“Pai Spínola que estais em Belém…” – o português sempre foi mestre em trocadilhos, está confirmado.
O 25 de Abril trouxe, acima de tudo, liberdade.
Liberdade para falar, liberdade para reunir. Liberdade para criar, liberdade para escrever.
Foi durante a recolha de conteúdos para os nossos artigos sobre os 50 anos da Revolução dos Cravos, que nos cruzámos com algo inesperado: um Pai Nosso e um Evangelho – adaptados ao que estava a acontecer durante o Processo Revolucionário em Curso (PREC).
A criação e a escrita juntas, em duas páginas A5. A liberdade naquelas duas páginas.
A primeira parte é um Pai Nosso que começa com “Pai Spínola”. A segunda parte é um Evangelho daquele tempo, igualmente encaixado no contexto do PREC.
Os dois são dedicados a António de Spínola, o primeiro Presidente da República depois do 25 de Abril de 1974. Com espaço para um suposto diálogo, não entre Pilatos e Jesus Cristo, mas sim entre Spínola e Marcello Caetano, com o revolucionário Hermínio da Palma Inácio a substituir Barrabás no meio da conversa.
Como se vê nas fotografias acima, foi tudo escrito à mão; há quase 50 anos.
Pai Nosso
Pai Spínola que estais em Belém, abençoado seja o vosso movimento venha a nós o vosso governo, seja feita a vossa vontade, assim na Metrópole como no Ultramar.
Dai-nos o que esperamos há 48 anos, perdoai as nossas libertinagens, assim como nós perdoamos aos nossos escravis(z)adores.
Não nos deixei cair no fascismo nem no comunismo.
Evangelho
Evangelho do nosso general Spínola, segundo o Governo Provisório…
Naquele tempo, estava Spínola com o povo e com a junta de Salvação quando trouxeram a sua Presença o Marcelo.
Spínola perguntou-lhe:
– Tu eras o Presidente do Conc(s)elho?
Marcelo respondeu:
– Tu o dizes…
Disse-lhe então Spínola:
– Que tens tu a dizer sobre tudo que te acusam?
Marcelo respondeu:
– Estou inocente e tenho a consciência tranquila.
Era costume naquele tempo por altura do 25 de Abril soltar um preso muito importante à escolha do Povo. Então Spínola dirigindo-se ao Povo perguntou.
– Quem quereis que solte: Marcelo ou Palma Inácio?
E logo o povo respondeu:
– Solta Palma Inácio – Solta Palma Inácio
– Disse então Spínola: Mas porquê se ele deve estar inocente, sem culpas talvez?
Mas todo o povo continuou a gritar e cada vez mais alto – Solta Palma Inácio – Solta Palma Inácio
Spínola perguntou:
– Que quereis que faça a Marcelo?
Todo o povo gritava:
– Prega-o na Madeira… Prega-o na Madeira… Prega-o na Madeira…
O leitor do ZAP que nos mostrou isto não sabe quem foi o autor destes textos. É pena. Ainda perguntámos e procurámos; mas a internet não tem tudo.