O misterioso manuscrito Voynich contém conselhos sexuais e “segredos femininos”

Uma das páginas do Manuscrito Voynich.

Após décadas a tentar descodificar o manuscrito Voynich, os investigadores dizem num novo estudo, com base em textos medievais semelhantes, que pelo menos parte do texto pode ser sobre “segredos femininos”.

O misterioso manuscrito Voynich, um texto com séculos de existência, escrito numa língua desconhecida e com ilustrações estranhas e de outro mundo, há muito que fascina os historiadores.

Desde a sua redescoberta, em 1912, inúmeros estudiosos tentaram — e em grande parte falharam — decifrar o significado e a origem deste estranho livro.

O texto do final da Idade Média está repleto de ilustrações que representam uma grande variedade de objectos, desde estrelas e planetas a plantas e mulheres nuas.

Esta estranha mistura de imagens, aliada a um texto indecifrável, só veio baralhar ainda mais o mistério do significado do livro. Mas agora, uma dupla de investigadores acredita ter desvendado parte do significado do manuscrito: o sexo pode ser um dos temas abordados no misterioso texto.

Num estudo recentemente publicado na revista científica Social History of Medicine, Keagan Brewer e Michelle L. Lewis, investigadores da Macquarie University, examinaram a ilustração mais proeminente do manuscrito Voynich, as chamadas Rosetas, e compararam-na com outros textos do período medieval.

As Rosetas são a “maior e mais elaborada ilustração” do manuscrito Voynich, uma extensa dobragem de várias páginas com nove círculos ligados entre si, símbolos astronómicos, tubos, lâmpadas, passagens, castelos e muralhas de cidades.

À primeira vista, parece um mapa de uma cidade, mas não de uma cidade que alguma vez tenha existido na Terra. No entanto, com base nos padrões patriarcais observados noutras obras do final da Idade Média, as Rosetas podem sugerir um significado mais profundo.

Yale University Library

As “cinco veias” das Rosetas do Manuscrito Voynich

“Nos tempos medievais tardios, acreditava-se que o útero tinha sete câmaras e a vagina duas aberturas, uma externa e outra interna”, explica Keagan Brewer num artigo no The Conversation.

“Acreditamos que os nove grandes círculos das Rosetas representam estas aberturas, com o círculo central a representar a abertura externa e o círculo superior esquerdo a representar a abertura interna”, detalha o investigador.

outras pistas subtis ao longo da ilustração que também podem estar relacionadas com a compreensão do sexo no final da Idade Média.

Perto do círculo superior esquerdo, por exemplo, há cinco pequenos tubos que correm em direção ao centro da ilustração.  Com base nos escritos do influente médico persa Abu Bakr Al-Rāzī, estes poderiam representar as cinco pequenas veias que, na altura, se acreditava estarem presentes nas vaginas das virgens.

Mesmo à primeira vista, é evidente que o manuscrito Voynich aborda uma série de tópicos variados, incluindo botânica, astrologia, astronomia e anatomia, apenas com base nas várias ilustrações do documento. No entanto, o significado destas imagens tem-se revelado muitas vezes contraditório.

“Uma secção contém ilustrações de mulheres nuas segurando objectos adjacentes ou orientados para os seus órgãos genitais”, explica Brewer.

“Estas imagens não poderiam ser de um manuscrito exclusivamente herbário ou astronómico. Para dar sentido a estas imagens, investigámos a cultura da ginecologia e sexologia do final da Idade Média – a que os médicos da época se referiam frequentemente como segredos das mulheres“, diz Brewer.

Em primeiro lugar, Brewer e Lewis debruçaram-se sobre os escritos do médico bávaro Johannes Hartlieb, que viveu entre 1410 e 1468 – mais ou menos na altura e no local em que o manuscrito Voynich foi criado.

Hartlieb escrevia frequentemente sobre muitos dos tópicos abordados no manuscrito Voynich, incluindo plantas, astronomia, mulheres e magia.

No entanto, Hartlieb era um homem do seu tempo, bastante conservador nas suas opiniões sobre a sexualidade das mulheres e receoso de que Deus o castigasse por escrever sobre “segredos de mulheres” de forma tão descarada.

Assim, Hartlieb usava frequentemente “letras secretas” como cifras ou alfabetos secretos para ocultar informações médicas que poderiam levar à contraceção, ao aborto ou à esterilidade.

Infelizmente, o alfabeto secreto de Hartlieb perdeu-se. Mas, segundo Brewer,  “a análise do seu trabalho ajudou-nos a compreender as atitudes que teriam na altura inspirado o uso da cifra”.

De acordo com Brewer, Hartlieb estava muito preocupado com o facto de que, se os “segredos das mulheres” se tornassem amplamente conhecidos, isso poderia resultar num aumento do sexo extraconjugal e que Deus o puniria por partilhar este conhecimento proibido.

Nos seus vários outros escritos, Hartlieb “recusa-se ou hesita” em escrever sobre temas como pomadas vaginais pós-parto, prazer sexual das mulheres e plantas contraceptivas ou abortivas.

Hartlieb acreditava firmemente que este conhecimento era apenas para homens nobres e que devia ser mantido longe das mulheres, dos trabalhadores do sexo, da gente comum e das crianças.

O médico bávaro não foi o único académico a fazer esta auto-censura, que, por vezes, consistia simplesmente em ocultar um termo genital ou o nome de uma planta numa receita.

No caso de um texto bávaro que continha receitas para a invisibilidade e feitiços mágicos destinados a coagir sexualmente as mulheres, a censura envolveu a remoção de páginas inteiras do manuscrito.

Talvez, sugerem os autores do estudo, uma forma semelhante de censura tenha sido aplicada ao manuscrito Voynic. — o que oferece pelo menos uma explicação importante para o texto do documento.

Assim, uma parte do mistério do livro indecifrável escrito numa língua que não existe com criaturas nunca vistas poderá ter sido desvendada.

ZAP //

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