Animais da Baviera foram afetados pelo desastre nuclear de Chernobyl em 1986. Desde então, várias espécies recuperaram, mas os níveis de radioatividade mantêm-se elevados em javalis. Agora, os cientistas explicaram porquê.
O acidente nuclear de Chernobyl, que remete a 1986, na antiga União Soviética, teve um enorme impacto negativo na fauna e flora da Europa Central. Nos anos que se seguiram ao desastre, o consumo de cogumelos e carne de animais silvestres foi desaconselhado, devido à contaminação radioativa, especialmente no sul da Alemanha.
Nos últimos anos, a contaminação em veados, corças e outros animais selvagens diminuiu, mas a radiação em javalis permaneceu elevada — um fenómeno que até já ganhou o nome de “paradoxo do javali”.
Agora, um grupo de investigadores acredita ter encontrado a razão da persistência da contaminação, em resultados divulgados esta quarta-feira na Environmental Science & Technology.
A equipa estudou 48 javalis abatidos no estado alemão da Baviera entre 2019 e 2021, a cerca de 1300 quilómetros de distância da antiga central de Chernobyl, e verificou uma exposição desproporcional ao isótopo radioativo césio-137 entre 370 e 15 mil becqueréis por quilograma — 25 vezes mais do que o limite legal de 600 becqueréis permitido pela União Europeia (UE). Perceberam também que nem toda a contaminação tem origem no acidente de Chernobyl.
Chernobyl não é o único culpado
Estudos anteriores calcularam que cerca de 10% do césio radioativo presente nos javalis da Baviera remetia a testes de armas nucleares na década de 1950 e 1960. Os outros 90% seriam resultado do desastre de Chernobyl.
No entanto, a nova análise revelou que a maior quantidade de césio-137 detetada nos javalis estudados foi libertada durante os testes de armas nucleares que antecederam a catástrofe de Chernobyl. Até 68% do césio presente nos javalis veio de antigos testes de armas nucleares — uma proporção surpreendentemente elevada.
“Mesmo que Chernobyl não tivesse acontecido, algumas amostras excederiam o limite”, explica o cientista Georg Steinhauser, radioecologista da Universidade Técnica de Viena e coautor do estudo.
Uma “trufada” de contaminação
O cientista sugere que um tipo de cogumelo, conhecido como trufa de veado (da família Elaphomyces) pode ser o responsável pela radioatividade “tardia” nos javalis. Como o césio é absorvido lentamente pelo solo, pode levar bastante tempo até que chegue aos fungos locais, que depois são consumidos pelos javalis — cuja preferência alimentar passa por cogumelos e trufas.
“Isso explica porque é que o césio ‘velho’ é encontrado desproporcionalmente em javalis”, aponta Steinhauser.
“As trufas de veado, que podem ser encontradas a profundidades de 20 a 40 centímetros, só estão a absorver o césio de Chernobyl agora. O césio dos antigos testes de armas nucleares, por outro lado, já chegou lá há algum tempo.”
Os EUA e a União Soviética realizaram mais de 900 testes nucleares nas décadas de 1950 e 1960, durante a Guerra Fria: destes, mais de 400 tiveram lugar na superfície.
O césio-137 tem meia-vida física (tempo necessário para que metade dos átomos presentes numa amostra radioativa se desintegrem) de cerca de 30 anos, o que significa que 25% da radioatividade emitida pelos testes ainda permanece na atmosfera.
Diminuição do consumo da carne tem impactos ecológicos
O Departamento Federal de Proteção Radiológica da Alemanha (BFS) aponta para a contaminação de muitos cogumelos, especialmente na Baviera, com césio radioativo.
Em certos cogumelos, foram medidos mais de 4000 becqueréis de césio-137 por quilograma de massa durante testes dos anos de 2019 a 2021. No entanto, a origem do material radioativo não foi investigada nesses testes.
Segundo o Centro Alemão de Pesquisa do Cancro (DKFZ), o césio-137 pode acumular-se no tecido ósseo e danificar o material genético. A longo prazo, pode provocar cancro nos ossos e leucemia. Os coletores de cogumelos devem, por isso, medir os níveis de radiação antes de consumirem fungos e carne de animais silvestres.
A carne de javali, por muito tempo, foi considera uma iguaria na região, mas nas últimas décadas, o consumo tem vindo a diminuir, destaca Steinhauser, o que também tem impactos ecológicos: sem grande consumo, a caça de javalis pode diminuir, aumentando a possibilidade de aumento incontrolável da espécie e da consequente ameaça das florestas da Baviera, uma vez que muitos javalis podem causar danos à vegetação e às fazendas próximas.
ZAP // DW