Os pais de Matilde, a bebé com atrofia muscular espinhal do tipo 1 que foi tratada com um medicamento que custou dois milhões de euros, podem não estar obrigados a devolver as doações que lhes foram feitas antes do Estado assumir os custos da terapêutica.
O casal confirmou que tem recebido pedidos de devolução. Em resposta ao Observador sobre se tencionam devolver o dinheiro, os pais de Matilde responderam que “nunca mudámos os pressupostos. Sempre fomos muito claros desde o início”. No entanto, afirmam que estão a devolver o dinheiro no próprio dia em que isso é solicitado pelo doadores.
Qualquer pessoa que tenha feito uma determinada doação sob condição ou uma doação para determinado propósito específico pode, eventualmente, pedir a sua resolução.
No entanto, no caso da bebé Matilde, isso não basta para que os pais sejam obrigados a obedecer ao pedido de devolução. O dinheiro só será devolvido “caso haja uma alteração anormal ou imprevisível das circunstâncias que estiveram na base de tal negócio” de acordo com Sofia Martins dos Santos, advogada do escritório Carlos Pinto de Abreu e Associados. Algo que, para Carla Martins e Miguel Sande, pais de Matilde, não se verifica neste caso.
O casal remete para uma publicação feita a 19 de junho deste ano, quando partilhou pela primeira vez o IBAN da conta em nome de Matilde Sande para onde as doações deviam ser enviadas.
Nessa publicação, os pais de Matilde esclarecem que “o objetivo da conta é tentarmos o tratamento que existe nos EUA já aprovado pelo FDA e que pode salvar-lhe a vida”, mas também para cobrir “futuras despesas para terapias e tratamentos”. Carla e Miguel acrescentam ainda: “O que não precisarmos será para ajudar outras crianças com esta doença”.
O Jornal de Notícias afirmou esta segunda-feira que Carla, a mãe da menina, garantiu a devolução do dinheiro a pelo menos uma pessoa, embora não tenha dado um prazo para essa transação. No entanto, de acordo com a advogada Sofia Martins dos Santos, essa devolução pode não ser obrigatória.
“A outra parte poderá não aceitar que existiu a tal alteração anormal ou imprevisível das circunstâncias que estiveram na base do negócio e, portanto, poderá não proceder a essa devolução”, respondeu. Segundo os pais, todos os pedidos de devolução têm sido cumpridos no próprio dia.
Se as duas partes não entrassem em acordo, a última palavra seria de um tribunal. Se o juiz averiguasse que o dinheiro estava a ser utilizado em causas diferentes das que foram anunciadas inicialmente, então “o valor terá de ser mesmo restituído” depois de entregue uma prova da origem da transferência. Caso contrário, “não haverá obrigatoriedade por parte de quem recebeu a doação de restituir o valor que lhe foi doado”. Tudo isso é estudado caso a caso, doação a doação.
Numa conferência de imprensa feita na última quinta-feira, os pais de Matilde responderam às críticas relacionadas com a gestão do dinheiro doado. “Esta conta foi aprovada pelo Ministério da Administração Interna e a sua utilização é monitorizada. Não podemos gastar o dinheiro, nem o iríamos fazer, de livre vontade. Porque esta conta foi criada com um propósito e só pode sair dinheiro da conta da Matilde com esse propósito”.
Carla e Miguel garantiram que o dinheiro já está a ser usado para ajudar “outras mães” de crianças com problemas semelhantes ao de Matilde. Segundo eles, essas ajudas são encaminhadas “diretamente para as clínicas e empresas que as famílias enviam nos orçamentos”.
Matilde tem quatro meses. Às duas semanas de vida, os médicos elaboraram o diagnóstico de Atrofia Muscular Espinhal tipo I. Até então, em Portugal, apenas estava disponível o tratamento com o Spinraza, que implica a toma vitalícia de injeções, uma vez que apenas atrasa a destruição da proteína e não estimula a sua produção.
O novo tratamento, o Zolgensma, é considerado uma revolução que não só trava a destruição da “proteína de sobrevivência do neurónio motor”, como introduz no corpo um vírus que vai permitir a produção desta proteína em falta nas pessoas com atrofia muscular espinhal. É apenas tomada uma dose.
Sabendo que só estava disponível nos EUA, os pais da criança começaram uma campanha de angariação de fundos para pagar a viagem e a terapêutica. Mais tarde, os médicos desaconselharam que a bebé saísse do país.
O tipo I de Matilde é a forma mais perigosa, surge logo nos primeiros dias de vida e pode ser fatal. Atualmente, todos os tipo I receberam o tratamento com o Spinraza, um medicamento injectável na medula sem custos para os utentes.
Os pais da bebé Matilde informaram que a criança está a reagir bem ao medicamento inovador que lhe foi administrado na terça-feira, na esperança que trave a evolução da atrofia muscular espinham tipo 1.