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O primeiro beijo romântico aconteceu há muito mais tempo do que se pensava

Wikimedia Commons

Rock Hudson beija Julie Andrews no filme Darling Lilli (1970)

A teoria de que o beijo romântico surgiu há 3500 anos na Ásia pode ter caído por terra. É possível que o ‘vaivém’ de saliva propagador de doenças tenha surgido muito antes em vários cantos do mundo porque, se calhar, beijar apenas sabe bem.

“O meu lábio superior fica húmido, enquanto o meu lábio inferior treme!  Vou encará-lo, vou beijá-lo!”

Estas declarações — originalmente escritas em cuneiforme (o mais antigo tipo de escrita conhecido) e traduzidas por Nathan Wasserman —  foram encontradas em Sipar, na Mesopotâmia, numa tábua de barro que recua quase 4000 anos.

Apesar de muitas fontes afirmarem, com base em textos sânscritos asiáticos com mais de 3500 anos, que o beijo de cariz sexual teve origem no mesmo continente por essa altura, textos antigos mostram que os humanos já se beijavam muito antes de sequer conseguirem registá-lo por escrito.

Num estudo que incidiu sobre o histórico de transmissão de doenças através do beijo, publicado na revista Science esta quinta-feira, provas de ADN e outros dados arqueológicos demonstraram que estas tábuas de barro mesopotâmicas não deviam ser vistas como provas concretas dos primeiros beijos.

“A origem do beijo romântico e sexual deve recuar muito mais na pré-história do que aquilo que conseguimos detetar com os métodos atuais”, afirma o especialista em cuneiforme e história da medicina e co-autor do estudo, Troels Pank Arbøll, da Universidade de Copenhaga, que reforçou que há provas de que o beijo surgiu simultaneamente em vários cantos do mundo.

“Considerando a distribuição geográfica, acho que [o beijo romântico] deve ter tido múltiplas origens. Não é algo que tenha tido origem num único lugar”, sublinha Arbøll, que a par da sua mulher, Sophie Lund Rasmussen, bióloga na Universidade de Oxford, estudou a origem do popular toque entre lábios.

O novo estudo concluiu que muitas das primeiras aparições do beijo são relativas a figuras mitológicas, mas outras transcrições mesopotâmicas sugerem que a prática de beijar era comum no quotidiano íntimo dos casais.

Um texto com 3800 anos descreve, segundo a New Scientist, uma situação caricata, em que uma mulher casada esteve muito perto da infidelidade depois de um beijo. Outro texto descreve uma mulher solteira que faz de tudo para evitar a prática amorosa com membros do sexo masculino.

Um ‘vaivém’ de saliva propagador de doenças

O estudo aponta ainda para o facto de os mesopotâmicos não acreditarem na propagação de doenças através do beijo, apesar de certamente isso acontecer.

Uma doença, denominada em transcritos da Mesopotâmia como bu’sanu, pode ser entendida como uma palavra alternativa para herpes, segundo Arbøll.

Não se sabe ao certo em que ponto da história é que se percebeu que milhões de bactérias podem ser trocadas durante o ‘vaivém’ de saliva ocorrido durante o beijo, mas algumas figuras históricas perceberam-no. De acordo com a Smithsonian, esse é o caso do Imperador Tibério que, por alguma razão, proibiu o beijo em Roma.

Para o autor do estudo, o beijo era algo universalmente conhecido: “aqueles que não adotaram o beijo provavelmente achavam-no nojento de alguma maneira”.

Mas, afinal, a introdução do beijo ditou o início das pandemias de doenças transmitidas pela saliva? Para Arbøll, a prática era só mais uma forma constante de transmissão.

“A nossa sugestão é que porque parece ter uma distribuição vasta no mundo antigo, [o beijo] não acelerou rapidamente a doença em nenhuma população”, disse.

Prática é comum a vários primatas

O estudo da placa dentária de um Neandertal descobriu informação genética de um micro-organismo com quase 50 mil anos que ainda está presente atualmente na boca humana.

O mesmo estudo aponta para a possibilidade de, para além de manterem relações sexuais com eles, os humanos beijarem Neandertais (ou, pelo menos, trocarem saliva com eles).

O facto de certos animais não-humanos, como o chimpanzé-pigmeu, praticarem a mesma interação boca-a-boca com cariz sexual mostra que o beijo é na verdade bem mais antigo do que aquilo que está registado. Outros chimpanzés também o fazem como forma de interação social. Assim, é possível que os nossos primeiros antepassados fizessem o mesmo.

Nenhuma prova da presença de beijo sexual nas sociedades caçadoras-coletoras foi encontrada, no entanto, num estudo de 2015 da Universidade de Nevada, Las Vegas, que incidiu sobre 168 culturas de todo o mundo e concluiu que o beijo romântico era popular em apenas metade desses grupos.

No entanto, concluiu-se que o beijo romântico era mais comum em climas frios — talvez porque a boca era a única zona disponível ao toque sensual, uma vez que o resto do corpo estava coberto por densas camadas de roupa.

Afinal, porque é que beijamos?

Afinal porque é que nos manifestamos romanticamente encostando os nossos lábios nos das outras pessoas? As várias respostas a essa questão têm fascinado a psicologia.

De uma perspetiva mais técnica, o beijo pode ser uma forma de avaliação de potenciais parceiros de acasalamento, uma vez que, a partir do beijo, desvendamos muita coisa: a higiene e a presença de doenças, através do hálito, é um dos exemplos.

Há quem diga que o beijo é uma forma de mostrar afeto ou de fortalecer a ligação de um casal.

Se calhar, estamos só a pensar demasiado no assunto. Ao tocar em zonas sensíveis, ativamos áreas do cérebro que aumentam o prazer e baixam os níveis de stress — talvez beijar apenas sabe bem.

Tomás Guimarães, ZAP //

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