Malta, membro da União Europeia e do espaço Schengen, começou a vender a nacionalidade maltesa há mais de oito anos. Contudo, e-mails da empresa facilitadora, a Henley & Partners, mostram que a “ligação genuína” ao país que a lei exige não está a ser respeitada.
Segundo o que revela o The Guardian, para conseguir nacionalidade maltesa basta arrendar um apartamento para passar duas semanas de férias, fazer uma doação a uma organização de beneficência social local ou registar o uso de um iate por uns dias.
O diário britânico publicou documentos internos e comunicações por e-mail da sociedade de consultores Henley & Partners, especializada em emissão de vistos de residência e nacionalidade a estrangeiros, que mostram que muitos dos clientes desta sociedade não tinham qualquer intenção de residir em Malta, nem sequer por curtos períodos de tempo.
De acordo com o jornal, os pedidos de nacionalidade surgiram sobretudo de milionários russos, chineses e sauditas que pagaram pelo menos um milhão de euros pelos documentos de identificação. Quase todos passaram menos de três semanas no país ao longo do ano referente ao pedido de nacionalidade.
No entanto, em Malta, o tempo de residência necessário fixado para se poder pedir nacionalidade é de 12 meses mas, nas 250 cartas de “intenção de residência”, escritas por clientes da sociedade e revistas pelo jornal britânico, poucas referiam qualquer intenção de residência.
Investimentos de milhões
Num caso que remonta a 2014, um proponente com origem num país do Médio Oriente pergunta a um funcionário da Henley se “ficar em Malta entre 7 a 14 dias” seria suficiente para “concluir os requisitos biométricos” e para “receber o cartão de residência”.
O funcionário da empresa respondeu que “o Governo gostaria de poder analisar uma carta de intenções escrita por cada um dos proponentes detalhando de que forma pensam estabelecer residência e uma ligação genuína com o país”, mas acabou por concluir o e-mail a dizer que, “na realidade, nenhum proponente vê a sua inscrição para nacionalidade negada por causa destas cartas”.
Acrescentou ainda que, caso não fosse possível permanecer por mais tempo no país, então abrir uma conta num banco local, fazer uma doação a uma organização de solidariedade social ou uma inscrição em alguma associação recreativa em Malta poderia servir para provar as ligações ao país.
Os candidatos ao passaporte dourado de Malta também foram obrigados a investir 1,15 milhões de euros no país, o que inclui dinheiro para um fundo do governo, a compra de uma propriedade no valor de pelo menos 350.000 mil euros, ou um aluguer de cinco anos em 80.000 mil euros.
O negócio da venda de passaportes não é um segredo nem um exclusivo de Malta, mas nem por isso deixa de ser controverso, já que permite que quase qualquer pessoa, apenas por ter uma fortuna que o torne possível, possa ser cidadão europeu.
Também em Portugal existe forma de obter vistos de residência mediante investimento, são os chamados vistos gold, mas este tipo de documento não prevê a entrega de um passaporte a quem investe, apenas a autorização de residência.
Porém, Bruxelas já por diversas vezes se manifestou contra a venda de nacionalidade europeia, seja diretamente seja através de investimentos.
Em novembro de 2020, a Comissão Europeia abriu um procedimento de infração contra Malta e Chipre devido a programas deste género, que atribuem nacionalidade a investidores estrangeiros e que existem, em diversos formatos, em 19 Estados-membros.
Em 2014, a Comissão Europeia decidiu que os Estados-membros só podiam dar passaportes a pessoas com a tal ligação genuína e Malta emitiu, na altura, um comunicado destinado a resolver a questão, anunciando que só com um ano de residência no país seria possível pedir nacionalidade – mas ao que parece esse fator não está a ser cumprido.
Em comunicado, a Henley disse estar ciente dos riscos ao lidar com aplicações de clientes e que “investiu tempo e capital significativos nos últimos anos para criar uma estrutura governativa que está comprometida com os mais altos padrões, com a devida diligência em seu coração”.
A empresa salientou ainda que sempre cumpriu com as leis locais nos países onde opera e acrescentou que aconselhou o governo maltês a estabelecer um regulador independente para o regime.
“Ajudamos o governo maltês na criação de uma plataforma de inovação económica e financiamento soberano de notável sucesso, levantando centenas de milhões de euros em capital livre de dívidas”, disse o documento.
“Os nossos processos são bem documentados e significativamente mais avançados do que os da maioria dos outros participantes da indústria de migração de investimento”, referiu.
Por sua vez, o governo maltês rejeita qualquer sugestão de que os seus requisitos de residência sejam uma farsa, alegando que é ao país, e não à UE, a quem cabe dar a última palavra jurídica sobre quem pode receber um passaporte.
No entanto, nada do que vem escrito no pelo The Guardian foi desmentido.