Quando os humanos dominaram o fogo, não o usaram para cozinhar

O nosso domínio sobre o fogo moldou grande parte do nosso mundo, permitindo-nos preparar alimentos, prolongar as horas de luz do dia, aquecer casas no frio e fabricar ferramentas. Mas aparentemente o que desencadeou a nossa primeira relação com o fogo não foi cozinhar alimentos.

Segundo o IFL Science, novas investigações sugerem que não foi necessariamente para cozinhar os alimentos, mas sim para os conservar durante mais tempo.

Na sua maioria, os estudiosos não acreditam que tenha havido um único momento súbito de descoberta nesta história, mas sim uma história confusa em que o domínio do fogo se desenvolveu gradualmente a partir do início do Pleistoceno.

A utilização precoce do fogo, segundo os investigadores, destinava-se sobretudo a cozinhar plantas e carne, o que constituiu uma adaptação fundamental para o Homo erectus, uma vez que conduziu a um sistema digestivo mais pequeno e a um aumento do tamanho do cérebro. Esta hipótese é conhecida como a “hipótese da cozedura”.

No entanto, trabalhos mais recentes começaram a questionar esta hipótese, sugerindo que o fogo não era utilizado para cozinhar a carne em si, mas sim para a conservar durante períodos de tempo mais longos, o que também ajudava a mantê-la a salvo de predadores ou necrófagos.

Esta nova descoberta, publicada na revista Frontiers in Nutrition, enquadra-se numa teoria unificada mais ampla desenvolvida pelos mesmos investigadores da Universidade de Telavive.

A sua teoria explica muitos fenómenos pré-históricos baseados na dependência humana inicial de calorias provenientes de animais de grande porte, bem como o declínio contínuo do tamanho dos animais caçados durante estes períodos.

“As origens do uso do fogo são um tema presente entre os investigadores da pré-história de todo o mundo. É geralmente aceite que, há 400.000 anos, o uso do fogo era comum em contextos domésticos — muito provavelmente para assar carne, e talvez também para iluminação e aquecimento”, explicou Miki Ben-Dor, autor do estudo, do Departamento de Arqueologia e Culturas Antigas do Próximo Oriente da Universidade de Tel Aviv.

“No entanto, há controvérsia relativamente ao milhão de anos anterior e foram avançadas várias hipóteses para explicar porque é que os primeiros humanos começaram a usar o fogo. Neste estudo, procurámos explorar uma nova perspetiva sobre esta questão”, acrescentou.

Para os primeiros humanos, o fogo não era um dado adquirido. De facto, a maioria dos sítios arqueológicos que datam de há mais de 400.000 anos não apresentam quaisquer indícios de que o fogo tenha sido utilizado. No entanto, nos poucos sítios onde existem sinais de fogo, não há ossos queimados ou provas de carne assada.

“Sabemos que os primeiros seres humanos dessa altura — na sua maioria Homo erectus — não utilizavam o fogo regularmente, mas apenas ocasionalmente, em locais específicos e para fins especiais”, explicou Ben-Dor.

“O processo de recolha de combustível, de acender o fogo e de o manter ao longo do tempo exigia um esforço significativo, pelo que precisavam de um motivo convincente e energeticamente eficiente para o fazer. Propusemos uma nova hipótese relativamente a esse motivo”.

Ben-Dor e os seus colegas analisaram a literatura existente sobre todos os sítios pré-históricos conhecidos — existem nove — datados entre 1,8 milhões e 800 mil anos atrás, onde foram encontradas provas de utilização do fogo.

Os sítios incluem Gesher Benot Ya’aqov e Evron Quarry em Israel, seis sítios em África e um sítio em Espanha. A equipa também utilizou estudos etnográficos de caçadores-recoletores contemporâneos para alinhar o seu comportamento com as condições prevalecentes no mundo antigo.

“Examinámos o que os nove sítios antigos tinham em comum e descobrimos que todos continham grandes quantidades de ossos de animais de grande porte — sobretudo elefantes, mas também hipopótamos, rinocerontes e outros”, acrescentou Ben-Dor.

“A partir de estudos anteriores, sabemos que estes animais eram extremamente importantes para as primeiras dietas humanas e forneciam a maior parte das calorias necessárias. A carne e a gordura de um único elefante, por exemplo, contêm milhões de calorias, o suficiente para alimentar um grupo de 20-30 pessoas durante um mês ou mais.”

Assim, neste contexto, o corpo de um elefante ou hipopótamo era um tesouro de carne e gordura, que precisava de ser protegido de necrófagos, predadores e bactérias.

A avaliação que a equipa fez dos resultados e os cálculos das vantagens energéticas significativas da carne e da gordura preservadas levaram-na a uma nova conclusão: o fogo servia dois objetivos vitais — protegia a caça grossa de outros animais e preservava a carne através da fumagem e da secagem.

“Neste estudo, propomos uma nova compreensão dos fatores que motivaram os primeiros humanos a começar a utilizar o fogo: a necessidade de proteger os grandes animais caçados de outros predadores e de preservar a grande quantidade de carne ao longo do tempo”, explicou o autor do estudo, Professor Ran Barkai, também da Universidade de Tel Aviv.

“É provável que, uma vez que o fogo era produzido para estes fins, fosse também ocasionalmente utilizado para cozinhar — com um custo energético marginal nulo. Esta utilização pode explicar a evidência de peixe assado há cerca de 800.000 anos em Gesher Benot Ya’aqov”.

Os autores defendem que esta abordagem se enquadra bem numa teoria global que têm vindo a desenvolver e que explica fenómenos pré-históricos significativos como adaptações à caça e ao consumo de animais de grande porte, seguidos do seu desaparecimento gradual, o que resultou na necessidade de os primeiros seres humanos obterem energia adequada através da exploração de animais mais pequenos.

Teresa Oliveira Campos, ZAP //

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