Operação Miríade. Além de Marcelo, Cravinho também não avisou Costa e Santos Silva

14

Rodrigo Antunes / Lusa

O ministro da Defesa Nacional, João Gomes Cravinho

Depois do Presidente da República ter revelado que não foi informado previamente das suspeitas de tráfico de diamantes nos Comandos Portugueses na República Centro-Africana, António Costa e Augusto Santos Silva também disseram que não sabiam.

Para além da questão criminal e da mancha na reputação das missões internacionais portuguesas, o escândalo que rebentou sobre a rede de tráfico de diamantes e ouro dos Comandos Portugueses em missão na República Centro-Africana também está a ter repercussões políticas internas, já que o Ministro da Defesa, que soube das suspeitas em 2019, não informou António Costa, Marcelo Rebelo de Sousa ou Augusto Santos Silva.

O Presidente da República, que é também o comandante supremo das Forças Armadas, já tinha confirmado na terça-feira que não sabia das investigações que estavam a decorrer aos Comandos Portugueses. António Costa também confirmou ontem que não sabia do que se passava.

“A única coisa que posso confirmar é que efectivamente também não informei o senhor Presidente da República pelo simples facto de que eu também não estava informado dessas ocorrências. A mim não me informou de certeza. Isso é muito claro”, afirmou o primeiro-ministro.

Já sobre se esta falta de comunicação pode afectar as relações entre o executivo e Belém, Costa passa a batata quente para Marcelo: “Bom, isso aí, o Presidente da República terá de dizer qual é a avaliação que tem a fazer sobre a matéria.”

Já o Ministro dos Negócios Estrangeiros revelou que também não foi informado, mas explica que a decisão de João Gomes Cravinho se justifica devido à separação de poderes. “Não, não me compete saber processos que estão em segredo de justiça”, respondeu esta quarta-feira Augusto Santos Silva aos jornalistas, sublinhando que o caso se trata de “uma investigação judicial” e não de um caso político.

“Quanto ao único elemento com relevância do ponto de vista de política externa, nós temos um canal de comunicação directo entre o Ministério de Defesa Nacional e o departamento das Nações Unidas responsável pelas missões de paz e esse canal foi activado para informar as Nações Unidas em devido tempo”, garantiu Santos Silva.

Entretanto, o PSD anunciou que vai chamar o Ministro da Defesa ao parlamento para explicar esta falta de comunicação e a “estranha desconfiança” que aparenta ter sobre o Presidente da República. “Face à situação tornada pública do comportamento do senhor ministro da Defesa, o grupo parlamentar do PSD quer ouvi-lo com sentido de muita urgência na comissão parlamentar de Defesa Nacional”, disse à Lusa o presidente da bancada social-democrata, Adão Silva.

“É completamente inaceitável este comportamento, que revela uma estranha desconfiança do senhor ministro em relação ao primeiro-ministro e em relação ao Presidente da República, que é só o comandante supremo das Forças Armadas. Ao omitir uma informação de tamanha importância e responsabilidade, que forneceu às Nações Unidas, deixou-nos numa perplexidade imensa”, defende o PSD, falando num “comportamento de deslealdade” perante uma “situação tão complexa e delicada”.

Adão Silva recorda também que este “comportamento errático e esdrúxulo” de Gomes Cravinho já tinha acontecido com a polémica sobre a chefia da Armada, em que Marcelo Rebelo de Sousa o desautorizou em público, e das despesas com a reconstrução do Hospital das Forças Armadas.

Em entrevista à RTP3 ontem à noite, Rui Rio também já se tinha pronunciado sobre “a história muito mal contada” das comunicações entre o governo e com Belém. “É uma situação grave, é grave porque o Presidente da República não é informado, mas para mim é particularmente grave um primeiro-ministro ter um membro do Governo que não o informa de uma situação destas”, criticou.

Gomes Cravinho diz-se “confortável no cargo”

Já a ONU, em respostas ao Público, considerou as suspeitas de tráfico “preocupantes”. “A natureza destas alegações é preocupante. Estamos a acompanhar de muito perto e em contacto com as autoridades portuguesas”, afirmou um porta-voz para a manutenção da paz.

O porta-voz da missão, Vladimiro Monteiro, revelou também à TSF que só soube de tudo quando o caso foi noticiado: “A Minusca tomou conhecimento através da imprensa, no dia 8 de Novembro de 2021, das alegações relativas aos militares portugueses que estiveram destacados no passado cá na República Centro-Africana. A Minusca está disposta a apoiar qualquer pedido das autoridades portuguesas através da sede, em Nova Iorque. É tudo o que podemos dizer em relação a este assunto.”

Recorde-se que, na segunda-feira, o Ministro da Defesa disse que informou as Nações Unidas sobre o caso em 2020 e que os militares suspeitos já não estavam na República Centro-Africana.

