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Pais condenados por venderem crianças. Fintaram os juízes ao longo de cinco anos

Entre 2011 e 2017, quatro crianças foram vendidas a quatro casais, no Porto, que pagaram mais de 100 mil euros aos pais biológicos.

Na quarta-feira, o casal que vendeu os quatro filhos bebés foi condenado pelo Tribunal de São João Novo, no Porto, pelos crimes de tráfico de seres humanos e falsificação agravada de documentos. A mãe, de 42 anos, foi condenada a nove anos de prisão efetiva, enquanto o pai, de 46 anos, foi condenado a cinco anos e oito meses.

O coletivo de juízes do Tribunal de São João Novo considerou provado que o casal vendeu os quatro filhos, confirmando a acusação do Ministério Público que imputava os crimes de tráfico de seres humanos e falsificação agravada de documentos.

Segundo a acusação, divulgada em fevereiro pela Procuradoria do Porto, os dois arguidos levaram o plano à prática entre 2011 e 2017, tendo lucrado mais de 100 mil euros. No despacho de acusação, o MP considerou indiciado que o arguido e a arguida, “que mantinham entre si uma relação amorosa”, decidiram gerar filhos e vendê-los a casais.

A mulher, de nacionalidade brasileira e com profissão de pasteleira, vivia no Porto. O companheiro, com quem a mulher manteria uma relação há cerca de dez anos, é de nacionalidade portuguesa, construtor civil e residia em Vila do Conde.

O “‘modus operandi’ da arguida foi sempre igual”, assegurou o juiz, acrescentando que a mesma recorria a sites dizendo que tinha uma criança para vender e que assegurava que recebia “a sua contrapartida antes de a criança nascer e depois do parto”.

Após o nascimento, a criança era registada civilmente, atribuindo-se a maternidade à mulher e a paternidade a um dos elementos do casal adquirente, sendo que, posteriormente, a arguida e o pai registal celebravam entre si um acordo de regulação do exercício das responsabilidades parentais, ficando este com o exercício exclusivo das responsabilidades.

“A arguida pouco se importou quem era a pessoa com quem estava a falar, desde que a contrapartida fosse superior a determinada quantia”, referiu o juiz, considerando a atitude “cruel”. “Não havendo dúvidas quanto à atuação” da mulher, que já era incidente e cometera o primeiro crime enquanto cumpria uma pena suspensa na sua execução, o tribunal considerou também que o homem “congeminou todo este plano”.

Pais biológicos enganaram o sistema

Citado pelo jornal Público, o procurador Norberto Martins reconhece que os magistrados do Tribunal de Família e Menores do Porto foram enganados. “O crime só foi investigado porque houve uma denúncia.”

Os pais biológicos das crianças fintaram o sistema não só no momento de registo da criança, mas também no do acordo das responsabilidades parentais em tribunal.

No primeiro caso e no último, pelo menos, ficou provado que a mulher colocou na Internet um anúncio no qual pedida aos interessados para a contactar. Depois de concluída a negociação, começava a receber os valores e, assim que tinha alta hospitalar, entregava os recém-nascidos aos compradores.

A negociação era feita por e-mail, a criança era registada numa conservatória do Registo Civil do Porto (na presença do comprador, sendo que este assumia a paternidade, atestada pela arguida); e, por fim, dois ou três anos depois, a mulher e o comprador entregavam o acordo para o exercício das responsabilidades parentais, que era aprovado por um juiz (já de depois ter passado pelo Ministério Público) no Tribunal de Família e Menores do Porto onde não levantava suspeitas.

Acontece que o acordo não era totalmente específico e previa que “a criança viveria habitualmente com aquele que exerceria as responsabilidades parentais relativas aos atos da [sua] vida corrente”. Segundo Norberto Martins, o acordo não levantava suspeitas por não constar nada de excecional como, por exemplo, que a criança viveria só com a mãe ou só com o pai declarado.

“Os tribunais foram enganados”, referiu. “Os tribunais partem do pressuposto que os pais querem sempre o melhor para os filhos. Se o acordo objetivamente está bem, e ambos concordam, não há motivos para o tribunal ter suspeitas.”

ZAP // Lusa

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