensível da Defesa dos EUA foi divulgada na app, o enviado presidencial de Trump para o Médio Oriente, o magnata imobiliário Steve Witkoff, um dos participantes no grupo da Signal, estava em Moscovo, para encontrar-se com Vladimir Putin.

Diz-se que Witkoff esteve oito horas à espera do Presidente da Rússia, provavelmente, agarrado ao seu telemóvel – seriam oito horas suficientes para os russos copiarem todo o conteúdo do dispositivo?

O alerta da NSA sobre a Signal também destacava que esta aplicação, bem como o Whatsapp e outras, nunca deveriam ser usadas para divulgar informações mais confidenciais.

Apesar disso, os altos responsáveis da segurança nacional dos EUA, como Pete Hegseth e Tulsi Gabbard, usaram-na, e provavelmente, fizeram-no nos seus telemóveis pessoais, colocando dados sensíveis da Defesa americana em xeque.

O recurso à Signal pode justificar-se pelo facto de a app não reter dados. Deste modo, não ficam “provas” de eventuais conversas comprometedoras para serem analisadas em possíveis investigações futuras.

Susana Valente, ZAP //

3 Comments

  1. E o jornalista (que obteve de graça um “furo” fantástico) é que é culpado? Mau jornalista? Esta malta MAGA é desavergonhada, imbecil e irresponsável. Quanto à sua hostilidade à Europa, já tínhamos percebido mas confirmamos. Enfim, com aliados destes…mais vale sós.

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