“Não me compete comentar”, disse o ministro da Defesa Nuno Melo depois de Trump dizer que os EUA “vão tomar conta da Faixa de Gaza”. O primeiro-ministro Luís Montenegro não quer tirar “conclusões precipitadas”.
“Riviera no Médio Oriente”. É o que Donald Trump quer para a Faixa de Gaza, que tem “muito potencial” e que vai “ser tomada” pelos EUA, disse o Presidente norte-americano após encontro com o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, na Casa Branca.
“Os Estados Unidos vão tomar conta da Faixa de Gaza e vamos fazer um bom trabalho com ela… vamos desenvolvê-la, criar milhares e milhares de empregos, e será algo de que todo o Médio Oriente se poderá orgulhar”, disse o empresário e ex-promotor imobiliário em conferência de imprensa na noite de terça feira.
Trump não excluiu a possibilidade de enviar tropas norte-americanas para apoiar a reconstrução de Gaza e considera que a participação dos EUA será de “longo prazo”.
Os palestinianos podem ir viver para a Jordânia ou para o Egito, disse Trump, apesar da oposição destes países e dos próprios palestinianos. “Ficariam felizes” por sair, se tivessem a oportunidade de o fazer num “local agradável com fronteiras agradáveis”. Estima-se que dois milhões de pessoas vivam na Faixa de Gaza.
O plano para “reinstalar” palestinianos noutros locais não foi bem recebido pela comunidade internacional e foi rapidamente condenado por vários países, mas Portugal não foi um deles.
Melo não comenta “singularidades”
Ao ministro da Defesa, Nuno Melo, “não compete comentar” política norte-americana, disse esta quarta-feira, e o primeiro-ministro, Luís Montenegro, reforçou que os EUA e Portugal são “inequivocamente aliados” e recusou “inquinar a política externa”.
“Não me compete comentar a política interna norte-americana. Obviamente que é para mim muito relevante perceber que os EUA são um aliado fundamental da NATO”, disse Melo: “são singularidades da política norte-americana que por estes dias vai sendo, a esse propósito, muito rica e animando noticiários”.
O BE anunciou que quer ouvir com urgência o ministro da Defesa no parlamento devido às suas “declarações muito graves”.
Montenegro “nem quer falar” de uma “Riviera açoriana”
Apesar de Trump ter sido muito claro, Montenegro rejeitou retirar “conclusões precipitadas” das suas declarações, mas condenou “qualquer intervenção, propósito ou intenção de haver uma limpeza étnica”.
A líder parlamentar do Livre, Isabel Mendes Lopes colocou até um cenário hipotético: “imagine que um dia Donald Trump decide que quer anexar os Açores, que quer fazer uma Riviera no meio do Atlântico. Então quem é que nos vai proteger, quem é que vai levantar a voz para proteger Portugal quando Portugal não protege os outros territórios?”.
“Há coisas que o melhor é nem sequer falar delas”, foi a resposta do primeiro-ministro.
“A posição de Portugal não pode ser encolher os ombros e considerar que são singularidades da política americana. Não, é uma violação dos direitos humanos, é uma violação dos direitos do povo palestiniano e Portugal tem de ser muito claro a condenar estas declarações do Presidente dos Estados Unidos”, defendeu a líder parlamentar do Livre, que apela que “esta posição por parte do Governo português seja rapidamente corrigida”.
UE “tomou nota”
A Faixa de Gaza é “parte integrante de um futuro Estado palestiniano”, afirmou a União Europeia (UE) pouco depois das declarações incendiárias de Trump: “tomamos nota das declarações do Presidente Trump”.
“A UE continua firmemente empenhada numa solução de dois Estados [Israel e Palestina], que acreditamos ser o único caminho para uma paz duradoura para israelitas e palestinianos”, acrescentou a mesma fonte.
Guterres lamenta “desumanização”
O secretário-geral das Nações Unidas (ONU), António Guterres, defendeu o direito dos palestinianos “de simplesmente viverem como seres humanos na sua própria terra”, lamentando a “desumanização e demonização assustadora e sistemática” desse povo.
