Astrónomos observam uma explosão (nunca antes vista) numa anã branca

eROSITA / Annika Kreikenbohm

Impressão de artista de uma bola de fogo de raios-X numa estrela anã branca.

Quando estrelas como o nosso Sol utilizam todo o seu combustível, encolhem para formar anãs brancas. Por vezes, essas estrelas mortas voltam à vida numa explosão superquente e produzem uma bola de fogo de raios-X.

Uma equipa de investigação de vários institutos alemães pôde agora observar pela primeira vez uma tal explosão de raios-X.

Foi, até certo ponto, uma feliz coincidência“, explica Ole König do Instituto Astronómico da Universidade de Erlangen-Nuremberga no observatório Dr. Karl Remeis em Bamberg, que publicou um artigo sobre esta observação na Nature.

O estudo foi publicado juntamente com o professor Dr. Jörn Wilms e uma equipa de investigação do Instituto Max Planck para Física Extraterrestre, da Universidade de Tubinga, da Universidade Politécnica da Catalunha em Barcelona e do Instituto Leibniz para Astrofísica em Potsdam.

“Estes flashes de raios-X duram apenas algumas horas e são quase impossíveis de prever; e o instrumento de observação tem que estar apontado diretamente para a explosão na altura certa,” explica o astrofísico.

O instrumento neste caso é o telescópio de raios-X eROSITA, que se encontra atualmente a um milhão e meio de quilómetros da Terra e tem vindo a vigiar o céu em busca de raios-X suaves desde 2019.

No dia 7 de julho de 2020 mediu fortes raios-X numa área do céu que tinha sido completamente inconspícua quatro horas antes. Quando o telescópio de raios-X examinou a mesma posição no céu quatro horas mais tarde, a radiação tinha desaparecido. Deduz-se que o flash de raios-X que anteriormente tinha sobre-exposto o centro do detetor deve ter durado menos de oito horas.

Explosões de raios-X como esta foram previstas pela investigação teórica há mais de 30 anos, mas nunca tinham sido observadas diretamente até agora.

Estas bolas de fogo de raios-X ocorrem na superfície de estrelas que eram originalmente comparáveis em tamanho ao Sol antes de utilizarem a maior parte do seu combustível feito de hidrogénio e mais tarde hélio no interior dos seus núcleos.

Estes corpos estelares encolhem até que permaneçam “anãs brancas”, que são semelhantes à Terra em tamanho, mas contêm uma massa que pode ser semelhante à do nosso Sol.

“Uma forma de imaginar estas proporções é pensar que o Sol tem o mesmo tamanho de uma maçã, o que significa que a Terra teria o mesmo tamanho que uma cabeça de alfinete orbitando à volta da maçã a uma distância de 10 metros,” explica Jörn Wilms.

“Estas chamadas ‘novas’ são muito comuns, mas a sua deteção durante os primeiros momentos em que a maior parte da emissão de raios-X é produzida é realmente difícil,” acrescenta o Dr. Victor Doroshenko da Universidade de Tubinga.

“Não só a curta duração de um flash é um desafio, mas também o facto do espectro de raios-X emitidos ser muito suave.

Os raios-X suaves não são muito energéticos e são facilmente absorvidos pelo meio interestelar, pelo que não podemos ver muito longe nesta banda, o que limita o número de objetos observáveis, seja uma nova ou uma estrela vulgar.

Os telescópios são normalmente concebidos para serem mais eficazes em raios-X mais duros, onde a absorção é menos importante e essa é exatamente a razão pela qual perderiam um evento como este!”, conclui Victor Doroshenko.

Por outro lado, se encolhêssemos uma maçã ao tamanho de uma cabeça de alfinete, esta partícula minúscula reteria a massa comparativamente grande da maçã.

“Uma colher de chá de matéria do interior de uma anã branca tem facilmente a mesma massa que um grande camião,” continua Jörn Wilms.

