A história cósmica do sorriso. Descoberta a origem do flúor nas primeiras galáxias

ESA / Hubble / Wikimedia

Estrela Wolf-Rayet

Um novo estudo descobriu a origem do ingrediente mais comum nas pastas de dentes. O flúor é criado por estrelas Wolf-Rayet.

Veja os ingredientes num tubo de pasta de dentes e provavelmente lerá algo como “contém fluoreto de sódio”. O flúor, como provavelmente sabe, é importante para dentes saudáveis. Ele fortalece o esmalte, a camada dura e protetora à volta do dente, e assim ajuda a prevenir cáries.

Pode não pensar muito sobre a pasta de dentes. Mas, como todas as coisas na Terra, do majestoso ao mundano, o flúor — e a história de um sorriso — tem uma origem cósmica. Agora, uma equipa de investigadores publicou recentemente um artigo na Nature Astronomy que revela alguns detalhes sobre isto.

Praticamente todos os elementos naturais foram formados há muito tempo na história do Universo. O hidrogénio é o elemento mais antigo: formou-se logo após o Big Bang, há cerca de 14 mil milhões de anos. Poucos minutos após o Big Bang, os elementos leves hélio, deutério e lítio também se formaram. Desde então, quase todos os outros elementos foram forjados em processos associados à vida e morte das estrelas. Mas essas estrelas nem sempre estiveram por perto.

Ainda não sabemos exatamente quando é que as primeiras estrelas acenderam no Universo, mas provavelmente não aconteceu por cerca de 100 milhões de anos ou mais após o Big Bang. Antes disso, o Universo estava cheio de uma névoa de hidrogénio, misturada com a substância misteriosa e invisível que os astrónomos chamam de matéria escura.

Essa névoa não era suave, mas ondulava — ligeiramente mais densa em algumas partes. Foram essas regiões que começaram a contrair-se, ou “colapsar”, devido à gravidade, para formar as primeiras galáxias. Onde o gás ficou denso o suficiente, as estrelas acenderam e iluminaram o Universo.

Os poucos mil milhões de anos seguintes foram uma época de rápido crescimento: a taxa de formação de estrelas no Universo aumentou drasticamente até atingir o pico, 8 a 10 mil milhões de anos atrás. Desde aquele “meio-dia cósmico”, a taxa geral de formação de estrelas no Universo está em declínio. É por isso que os astrónomos estão tão interessados nas primeiras fases da história do cosmos: o que aconteceu na altura moldou o que vemos hoje ao nosso redor.

Embora tenhamos muita informação sobre como é que o crescimento das galáxias “aumentou” em termos de formação de estrelas, temos relativamente pouca informação sobre a sua evolução química nos primeiros tempos. Isto é importante porque, conforme as estrelas vivem e morrem, os elementos que elas produzem dispersam-se por toda a galáxia e além. Muitos anos depois, alguns desses elementos podem formar novos planetas como o nosso.

Rápida evolução

Os cientistas observaram uma galáxia distante chamada NGP-190387 com o Atacama Large Millimeter/sub-millimeter Array (Alma) — um telescópio que deteta luz com um comprimento de onda de cerca de um milímetro. Isto permite ver a luz emitida pela poeira fria e gás em galáxias distantes. Os dados revelaram algo inesperado: uma queda na luz num comprimento de onda de exatamente 1,32 milímetros.

Isto corresponde exatamente ao comprimento de onda em que a molécula de fluoreto de hidrogénio (HF), que compreende um átomo de hidrogénio e um átomo de flúor, absorve a luz. O deficit de luz implica a presença de nuvens de gás fluoreto de hidrogénio na galáxia. Esta luz levou mais de 12 mil milhões de anos para chegar até nós e vemos a galáxia como ela era quando o Universo tinha 1,4 mil milhões de anos.

Isto é empolgante, porque fornece informações sobre como é que as galáxias enriqueceram com elementos químicos logo após a sua formação. Podemos ver que, mesmo nesta altura, NGP-190387 tinha uma grande abundância de flúor.

Embora os cientistas tenham observado outros elementos em galáxias distantes, como carbono, azoto e oxigénio, esta é a primeira vez que o flúor foi detetado numa galáxia em formação de estrelas a tal distância. Quanto maior a variedade de elementos que podemos observar nas primeiras galáxias, melhor será a nossa compreensão do processo de enriquecimento químico naquela época.

Sabemos que o flúor pode ser produzido de diferentes maneiras: por exemplo, em explosões de estrelas chamadas supernovas e em certas estrelas de “ramo assintótico das gigantes” — estrelas vermelhas supergigantes a chegarem ao fim da sua vida, tendo queimado a maior parte do hidrogénio e hélio nos seus núcleos e agora inchadas em tamanho.

Modelos de como os elementos se formam em estrelas e supernovas podem dizer-nos quanto flúor devemos esperar dessas fontes. E descobrimos que a abundância de flúor era muito alta em NGP-190387 para ser explicada apenas por supernovas e estrelas gigantes assintóticas. Uma fonte extra foi necessária, e este é provavelmente outro tipo de estrela chamada Wolf-Rayet. EstrelasWolf-Rayet são bastante raras — existem apenas algumas centenas catalogadas na Via Láctea, por exemplo.

As estrelas Wolf-Rayet são uma fase do ciclo de vida de estrelas muito massivas — com mais de dez vezes a massa do nosso Sol. Aproximando-se do fim da sua curta vida, essas estrelas queimam hélio nos seus núcleos e são milhões de vezes mais luminosas que o Sol. Excecionalmente, estrelas Wolf-Rayet perderam o seu envelope de hidrogénio devido a ventos poderosos, deixando o núcleo de hélio exposto. Eventualmente acabam por explodir.

Quando os cientistas adicionaram a quantidade de flúor esperada das estrelas Wolf-Rayet ao modelo, puderam finalmente explicar a queda na luz de NGP-190387.

Isto soma-se a um crescente corpo de evidências que mostra que o crescimento das galáxias foi surpreendentemente acelerado no início do Universo: um frenesim de formação de estrelas e enriquecimento químico. Estes processos estabelecem as bases para o Universo que vemos hoje ao nosso redor, e este trabalho fornece uma nova visão sobre a astrofísica em jogo, há mais de 12 mil milhões de anos.

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