Guterres considerou “essencial evitar qualquer forma de limpeza étnica” e “reafirmar a solução de dois Estados”.
“Uma governação palestiniana forte e unificada é crucial”, insistiu.
O representante da Palestina na ONU afirmou que o povo palestiniano não abandonará Gaza porque “não há poder na Terra” que possa expulsá-lo da sua pátria, após o Presidente norte-americano anunciar um plano para ocupar o enclave.
Mundo contra proposta de Trump
Espanha, Irlanda, Reino Unido, Arábia Saudita, Turquia, Rússia e China foram alguns dos países que também reforçaram o apoio à solução de dois estados.
“Opomo-nos à deslocação forçada dos residentes da Faixa de Gaza. A China espera que todas as partes aceitem o cessar-fogo e regressem a uma solução política de dois Estados”, disse o porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros, Lin Jian, em conferência de imprensa.
O porta-voz chinês acrescentou que as partes envolvidas devem “colocar a questão palestiniana no caminho certo”, o que “significa um acordo baseado na ‘solução de dois Estados’ que visa uma paz duradoura no Médio Oriente”, advertiu. Pequim tem afirmado repetidamente que a Palestina deve ser “plenamente” reconhecida como um Estado nas Nações Unidas e que insistirá na solução de dois Estados para garantir a “coexistência pacífica” entre israelitas e palestinianos.
“Revoltante”
A organização não-governamental (ONG) Amnistia Internacional (AI) condenou a proposta “revoltante” de Trump para Gaza.
“As declarações do Presidente Trump que apelam à remoção forçada dos palestinianos da Faixa de Gaza ocupada devem ser ampla e inequivocamente condenadas”, afirmou a secretária-geral da organização, Agnès Callamard, num comunicado. “A linguagem utilizada [por Donald Trump] é inflamatória e ultrajante, e a sua proposta é uma violação flagrante do direito internacional”, denunciou.
“Nenhum Estado tem o direito de tratar uma população protegida, que vive sob ocupação, como peões num jogo de xadrez geopolítico”, acrescentou, acusando o Presidente norte-americano de “desumanizar perigosamente” os palestinianos em Gaza.
“Racistas”
A Organização de Libertação da Palestina (OLP) rejeitou qualquer plano para transferir “o povo palestiniano para fora da pátria”
“Aqui nascemos, aqui vivemos e aqui ficaremos”, declarou o secretário-geral da OLP, Hussein Sheikh numa mensagem através das redes sociais.
O Hamas já classificou os comentários de Donald Trump como “racistas”.
“A posição racista americana está em linha com a da extrema-direita israelita para deslocar o nosso povo e eliminar a nossa causa”, disse Abdel Latif al-Qanou, porta-voz do movimento palestiniano que controla Gaza.
Milhares protestam nos EUA
Milhares de manifestantes juntaram-se em várias cidades dos EUA para protestar contra as primeiras ações da administração de Trump, condenando tudo, desde a repressão da imigração à proposta de transferir à força os palestinianos da Faixa de Gaza.
Desde 1967, Israel construiu cerca de 160 colonatos ilegais que albergam mais de 700.000 judeus na Cisjordânia ocupada e em Jerusalém Oriental. O Estado israelita também reivindica a soberania de toda a cidade de Jerusalém, cujo lado oriental foi capturado na guerra de 1967, ocupado militarmente e anexado unilateralmente em 1980.
Trump recusou-se esta quarta-feira a dar mais detalhes sobre o seu plano, argumentando que “não era o momento certo” já que estava a participar no que descreveu como uma ocasião “solene e importante”, quando a nova procuradora-geral, Pam Bondi, jurou proteger a Constituição do país antes de assumir oficialmente o cargo.
ZAP // Lusa
Guerra no Médio Oriente
-
6 Fevereiro, 2025 O mundo (à exceção de Portugal) virou-se contra Trump e o seu plano “ultrajante” para Gaza