Uma vez que estas estrelas queimadas são principalmente constituídas por oxigénio e carbono, podemos compará-las com diamantes gigantescos que têm o mesmo tamanho que a Terra flutuando no espaço.

Estes objetos sob a forma de pedras preciosas são tão quentes que brilham de branco. Contudo, a radiação é tão fraca que é difícil de detetar da Terra.

A menos que a anã branca seja acompanhada por uma estrela que ainda esteja a arder, ou seja, ainda “viva”, e quando a enorme a atração gravitacional da anã branca retira hidrogénio da casca de material dessa estrela que a acompanha.

“Com o tempo, este hidrogénio pode recolher-se para formar uma camada de apenas alguns metros de espessura na superfície da anã branca,” explica o astrofísico Jörn Wilms. Nesta camada, a enorme força gravitacional gera uma enorme pressão que é tão grande que faz com que a estrela se reacenda.

Numa reação em cadeia, em breve ocorre uma explosão durante a qual a camada de hidrogénio é expelida. Os raios-X de uma explosão como esta foram  o que atingiu os detetores do eROSITA a 7 de julho de 2020, produzindo uma imagem sobre-exposta.

“A origem física da emissão de raios-X que vem das atmosferas das anãs brancas é relativamente bem compreendida e podemos modelar os seus espectros a partir dos primeiros princípios e em requintados detalhes.

A comparação de modelos com observações permite depois aprender propriedades básicas destes objetos, como a massa, o tamanho ou a composição química,” explica o Dr. Valery Suleimanov da Universidade de Tubinga.

“O problema neste caso em particular foi, contudo, que após 30 anos sem fotões, de repente tivemos demasiados, o que distorceu a resposta espectral do eROSITA, que foi concebido para detetar milhões de objetos muito fracos em vez de um, mas muito brilhante,” acrescenta Victor Doroshenko.

“Usando os cálculos do modelo, que elaborámos originalmente enquanto apoiávamos o desenvolvimento do instrumento de raios-X, fomos capazes de analisar a imagem sobre-exposta com mais detalhe durante um processo complexo para obter uma visão dos bastidores de uma explosão de uma anã branca,” explica Jörn Wilms.

De acordo com os resultados, a anã branca tem mais ou menos a massa do nosso Sol e é, portanto, relativamente grande. A explosão gerou uma bola de fogo com uma temperatura de aproximadamente 327.000º C, tornando-se cerca de sessenta vezes mais quente do que o Sol.

“Estes parâmetros foram obtidos através da combinação de modelos de radiação de raios-X com os modelos de radiação emitida pelas anãs brancas muito quentes criados em Tubinga por Valery Suleimanov e Victor Doroshenko, e uma análise muito profunda da resposta do instrumento num regime muito fora das especificações realizada na Universidade de Erlangen-Nuremberga e no Instituto Max Planck para Física Extraterrestre. Penso que ilustra muito bem a importância da colaboração na ciência moderna e a vasta gama de conhecimentos dentro do consórcio alemão eROSITA,” acrescenta o prof. Dr. Klaus Werner da Universidade de Tubinga.

Uma vez que estas novas ficam sem combustível muito rapidamente, arrefecem rapidamente e os raios-X tornam-se mais fracos até que eventualmente se tornam luz visível, que atingiu a Terra meio dia após a deteção do eROSITA e foi observada por telescópios óticos.

“Apareceu então uma estrela aparentemente brilhante, que era na realidade a luz visível da explosão e tão brilhante que podia ser vista no céu noturno a olho nu,” explica Ole König.

Aparentemente, estrelas como esta foram observadas no passado e foram chamadas “nova stella” ou “estrela nova” por causa do seu aparecimento inesperado.

Uma vez que estas novas só são visíveis após o flash de raios-X, é muito difícil prever tais surtos e é principalmente por acaso que atingem os detetores de raios-X. “Tivemos muita sorte,” conclui Ole König.

// CCVAlg

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