Vinte e três instituições portuguesas e europeias assinam esta segunda-feira a “Declaração do Porto”, um documento que pretendem enviar à União Europeia (UE) e que contém 19 medidas que visam tornar os sistemas de saúde europeus mais inclusivos.
“A declaração tem duas prioridades: saúde e Europa. Para a generalidade dos europeus a questão da saúde é a questão mais importante de todas. A Europa sem sistemas de saúde resilientes, sustentáveis e que deem acesso aos cidadãos, não tem futuro”, referiu Óscar Gaspar, vice-presidente do Conselho Estratégico Nacional da Saúde da Confederação Empresarial de Portugal (CIP), uma das instituições signatárias do documento.
A “Declaração do Porto”, elaborada por um “cluster privado da saúde: parceiro de referência para uma saúde sustentável”, é assinada às 10h30 no Palácio da Bolsa, no Porto, a mesma cidade que acolhe na sexta-feira a Cimeira Social, iniciativa apresentada como um momento central da presidência portuguesa do Conselho da UE, que termina a 30 de junho.
À Lusa, enquanto porta-voz das instituições signatárias que representam vários setores, Óscar Gaspar referiu que a escolha do Porto para assinar esta declaração é “simbólica” e que, “sabendo-se que a cimeira da UE, sendo social, não cobre a parte da saúde“, a iniciativa das 23 entidades “vem complementar o que vai ser discutido pelos líderes europeus”.
“Entendemos que politicamente é oportuno chamarmos a atenção da importância da saúde. Foi possível consensualizarmo-nos entre associações tão diferentes como a indústria farmacêutica, as farmácias, os hospitais privados, os provedores de ambulatório, imagiologia, análises clínicas, seguradoras, área tecnológica. Isto serve de exemplo de que é possível, numa área tão complexa como esta, encontrar consensos“, apontou.
Fazendo uma análise da realidade recente que representa a pandemia do coronavírus, o dirigente da CIP considerou que “hoje é claro que a posição de partida da Europa para a crise da covid-19 foi frágil” e, recorrendo a exemplos relacionados com o recurso a máscaras, ventiladores e medicamentos, “ficou claro que a Europa começou a luta contra a covid-19 de forma não articulada e cada um por si“.
“E rapidamente se percebeu que tínhamos de estar articulados, eram necessárias verdadeiramente políticas europeias. Por outro lado, A Europa percebeu, ou está a perceber, que quando fala em soberania estratégica e competitividade, uma das áreas de competitividade é exatamente a saúde. Somos a favor da globalização, mas não é admissível que a Europa tenha de estar dependente de blocos terceiros, nomeadamente da Ásia, para adquirir equipamento ou consumíveis”, acrescentou.
Neste âmbito, no ponto 6 da declaração que é assinada esta segunda-feira lê-se que “para a UE assumir a liderança global de uma verdadeira economia baseada no conhecimento e na inovação, mas também na independência e na competitividade, é necessário apostar num quadro regulamentar estável, previsível e compartilhado, que incentive a investigação, o desenvolvimento de soluções para os problemas ainda sem resposta e na dotação de capacidade tecnológica e industrial que tornem a Saúde mais Europeia, mais inovadora e mais sustentável”.
Já no ponto 7, as 23 instituições subscritoras defendem que “a capacidade de atrair investimento para o desenvolvimento de futuras inovações em Saúde, em benefício dos doentes, depende da capacidade da UE em assegurar a competitividade global do quadro legal de Propriedade Industrial Europeu, num regime claro e inequívoco, e dos incentivos à inovação”.
“A Europa fala em reindustrialização e deve também falar de reindustrialização na área da saúde. Precisamos de ter na Europa fábricas de medicamentos, vacinas, dispositivos médicos. Este alerta do último ano tornou muito claro que as políticas europeias devem ir nesse sentido”, completou Óscar Gaspar.
Salvaguardando que “não está em causa a competência nacional de cada país ter o seu sistema de saúde e se organizar como pretende”, Óscar Gaspar referiu que “é importante que a Europa garanta que os cidadãos tenham acesso aos cuidados de saúde a tempo e horas”, razão pela qual a “Declaração do Porto” incentiva a Europa a apostar em aspetos ligados à digitalização e tecnologias.
“Diria que se há setor em que a digitalização tem um impacto revolucionário, é a saúde e não apenas para a simplificação de processos e na garantia de mais telemedicina e teleconsultas, mas na própria forma como os dados de saúde podem ser utilizados a bem dos cidadãos. O registo de saúde eletrónico é muito importante“, defendeu o vice-presidente do Conselho Estratégico Nacional da Saúde.
“A estratégia digital da saúde da UE deve servir os europeus, definir standards, salvaguardar a confidencialidade e segurança dos dados pessoais de saúde e a confiança das pessoas na partilha dos seus dados com o sistema de saúde para suporte à investigação e à decisão em saúde”, lê-se, por sua vez, no documento.
Já no ponto 16 da declaração, é defendido que “deve ser potenciada a adoção de modelos integrados e contínuos de prestação de cuidados de saúde baseados no valor acrescentado para as pessoas, para a sociedade e para os sistemas de saúde, bem como na equidade no acesso e sustentabilidade que assegure qualidade, segurança e personalização, nomeadamente através da promoção da incorporação de resultados reportados pelos doentes no suporte à decisão em saúde”.
Óscar Gaspar, também presidente da Associação Portuguesa Da Hospitalização Privada, destacou pontos da “Declaração do Porto” que vão ao encontro da convicção de que “deve existir uma articulação entre o setor público e o setor privado com vista a resolver os problemas de saúde”.
No documento lê-se, aliás, que “o setor privado da saúde, na sua multidimensionalidade, é uma indústria forte e baseada no conhecimento fundamental para a recuperação económica e para uma resposta eficaz aos novos desafios societais em época em que a UE assume a necessidade de apostar na industrialização e inovação”.
“Os recursos são sempre escassos e a iniciativa privada tem competências, tem capacidade de investimento que deve ser colocada ao serviço da maior resiliência e sustentabilidade dos sistemas de saúde”, disse Óscar Gaspar, acrescentando que o grupo signatário da declaração quer “instar a Europa a derrubar as barreiras artificiais que existem entre algumas áreas” para que “todos trabalhem para aquilo que é o bem comum”.
E, recorrendo a uma frase recente da ministra da Saúde, Marta Temido, que destacou a capacidade de os hospitais privados trabalharem “ombro a ombro” com o Serviço Nacional de Saúde (SNS) no combate à pandemia, Óscar Gaspar sublinhou que “existem competências distintas do lado do público e do lado do privado”, mas garantiu a disponibilidade dos privados “para colaborar mais e melhor no reforço dos serviços de saúde”.
Entre as associações signatárias, contam-se a Associação Nacional de Farmácias, a Associação Portuguesa da Indústria Farmacêutica, a Confederação Empresarial de Portugal, a Pfizer e a União Europeia de Hospitalização Privada.
A “Declaração do Porto” que visa “contribuir para sistemas de saúde mais inclusivos, mais focados nas pessoas e na promoção da saúde, mais resilientes, mais sustentáveis, mais inovadores” será enviada ao Parlamento Europeu, ao Conselho da União Europeia e à Comissão Europeia.
// Lusa