Questionado sobre porque razão decidiu informar a ONU sem avisar Marcelo, Gomes Cravinho respondeu que “pareceres jurídicos” não o aconselhavam, tendo ficado por explicar como é que quem elaborou o parecer pudesse saber das suspeitas sem o comandante supremo das Forças Armadas estar a par.

O governante aproveitou também para esclarecer a “ideia incorrecta” de que as bagagens onde os diamantes eram transportados não eram fiscalizadas. “Havia procedimentos de fiscalização e houve um reforço dessa fiscalização depois das denúncias”, defendeu, remetendo para o Estado-Maior-General das Forças Armadas mais pormenores sobre este reforço por ser esta a entidade “responsável operacionalmente por todas essas matérias”.

Gomez Cravinho diz-se também “absolutamente” confortável no cargo. “Acho que as instituições funcionaram de forma absolutamente correcta e obviamente que me dá satisfação quando vejo isso a acontecer”, afirmou, acrescentando que desconhece a abertura de qualquer inquérito por parte da ONU ou do possível envolvimento de outros países na rede de tráfico.

Adriana Peixoto, ZAP //

14 Comments

  1. Parece que o governo são vários governos, mas esta dos mais responsáveis do poder e forças armadas não saberem o que se passa, parece de brutal responsabilidade, falta de lealdade e dever. Parece que todos estão nas tintas para o Costa que por sua vez os está sempre a desculpar. Falta de autoridade hierárquica é problema grave numa equipa e aqui, funciona mal.

  2. E fez ele muito bem ! Para apanhar esta gente em flagrante só é possível se poucas pessoas sabem da investigação.
    Por isso foi um sucesso ! PARABÉNS CRAVINHO !

      • Talvez. Cravinhio fez o melhor que tinha a fazer. Informar a ONU para trabalhar com os agentes obtivessem os resultados corretos.
        Dar conhecimento aos polutos seja PR seja PM seja MNE, em pouco tempo muitos politicicos e jornalistas iriam saber! E então a direita ia fazer borregar as investigações! Muito bem Sr Cravinho. Agora o que os fanátticos de direita queriam a barganha política pq são incompetentes!!!

  3. É, no mínimo, estranho que o comandante supremo das forças armadas, que acontece ser o Presidente da República, não tenha sido informado de um assunto de tamanha gravidade! Ele até podia ter decidido condecorar um desses militares, e o que é que lhe responderiam? Talvez se calassem e o deixassem condecorar como fizeram com o sem abrigo!!!

  4. O país caminha para o abismo se nada for feito, o país está munido de corruptos, cada vez mais, até parece que estão todos com alzheimer !!!!!!!

  5. De há 46 anos até ao presente que a confiança dos portugueses nas instituições da Administração do Estado, tem vindo progressivamente a diminuir, fundamentalmente nos últimos 6 anos, atingindo hoje uma vizinhança muito próxima de zero!
    A atitude do ministro foi no mínimo, prudente

  6. Este governo é muito estranho! Quando ocorre algo de positivo o que é raro, chegam-se todos para a frente e é uma festa, pois todos sabem e há sempre algum a acrescentar algo mais elogiando o festim, quando algo corre mal, ninguém sabe, ninguém foi informado e pior ainda como neste caso, para além de Marcelo Rebelo de Sousa ser Presidente da República é ainda Chefe Supremo das Forças Armadas e ninguém o informou de nada, para mais num caso internacional com a ONU à mistura. Um presidente de esquerda com um governo de direita desta natureza há muito tempo que já teria dado um biqueiro no traseiro ao 1º ministro, mas vamos continuando de novela em novela como se nada passe!

  7. Continuo e continuarei a dizer, se a politica existisse para ajudar o povo, nós então já estávamos todos bem há muito tempo.
    Prendem o Paulo Nazaré, mas os verdadeiros cabecilhas ainda estão no governo e na assembleia (da extrema direita há extrema esquerda, passando pelo centro). Esses podem fazer o que quiserem, pois não correm o risco de represálias.
    Mas pronto, cada um faz o que precisa para não dormir ao relento nem passar fome. E se algum dia eu for roubar e ser apanhado, pensem antes de serem hipócritas e apontar-me o dedo. Porque não há ninguém neste planeta que seja mais do que eu, assim como eu não sou mais que ninguém.

  8. Andam-se todos a aproveitar daqueles países que á partida são pobres mas ricos em recursos. Parece que a Rússia já vai á frente a explorar diamantes aos centro africanos em troca de os treinar como soldados. Um destes dias vão começar a explorar-lhes o petróleo e os centros africanos não vão receber nem um tostão de tal exploração.

Deixe o seu comentário

Your email address will not be published.