Num estudo conduzido por investigadores japoneses, 30 gatos domésticos foram confrontados com uma escolha simples: três tubos de plástico, com três odores diferentes. A escolha foi, no mínimo, interessante.
O que os gatos fizeram pode mudar subtilmente a forma como pensamos sobre os nossos companheiros felinos.
Segundo o ZME Science, para a experiência, foram dados a escolher três frascos: um continha o cheiro do seu dono adorado, outro o odor de um completo desconhecido e o terceiro estava limpo e sem cheiro.
De acordo com um novo estudo publicado na PLOS ONE, os gatos domésticos conseguem distinguir entre o cheiro de uma pessoa familiar e o de um estranho. E não apenas reconhecem a diferença — demonstram uma clara preferência pelo desconhecido.
Os gatos passaram consistentemente mais tempo a cheirar os odores de estranhos do que o cheiro dos seus donos ou o tubo neutro.
“Isto sugere que os gatos usam o olfato para reconhecer humanos,” escreveram Yutaro Miyairi e os seus colegas da Universidade de Agricultura de Tóquio.
A experiência foi realizada na casa de cada gato, para reduzir o stress e maximizar a cooperação — algo que nem sempre é fácil com gatos.
Para recolher os odores humanos, os voluntários esfregaram cotonetes atrás das orelhas, nas axilas e entre os dedos dos pés. Os cotonetes foram depois colocados em tubos estéreis, para evitar contaminação. Para garantir que nada interferisse com os resultados, os voluntários evitaram perfumes e alimentos de cheiro forte durante 24 horas.
Os gatos cheiraram os tubos enquanto eram filmados com uma câmara GoPro. Ao analisar os vídeos, quadro a quadro, surgiu um padrão: os gatos cheiraram o odor do estranho durante uma média de 4,8 segundos — cerca do dobro do tempo que passaram a cheirar o odor do dono (2,4 segundos) e bem mais do que o tubo neutro (1,9 segundos).
“Cheirar um estímulo desconhecido durante mais tempo já foi observado antes em gatos,” disse Hidehiko Uchiyama, o autor principal do estudo, à BBC.
Mas a equipa não quis afirmar de forma definitiva que os gatos conseguem identificar pessoas específicas como sendo os seus donos. Curiosamente, quando os gatos encontravam um cheiro novo, tendiam a usar primeiro a narina direita.
Com o tempo, passavam a usar mais a esquerda. Este comportamento — chamado comutação de narina — é semelhante ao que se vê em cães e cavalos, e pode refletir a forma como o cérebro processa a informação.
Ainda mais curioso: os gatos que cheiravam o odor com uma das narinas, muitas vezes esfregavam esse mesmo lado da cara contra o tubo. E houve um padrão: esfregar a cara estava ligado a traços como “impulsividade” (com os tubos neutros) e “proximidade” com o dono (com os tubos com o cheiro do dono).
No entanto, nem todos os gatos reagiram da mesma forma. Os investigadores aplicaram um teste de personalidade felina — o chamado “Feline Five” — que analisa traços como neuroticismo, amabilidade e impulsividade. Usaram também a escala CORS (Cat-Owner Relationship Scale) para medir a ligação emocional com o dono.
“A narina esquerda é usada para cheiros familiares e a direita para cheiros novos ou potencialmente alarmantes”, explicou Uchiyama. “É provável que o cérebro direito esteja envolvido no processamento de odores emocionalmente relevantes”.
Este tipo de comportamento é conhecido como lateralização — uma tendência para um dos lados do cérebro ou corpo assumir certas funções. Neste caso, os gatos podem estar a processar novos cheiros humanos no hemisfério direito do cérebro e a mudar para o esquerdo quando o cheiro se torna familiar. Contudo, ainda não é claro como interpretar estes dados.
Carlo Siracusa, especialista em comportamento animal na Universidade da Pensilvânia (que não participou no estudo), pediu alguma contenção na conclusão acerca do estudo.
“O estudo não provou que o lado direito do cérebro foi ativado,” observou. “Seriam necessários exames cerebrais, não apenas comportamento, para tirar essa conclusão. Mas ainda assim, é uma informação importante. É assim que a ciência avança: tudo tem de ser demonstrado”.
Depois da fase de cheirar, muitos gatos esfregaram a cara nos tubos — um comportamento que pode parecer afetuoso, mas que serve um propósito mais prático: marcar território com o cheiro das suas glândulas faciais.
Os gatos têm glândulas nas bochechas que libertam feromonas quando esfregam objetos. Ao fazê-lo, estão a reclamar o objeto como parte do seu território.
Neste estudo, a maioria dos gatos esfregava o lado da cara correspondente à narina usada para cheirar — mais uma pista de que cheirar pode ser o primeiro passo para “reivindicar” algo.
Gatos machos com personalidades mais neuróticas eram mais propensos a cheirar repetidamente os tubos, sugerindo ansiedade ou hipervigilância. Os machos mais “amáveis” cheiravam de forma mais calma. Por outro lado, as fêmeas não mostraram uma ligação clara entre personalidade e comportamento.
Além disso, a escolha inicial de qual tubo cheirar parecia estar relacionada com a personalidade. Gatos que iam primeiro ao tubo neutro tinham pontuações mais altas em neuroticismo. Aqueles que escolhiam os odores (do dono ou do estranho) tendiam a ser mais extrovertidos e sociáveis.
Estes comportamentos subtis apontam para processos cognitivos mais complexos.
“É possível que o gato tenha conseguido detetar as moléculas de odor mesmo antes de aproximar o nariz”, sugeriram os autores.
Então, os gatos conhecem-nos pelo cheiro? Depende do que entendes por “conhecer”. Reconhecem o cheiro, disso não há dúvida. Mas se o conseguem associar diretamente a um indivíduo específico, é algo que ainda não se sabe com certeza.
“Neste estudo, os estímulos eram apenas de pessoas conhecidas e desconhecidas”, disse Uchiyama. “Seriam precisas experiências com múltiplas pessoas conhecidas para avaliar isso”.
Serenella d’Ingeo, investigadora da Universidade de Bari que estuda a resposta dos gatos ao odor humano, concorda. “Não sabemos como o animal se sentia ao cheirar”, disse. “Por exemplo, não sabemos se estava relaxado ou tenso”. Também referiu que a presença dos donos durante as experiências pode ter influenciado o comportamento dos gatos.
“Os donos trazem não só a sua presença visual, mas também o seu odor,” disse. “Portanto, se estiverem presentes outros odores diferentes do habitual, isso pode envolver mais o gato.”
Este estudo junta-se a uma crescente linha de investigação que mostra que os gatos, apesar de muitas vezes parecerem distantes, estão bastante atentos aos sinais humanos. Estudos anteriores já mostraram que os gatos reconhecem a voz do dono, seguem o olhar humano e ajustam o comportamento consoante o estado emocional do dono.
No entanto, a investigação sobre cognição social em gatos ainda está muito atrás da feita com cães. Os gatos resistem frequentemente à participação em experiências comportamentais — o que torna este estudo, que envolveu com sucesso 30 gatos, ainda mais impressionante.
“Dou os parabéns a estes cientistas por conseguirem envolver 30 gatos nestas experiências”, disse Siracusa. “A maioria dos gatos simplesmente não quer saber da tua investigação”.
Portanto, da próxima vez que o seu gato o cheirar, lembra-se: ele pode estar a lê-lo— literalmente — como um livro de cheiros.