O decreto do papa Francisco que exige aos membros do clero que denunciem suspeitas de abusos sexuais na igreja não impõe a violação do sigilo profissional dos sacerdotes.
No decreto esta quinta-feira publicado, o Papa aponta que existe a obrigação dos religiosos de assinalar prontamente eventuais casos aos superiores hierárquicos, mas sem usar informação obtida através do sacramento da confissão. O Código de Direito Canónico prevê em vários artigos (cânones) que o segredo da confissão nunca poderá ser violado.
O Código de Direito Canónico, citado pelo papa no novo decreto, refere no número dois do artigo 1548 estarem “isentos da obrigação de responder a um juiz os clérigos no respeitante ao que lhes foi manifestado em razão do sagrado mistério [confissão]”.
O mesmo cânone inclui nesta isenção os magistrados civis, médicos, parteiras, advogados, notários e outros que estão obrigados ao segredo profissional, inclusive por motivo de conselho dado, no respeitante aos assuntos sujeitos a tal segredo.
O papa Francisco determinou também que a quem fizer a denúncia não pode ser imposto qualquer ónus de silêncio a respeito do conteúdo da mesma e que são proibidas retaliações ou discriminações pelo facto de ter feito essa sinalização de um caso.
O Papa Francisco anunciou esta quinta-feira legislação mais rigorosa que obriga os sacerdotes e os religiosos a denunciar suspeitas de abusos sexuais na igreja assim como qualquer encobrimento pela hierarquia.
Nas novas normas Francisco ordena ainda que todas as dioceses do mundo criem antes de junho de 2020 um sistema acessível a quem quiser fazer uma denuncia, bem como a total proteção e assistência aos denunciantes.
As novas regras são ditadas pelo “Motu Proprio” (documento da iniciativa do próprio papa) “Vos estis lux mundi” (Vós sois a luz do mundo), que surge três meses depois de uma cimeira para debater medidas de proteção a menores na Igreja Católica, que reuniu no Vaticano os presidentes das conferências episcopais de todo o mundo e responsáveis de Institutos Religiosos e da Cúria Romana.
O “Motu próprio” (‘de iniciativa própria’, em latim) é uma das espécies normativas da Igreja Católica, expedida diretamente pelo Papa. No documento, o Papa escreve que embora já muito se tenha feito é preciso continuar “a aprender das lições amargas do passado a fim de olhar com esperança para o futuro” e que esta responsabilidade recai, em primeiro lugar, sobre os que estão no governo pastoral, exigindo o seu empenho.
Estas normas aplicam-se no caso de denuncias relativas a clérigos ou a membros de Institutos de Vida Consagrada ou de Sociedades de Vida Apostólica.
De acordo com o Papa, as novas regras aplicam-se ainda a ações ou omissões tendentes a interferir ou contornar as investigações civis ou as investigações canónicas, administrativas ou criminais, contra um clérigo ou um religioso no caso dos delitos indicados. Se a suspeita recair sobre um bispo, a denuncia pode ser diretamente feita ao Vaticano ou através do representante no território, ou seja, o núncio apostólico.
À pessoa sob investigação é reconhecida a presunção da inocência. Neste documento papal é ainda aberta a possibilidade de intervenção de pessoas qualificadas na investigação sendo determinado que esta deve estar concluída no prazo de 90 dias.
A Carta Apostólica sob a forma de “Motu Proprio” é promulgada através da sua publicação no diário do Vaticano ‘L’Osservatore Romano’, entrando em vigor a 1 de junho, e será depois publicada no boletim oficial do Vaticano ‘Acta Apostolicae Sedis’.
ZAP // Lusa