Rebeldes apoiantes do Hamas estão a atacar navios que viajam para Israel, que são forçados a fugir de uma rota comercial responsável por 15% dos produtos importados para a Europa. “Bens de consumo enfrentarão o maior impacto.”
A gigante petrolífera BP tornou-se a mais recente megaempresa a anunciar que está a suspender todos os transportes marítimos através do Mar Vermelho após recentes ataques a navios pelos rebeldes do movimento Houthi, do Iémen — e não é a única.
Nos últimos dias, algumas das maiores companhias marítimas do mundo, como a dinamarquesa Maersk, suspenderam viagens ao longo dessa rota, uma das mais importantes do mundo para o transporte de petróleo e gás natural liquefeito, bem como de bens de consumo.
A suspensão pode vir a encarecer o preço dessas matérias-primas — pela redução da oferta e aumento da procura na outra ponta — e afetar o comércio global, segundo especialistas.
O resultado é um efeito “cascata” na economia — com o petróleo mais caro, o custo dos combustíveis sobe, afetando os preços gerais, ou seja, elevando a inflação, o que reduz o poder de compra da população.
Apoio dos Houthis ao Hamas
Há semanas, os Houthis declararam apoio ao grupo terrorista Hamas, após o início da ofensiva militar israelita em Gaza em resposta ao ataque de 7 de outubro por militantes palestinianos, que provocou cerca de 1200 mortos em Israel.
Os rebeldes afirmaram que estão a atacar os navios que viajam para Israel com drones e foguetes, embora não ainda não seja claro se todos os navios atacados se dirigiam realmente ao território israelita.
Na segunda-feira, após novo ataque dos Houthis, os EUA anunciaram uma força naval internacional, com a participação do Reino Unido, Bahrein, Canadá, França, Itália, Holanda, Noruega, Seicheles e Espanha.
O Secretário de Defesa americano, Lloyd Austin, anunciou o lançamento da Operação Prosperity Guardian para garantir a segurança do tráfego marítimo no Mar Vermelho.
Rota principal a ficar sem navios
Uma análise da empresa de consultoria S&P Global Market Intelligence concluiu que quase 15% dos produtos importados para a Europa, Oriente Médio e norte de África foram enviados da Ásia e do Golfo através do Mar Vermelho, incluindo 21,5% de petróleo refinado e mais de 13% de petróleo bruto.
Os Houthis têm como alvo os navios que viajam através do Estreito de Mandeb, também conhecido como Portão das Lágrimas, um canal de 32 quilómetros de largura conhecido com fama de ser perigoso de navegar. A área está entre o Iémen, na Península Arábica, e Djibuti e Eritreia, na costa africana e é a importante rota pela qual os navios podem chegar ao Canal de Suez vindos do sul.
No último ataque, o proprietário do MT Swan Atlantic disse que o navio foi atingido por um “objeto não identificado” na segunda-feira, enquanto estava no Mar Vermelho, ao largo do Iémen, embora não tivesse ligações com Israel.
A empresa responsável pela embarcação disse: “Para que conste, não há ligação israelita na propriedade (Noruega), gestão técnica (Singapura) do navio ou em qualquer parte da cadeia logística da carga transportada”, garantiu.
A Maersk, segunda maior companhia marítima do mundo, anunciou na semana passada que estava a suspender os envios naquela rota e descreveu a situação como “alarmante” após um “quase acidente” envolvendo um dos seus navios e outro ataque a um navio porta-contentores. O mesmo afirmou a Mediterranean Shipping Company (MSC), o maior grupo marítimo do mundo, que disse que desviaria os seus navios da área.
Na segunda-feira, outra das maiores companhias marítimas do mundo disse que não transportaria mais carga israelita através do Mar Vermelho.
Numa nota enviada à BBC, a Evergreen Line escreveu: “Para a segurança dos navios e da tripulação, decidimos parar temporariamente de aceitar carga israelita com efeito imediato e ordenou que os seus navios porta-contentores suspendessem a navegação pelo mar.”
Mais 10 dias de viagem e milhões em gastos
Em vez de usar o Estreito de Mandeb, os navios terão agora de percorrer uma rota mais longa para navegar na África Austral — são cerca de 10 dias e milhões de dólares adicionais à viagem.
“Os bens de consumo enfrentarão o maior impacto, embora os atuais problemas ocorram durante a época baixa de transporte marítimo”, diz Chris Rogers da S&P Global Market Intelligence.
A Evergreen Line disse que quaisquer porta-contentores em viagens mais longas entre a Ásia e o Mediterrâneo, a Europa ou a costa leste dos EUA também seriam desviados para contornar o Cabo da Boa Esperança.
Peter Sand, analista-chefe da empresa Xeneta, especializada em dados de taxas de frete, disse que “há, definitivamente, um preço a pagar por uma situação como esta”, e que as empresas de transporte estão a entrar em contacto com os clientes para informá-los de que a carga está atrasada.
A indústria também enfrentará repercussões, como valores de seguro mais elevados, mas observou que as companhias de navegação estão numa posição muito melhor para lidar com uma crise do que quando o enorme navio Ever Given bloqueou o Canal de Suez em 2021.
Sue Terpilowski, do Instituto Chartered de Logística e Transporte, também afirma que, além dos custos adicionais de combustível e tempo, os custos do seguro contra riscos de guerra aumentam “exponencialmente”, com os clientes também enfrentando preços mais elevados.
Os analistas sugeriram que se outras grandes empresas petrolíferas fizerem o mesmo que a BP, os preços do petróleo poderão subir. O petróleo Brent, referência internacional para os preços do petróleo, subiu para US$ 78,44 (cerca de 381,7 euros) por barril.
“Neste momento não está claro quão significativo será o impacto”, diz Gregory Brew, analista do Eurasia Group. “Mas se mais companhias marítimas desviarem o tráfego e a interrupção durar mais de uma semana ou duas, os preços provavelmente subirão ainda mais.”
ZAP // BBC