Porque é que as pessoas veem problemas onde não existem?

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Já sentiu um estranho mal-estar, aquela sensação de dúvida, de que algo está errado, mas sem conseguir explicar o porquê?

A boa notícia é que não está sozinho. Embora as pessoas não o admitam, o sentimento por defeito de todos é a insatisfação — é a forma como evoluímos.

A nossa tendência para a insatisfação aumentou a probabilidade de sobrevivência. Se os nossos antepassados tivessem encontrado a “felicidade eterna”, provavelmente não teriam trabalhado para criar as invenções que tornam a vida moderna possível.

O impulso para mais e melhor permitiu-nos inventar, criar e melhorar. Contudo, embora o progresso humano tenha mudado drasticamente a vida quotidiana, o nosso impulso para escapar ao desconforto faz-nos sentir que nada é suficientemente bom.

A nossa expectativa de um elevado nível de conforto reduziu consideravelmente a nossa tolerância ao desconforto. Vemos problemas onde não existem, acabando por nos deixar presos numa zona de conforto.

Esta tendência para ver problemas onde não existem chama-se “mudança de conceito induzida pela prevalência”, segundo avança a Psychology Today.

Para nos libertarmos desta prisão de conforto, temos de aprender a ver o mundo de uma forma mais clara e a aumentar a nossa tolerância na tomada de decisões de risco. Para isso, temos de reconhecer o fenómeno da mudança de conceitos induzida pela prevalência, e usá-lo a nosso favor.

Nir Eyal, especialista em psicologia, afirma que ouviu falar do termo “mudança de conceito induzida pela prevalência” pela primeira vez no livro de Michael Easter, “The Comfort Crisis”, embora tenha sido originalmente analisado por David Levari, psicólogo de Harvard.

Através dos seus estudos, Levari descobriu que os humanos ajustam constantemente as expectativas. Não vemos a nossa situação com precisão — e é por isso que temos a tendência de ver problemas que não existem.

Levari liderou um estudo no qual pediu aos participantes que identificassem rostos “ameaçadores” entre uma sequência de 800 rostos humanos diferentes, que variavam de muito intimidantes a completamente inofensivos. Após a 200ª imagem, começou a mostrar menos rostos ameaçadores.

No entanto, em vez de identificarem menos rostos ameaçadores, os participantes começaram a identificar rostos neutros como sendo ameaçadores. Por outras palavras, as pessoas podem ser treinadas para esperar ameaças onde não existem. As nossas expectativas criam a nossa realidade.

Chegando à conclusão que as pessoas são cruéis e coniventes, em vez de amáveis e atenciosas, é provável que vejam e tratem os outros em conformidade. Se as notícias que consomem estão cheias de histórias de guerra, violência e ódio, podem começar a ver o mundo de forma imprecisa.

A mudança de conceito induzida pela prevalência significa que estamos inclinados para a insatisfação. Mas e se pegássemos nesta tendência e a usássemos para ajudar a tornar o mundo num lugar melhor?

O que aconteceria se nos concentrássemos em histórias de esperança, progresso e melhoria, em vez de gastarmos o nosso tempo e atenção nas guerras, na violência e no ódio? Os humanos têm um dom para ultrapassar situações difíceis — se acreditarem que são capazes.

Marcus Elliott, médico e especialista em desempenho desportivo, acredita que “as pessoas têm uma maquinaria evolutiva inata que se desencadeia quando saem e fazem realmente … coisas difíceis”.

Estes desafios permitem-nos descobrir o nosso potencial e libertamo-nos do medo e da ansiedade que temos quando nos mantemos nas nossas zonas de conforto.

Várias culturas e religiões ao longo da história tiveram ou ainda têm algum ritual de passagem físico, baseado na natureza, que desafia a mente, o corpo e o espírito a melhorar o conhecimento, as capacidades, a confiança e a experiência da pessoa.

Os jovens aborígenes, por exemplo, iriam numa aventura de seis meses a solo e, se sobrevivessem, regressariam mais capazes. Ao desafiarmo-nos, expandimos a nossa zona de conforto e abraçamos o potencial do auto-aperfeiçoamento.

Os seres humanos evoluíram para ultrapassar obstáculos. É saudável sentir desconforto. A insatisfação que todos sentimos pode ser utilizada como combustível para tornar as nossas vidas, e as vidas dos outros, melhores.

Colocando os nossos problemas numa perspetiva adequada e aproveitando o nosso impulso inerente de melhoria, podemos viver vidas de que nos orgulhamos.

Alice Carqueja, ZAP //

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