Peritos das Nações Unidas alertaram para as condições deploráveis em que vivem muitos portugueses e instaram o Governo a criar legislação que obrigue as entidades locais a “cumprirem os direitos humanos” à água, saneamento e “habitação condigna”.
Os relatores especiais sobre o direito a uma habitação condigna, Leilani Farha, e sobre os direitos humanos relativos ao acesso à água potável e saneamento básico, Léo Heller, terminaram esta terça-feira uma visita que fizeram a Portugal, a convite do Governo, para verificar em que medida estão a ser respeitados os direitos humanos relativos à habitação, água e saneamento.
Os peritos manifestaram esta terça-feira, em conferência de imprensa em Lisboa, a sua preocupação quanto ao impacto da crise económica e da política de austeridade nestes setores e alertaram para a situação das pessoas mais vulneráveis, incluindo os “novos pobres“, pessoas que foram empurradas para a pobreza em consequência das medidas de austeridade. Estas medidas “afetaram de forma clara os direitos à habitação condigna, à água e ao saneamento”, afirmou Léo Heller.
Durante a visita de 10 dias, os relatores percorreram várias zonas de Lisboa, do Porto, Loures e Amadora, onde encontraram “condições de habitação deploráveis” e falaram com várias pessoas “sem capacidade financeira para aceder a estes serviços”. De acordo com a Rádio das Nações Unidas, a situação atinge principalmente as comunidades ciganas e os afrodescendentes.
Porém, Léo Heller destacou “os progressos assinaláveis” alcançados por Portugal nas últimas décadas no setor da água e saneamento, um progresso denominado de “milagre português”. No entanto, “se há um milagre, ainda está incompleto“, disse o especialista, manifestando preocupação com a “parte mais marginalizada da população (desempregados, reformados, migrantes e população migrante)” e notando que o crescimento do turismo causou deslocamento de inquilinos com poucos recursos financeiros.
O relator alertou para os cortes de abastecimento por “incapacidade financeira” das pessoas em pagar as tarifas, um problema que deve ser “tratado urgentemente” pelo Governo. Observou ainda que 5% da população ainda não têm acesso a água canalizada e 20% a esgotos: É “muito importante” sinalizar estas pessoas e tomar as “medidas necessárias para as proteger”.
Para Léo Heller, o Governo tem que “garantir o acesso financeiro aos serviços de água e saneamento para todos”, adotando medidas, como transformar a atual recomendação da Assembleia da República num diploma que determine a atribuição automática da tarifa social a todos os portugueses que dela necessitam. Deve ainda adotar legislação que “reconheça os direitos humanos à água e ao saneamento, incluindo obrigações explícitas das autoridades locais e dos governos das regiões autónomas”, para garantir que as pessoas possam recorrer aos tribunais em caso de violação desses direitos.
“Mais vulneráveis estão a ficar para trás”
A relatora Leilani Farha disse, por seu turno, que a maioria das pessoas em Portugal “vive vidas dignas”, em “paz e segurança”, mas ainda há muitos a viver em condições deploráveis.
“Portugal está a passar um período de crise” e os “grupos mais vulneráveis estão a ficar para trás”, advertiu a perita, relatando situações de pessoas que vivem em casas que não as protegem do “frio e do calor”, de mães que estão em risco de perder os filhos porque não têm uma habitação condigna e de sem-abrigo que vivem em pensões em condições miseráveis.
Leilani Farha salientou que, no contexto internacional, “Portugal tem sido um país líder na promoção dos direitos económicos, sociais e culturais e tem a obrigação de pôr em prática este empenho e entusiasmo no contexto interno”. Um primeiro passo essencial, defendeu, seria o Governo adotar uma Lei-Quadro sobre Habitação baseada nos direitos humanos internacionais, em conformidade com o artigo 65 da sua Constituição.
Os relatórios dos dois peritos e as recomendações ao Conselho da Europa serão apresentados em março e em setembro.
ZAP / Lusa