O motivo para uma pessoa estar pessimista pode não ser apenas o que está a viver, a atravessar. Origens e combate aos padrões de “auto-destruição”.
A pessoa acorda. Come um pequeno-almoço bem recheado. Deixa os filhos na escola, que ficam felizes, junto dos amigos. O dia no trabalho corre bem. O convívio familiar à noite foi preenchido por sorrisos e todos foram dormir sorridentes. Quase todos.
Ao fim da tarde, quando regressou a casa, a mesma pessoa verificou que alguém tinha sujado uns centímetros do chão da garagem, na zona em que costuma estacionar.
E é essa sujidade que fica na memória dessa pessoa, que até foi dormir angustiada, sempre a pensar no que pode acontecer de errado nos dias seguintes.
O dia foi preenchido por momentos positivos. Mas é o momento negativo que preenche os pensamentos e a postura daquela pessoa.
Aquela pessoa pode ser qualquer um dos leitores ou leitoras deste artigo. Não exactamente com esta sequência e com estes acontecimentos; mas algo parecido…ora reflicta um pouco.
O pessimismo predomina a rotina de muita gente. Por vezes devido a pormenores quase irrelevantes; noutras vezes porque realmente a vida acumula entraves.
O pessimismo pode mesmo tomar conta da pessoa, avisa a revista Fast Company. Os pensamentos pessimistas podem tornar-se naquilo que a pessoa é.
Até pode ser mortal, revelou um estudo recente: “As pessoas que são fortemente pessimistas sobre o futuro correm maior risco de morrer mais cedo do que aquelas que não são pessimistas”.
O pessimismo pode ser o maior inimigo do ser humano. Mas é sempre o ser humano a controlar os pensamentos, destaca a psicóloga clínica Monica Vermani: “Mesmo que, às vezes, possamos sentir como se não estivéssemos a controlar, somos nós que controlamos os nossos pensamentos. Podemos escolher, não apenas o que pensamos, mas também como pensamos sobre isso”.
Para a psicóloga, o essencial começa por questionar e examinar “a veracidade das nossas formas distorcidas de ver a realidade” e, aí, substituí-las por pensamentos mais “precisos, adaptáveis, realistas”, algo que motive a pessoa para “esforçar”, para “agir” e para ela ser uma “versão melhor de nós mesmos”.
“Podemos optar por reforçar escolhas, hábitos e comportamentos saudáveis, em vez de prejudiciais”, comentou.
Os entraves continuarão a surgir. Porque a própria sociedade está inundada de pessimismo e esses pensamentos negativos acabam por condicionar o pensamento individual.
E a comunicação social é parcialmente responsável: “Os média sensacionalizam histórias para gerar cliques e visualizações”.
“Pessoas negativas geralmente projectam o seu pessimismo nos outros, quer pessoalmente, quer nas redes sociais. Quando isso acontece, é melhor a pessoa concentrar-se nas coisas que estão sob o seu controlo para obter os resultados positivos que deseja”, sugere Dennis Consorte, especialista em marketing e pequenas empresas.
Muitas vezes (se calhar quase sempre), a resposta está na forma como reage ao que acontece. Exemplo dado por Dennis: uma pessoa já completou duas das cinco tarefas que tem para fazer, no emprego; pode pensar “estou muito atrasada!”, ou pode pensar “já completei duas das cinco tarefas para hoje, vou conseguir fazer tudo!”.
No fundo, perante o mesmo contexto, um pensamento negativo pode – deve – ser transformado num pensamento negativo.
Origens do pessimismo
O motivo para uma pessoa estar pessimista pode não ser apenas o que está a viver, a atravessar. Pode haver padrões de “auto-destruição”, traumas vividos na infância que nunca foram resolvidos – e que impedem o crescimento da pessoa.
Jaime B. Haas, uma espécie e guia ou “cirurgiã da alma”, acha que é fundamental perceber o que acontece ainda antes de a mente racional ser formada, no início da adolescência. Ou seja, perceber como a infância está a condicionar o adulto.
“Os pensamentos são moldados a partir da nossa infância”, concorda Monica Vermani, a psicóloga que lembra que pessoas chegadas, sociedade, comunidade, comunicação social…tudo molda a pessoa.
“Padrões de pensamento negativo são como a luz do motor de um automóvel que pisca quando algo está mal: nós sabemos que algo está mal mas só temos uma vaga ideia do que está a causar aquilo. Ou talvez nem saibamos que luz é aquela – até que o carro pára completamente”, acrescenta Jaime B. Haas.
Controlar o pessimismo
No entanto, e voltando às estratégias de combate, a parte positiva é que a denominada Compulsão de Manifestação Negativa é controlável, de acordo com Jaime.
A espiral descendente pode parecer imbatível. Mas não é: “Passamos muito tempo a reviver experiências negativas e a imaginar e a prever os piores cenários e resultados. Muitas vezes fazemos isso como um meio de evitar que coisas más aconteçam connosco”.
“Mas tudo isso, sempre a reviver e a repetir experiências negativas – e a previsão de resultados terríveis iminentes – são apenas pensamentos nas nossas cabeças. O passado está no passado e o futuro é apenas a nossa imaginação. Podemos escolher o que pensamos, como agimos e reagimos no presente e prever resultados positivos, em vez de negativos. A escolha é nossa”, afirma, concordando com Monica Vermani.
Jaime B. Haas explica que, muitas vezes, o pessimismo surge associado a falta de foco, de motivação, de direcção ou de planos. E os pequenos sinais de pessimismo devem ser identificados e substituídos de imediato, antes que se transformem em grandes sintomas.
Nos momentos de pessimismo, o ideal é a pessoa transformar esse momento em gratidão, ou voltando a ver momentos felizes e de sucesso do passado, repetindo frases motivacionais.
Mas, precisamente sobre as frases motivacionais, eis um aviso de Haas: “Muitos ‘gurus’ de auto-ajuda oferecem conselhos unilaterais, dizem que afirmações positivas são fundamentais para resolver os nossos problemas; mas estou aqui para dizer que não há nada mais longe da verdade”.
“O optimismo precisa de uma base autêntica para ser sustentado, realizado e certamente sustentado. Descobri que a prática mais útil e benéfica é aquela que é prescritiva, através da qual consegues identificar e abordar directamente as causas ou os gatilhos da tua angústia, e isso muda fundamentalmente a relação que tens com os teus pensamentos internos e com as auto-percepções”, acrescentou.
Monica Vermani deixa outras sugestões: estarmos rodeados de boas pessoas, minimizar as origens de stress (incluindo afastar pessoas negativas), abandonar as auto-percepções negativas, as crenças que nos limitam, os pensamentos de não sermos bons o suficiente e as condições que impomos a nós próprios para sermos felizes.
Quando há problema – seja do passado ou do presente – tem de ser resolvido. Só depois nos conseguimos virar para o optimismo.