Após prometer fazer do país uma “pária”, Biden arranca para a Arábia Saudita com a crise energética na mira

Julien Warnand / EPA

Joe Biden, EUA

Joe Biden, presidente dos EUA

O chefe de Estado norte-americano está numa posição desconfortável, depois de ter abertamente criticado o governo de Riade durante a campanha eleitoral. Biden vai ao Médio Oriente em busca de consensos sobre a crise energética.

Pouco depois de assumir a Presidência, Joe Biden ordenou que as agências de inteligência norte-americanas publicassem os documentos confidenciais que confirmavam o envolvimento do príncipe saudita Mohammed bin Salman na morte Jamal Khashoggi, um jornalista que abertamente criticava o governo saudita.

Na altura, Biden queria deixar clara a sua postura diferente do seu antecessor nas relações com Riade. A administração Trump foi várias vezes acusada de ser conivente com as violações dos direitos humanos no país, tendo o chefe de Estado vetado várias leis do Congresso que bloqueavam a venda de mais armas no valor de oito mil milhões de dólares à Arábia Saudita devido ao seu envolvimento na guerra no Iémen e na morte de Khashoggi.

Em 2018, um hotel de Trump recebeu 270 mil dólares dos sauditas, o que levantou suspeitas sobre o chefe de Estado estaria a violar a cláusula dos emolumentos da Constituição, que determina que o Presidente não pode receber dinheiro de um governo estrangeiro sem a aprovação do Congresso.

Cerca de seis meses depois de abandonar o seu cargo de conselheiro na Casa Branca, o genro de Trump, Jared Kushner, também conseguiu um investimento de dois mil milhões de dólares de um fundo liderado pelo príncipe saudita, o que levantou mais questões sobre a promiscuidade entre os dois governos.

Biden queria mostrar que era diferente, tendo prometido na campanha eleitoral que ia tornar a Arábia Saudita uma “pária” e impondo sanções e proibições de viajar para os Estados Unidos aos sauditas envolvidos no assassinato de Khashoggi.

No entanto, as sanções não abrangiam Mohammed bin Salman — o primeiro sinal de que a Casa Branca não iria cumprir a promessa eleitoral de esfriar as relações com Riade. Biden encontra-se numa posição desconfortável, enquanto faz as malas e prepara a digressão no Médio Oriente, onde vai visitar Israel e a Arábia Saudita.

“A equipa de Biden, o próprio Presidente, estão atrapalhados na articulação para explicar porque é que vão. Há uma sensação de desgosto sobre ir. Isso é infeliz, porque envia essa mensagem à região e diminuiu a probabilidade do sucesso da visita”, explica o analista político Brian Katulis ao Washington Post.

Após meses de reuniões com os seus conselheiros, Biden acabou por decidir que a segurança dos Estados Unidos e a sua relação comercial com a Arábia Saudita — especialmente no contexto da crise energética causada pelo embargo à Rússia que fez disparar os preços do petróleo — são demasiado importantes para isolar o país.

Segundo dois membros da administração, Biden continuava na mesma com reservas sobre encontrar-se com o príncipe Salman, que é visto como o verdadeiro governante do país perante a saúde frágil do rei.

Apesar de ter fechado os planos para a viagem em Maio, publicamente Biden continuava a recusar confirmar a decisão e a sua administração também negou que o objectivo da viagem fosse um acordo para a resolução da crise energética — apesar de o preço dos combustíveis ser um dos grandes problemas da economia dos EUA e um dos principais factores para a quebra na sua popularidade que é já um mau presságio para a prestação dos Democratas nas eleições intercalares.

Quando questionado sobre o encontro no mês passado, o chefe de Estado disse que é na Arábia Saudita, mas não é sobre a Arábia Saudita e que não “nenhum compromisso a ser feito”. “Nem tenho a certeza se vou ver o rei ou o príncipe. Eles serão parte de uma reunião muito maior“, atirou.

“Sei que muitos discordam da minha decisão”

Até agora, a Arábia Saudita aumentou a produção de petróleo numa quantidade limitada, o que levou a que vários legisladores Democratas se queixassem numa carta onde acusavam Riade de estar a “alimentar os crimes de guerra” de Putin na Ucrânia ao se recusar a “estabilizar o mercado global de energia”.

O apoio dos estados do Médio Oriente e da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) à campanha ocidental de isolamento económico da Rússia tem sido, por enquanto, morno. A mudança desta postura será um dos objectivos de Biden.

Numa coluna publicada no domingo no Washington Post, Biden justificou a viagem e respondeu aos críticos que o acusam de trair as suas promessas eleitorais. “Um Médio Oriente mais seguro e integrado beneficia os americanos de muitas formas. Os seus recursos energéticos são vitais para a mitigação do impacto da guerra da Rússia na Ucrânia no abastecimento global”, escreve.

O chefe de Estado enumerou algumas das políticas que implementou relativas à Arábia Saudita, afirmando que reverteu a “política de cheque-branco” que herdou e sublinhando que a sua administração já “deixou claro que os Estados Unidos não vão tolerar ameaças extremistas ou assédio contra dissidentes ou activistas”.

“Eu sei que muitos discordam da minha decisão de viajar até à Arábia Saudita. As minhas visões sobre os direitos humanos são claras e duradouras, e as liberdades fundamentais estão sempre na agenda quando viajo ao estrangeiro, tal como estarão nesta visita”, reforça.

Biden conclui dizendo que “temos de reagir à agressão da Rússia e de nos colocar na melhor posição para competir com a China“. “Para fazermos estas coisas, temos de interagir directamente com os países que podem influenciar estes resultados. A Arábia Saudita é um deles”, remata.

Adriana Peixoto, ZAP //

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