“É uma traição”. Biden criticado após quebrar promessa eleitoral e anunciar encontro com príncipe saudita

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O Presidente dos Estados Unidos, Joe Biden

Durante a campanha eleitoral, Joe Biden prometeu uma postura mais dura contra a Arábia Saudita após o assassinato do jornalista Jamal Khashoggi, mas vai agora deslocar-se ao país numa visita diplomática.

A Casa Branca anunciou que Joe Biden vai visitar o Médio Oriente no próximo mês,  passando pela Arábia Saudita, pela Cisjordânia ocupada e por Israel.

A viagem vai culminar com uma reunião dos líderes regionais na cidade saudita de Jeddah, onde o chefe de Estado norte-americano se deve encontrar com o príncipe Mohammed bin Salman, que é visto por muitos como o verdadeiro líder do país desde o agravamento dos problemas de saúde do rei Salman, que tem 86 anos.

“O Presidente está entusiasmado para definir a sua visão afirmativa do contacto dos Estados Unidos na região durante os próximos meses. O Presidente aprecia a liderança do rei Salman e o seu convite e espera ansiosamente a importante visita à Arábia Saudita, que tem sido um parceiro estratégico para os Estados Unidos há quase oito décadas”, afirmou a porta-voz Karine Jean-Pierre.

Esta visita marca uma mudança de tom das relações entre a administração Biden e a Arábia Saudita, depois de o Presidente dos EUA ter prometido durante a campanha eleitoral que iria tornar o país uma “pária” e de ter tecido duras críticas a Riade devido ao brutal assassinato do jornalista Jamal Khashoggi e a outras violações dos direitos humanos levadas a cabo pelo Governo.

O chefe de Estado também se tinha sempre mostrado hesitante sobre a perspectiva de um encontro com o príncipe — que os serviços de inteligência norte-americanos culparam pela ordenação da morte de Khashoggi — afirmando que se preferia encontrar com o rei Salman.

No entanto, a crise energética e o aumento dos preços dos combustíveis que têm sido sentidos em todo o mundo após o início da guerra na Ucrânia terão levado a Casa Branca a reconsiderar a posição mais hostil contra a Arábia Saudita, que é um dos maiores produtores de petróleo do mundo. O aumento dos preços dos combustíveis também está a ter um impacto negativo na popularidade interna de Joe Biden.

Em resposta aos jornalistas, Biden negou que a razão para a viagem fosse a crise energética, apesar da pressão que os Estados Unidos têm colocado sobre a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) para o aumento da produção, tendo a vista a descida dos preços.

“Os compromissos com os sauditas não têm nada a ver com a energia. Será uma reunião alargada que terá lugar na Arábia Saudita. É por isso que eu vou. E tem a ver com a segurança nacional deles e dos israelitas”, afirmou, referindo-se às relações entre Israel e a Arábia Saudita. Recorde-se que a Riade não reconhece a existência do estado israelita.

Já em Israel, Biden vai encontrar-se com um Governo fragilizado devido às divergências internas dos membros que compõem a coligação, que inclui partidos conservadores, liberais e palestinianos.

O primeiro-ministro Naftali Bennett já disse mesmo que o Governo — que tem pouco em comum para além da oposição a Benjamin Netanyahu — pode cair se não chegar a um consenso nas próximas duas semanas sobre, entre outros assuntos, uma lei para alargar os direitos dos israelitas que vivem nos colonatos da Cisjordânia.

Joe Biden vai acompanhar a implementação dos sistemas de defesa que os Estados Unidos forneceram a Israel e também terá uma reunião com Mahmoud Abbas, Presidente da Autoridade Nacional Palestiniana, na Cisjordânia, para reabrir as negociações para a paz, adianta a CNN.

“É uma traição”

A mudança da postura de Biden em relação à Arábia Saudita e o anúncio da visita despoletaram uma avalanche de críticas.

Hala al-Dosari, uma activista pelos direitos humanos saudita que está agora a viver nos Estados Unidos, descreve a decisão de Joe Biden de se encontrar com o príncipe como “uma traição” e criticou também a ida a Israel, lembrando o recente assassinato da jornalista Shereen Abu Aqleh, que se suspeita ter sido morta a tiro pelas forças israelitas enquanto estava a trabalhar.

Em declarações à AFP, Al-Dosaria acusa ainda Washington de “priorizar os interesses imediatos acima dos objectivos a longo prazo do apoio às transições democráticas” e de estar mais interessado em “garantir mais petróleo e apoio a Israel“.

Outros opositores à decisão de Biden fizeram-se ouvir no Twitter, como a investigadora Assal Rad, que lembrou as palavras do então candidato presidencial em 2019, quando prometeu que terminaria as vendas de armas aos sauditas que estavam a “matar crianças e pessoas inocentes”.

Já Matt Duss, um conselheiro de política externa do Senador Bernie Sanders, também não poupou nas críticas. “Se alguém me poder explicar como isto se reflecte no compromisso que a administração fez para com um ‘mundo onde os direitos humanos são protegidos, os seus defensores são celebrados e aqueles que os violam são responsabilizados’, adoraria ouvir isso”, atirou.

“O regime saudita assassinou e desmembrou um jornalista do Washington Post numa embaixada. Apenas há algumas semanas, as forças israelitas mataram uma jornalista americana. A administração Biden devia estar a sancionar estes países, não a premiá-los. Que mensagem é que manda sobre a liberdade de imprensa quando até a morte deliberada de jornalistas americanos é esquecida e perdoada tão rapidamente?”, questionou Jameel Jaffer, director do Knight First Amendment Institute, da Universidade de Columbia.

Na semana passada, a Common Dreams também noticiou que 13 grupos de activismo de direitos humanos também enviaram uma carta a Biden onde lhe pediram que não se encontrasse com Mohammed bin Salman sem ter garantias de um “progresso tangível para o alívio de algumas das violações de direitos mais chocantes” cometidas pelo reino saudita.

Adriana Peixoto, ZAP //

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