O mistério da migração de sardinhas “suicidas” na África do Sul está finalmente resolvido

Uma hipótese anterior sugeria que um subgrupo de sardinhas com origem no Oceano Índico faziam a travessia na costa de KwaZulu-Natal, mas um novo estudo resolveu o mistério de vez.

É uma das maiores e mais espectaculares migrações no planeta. Com a chegada do Inverno à África do Sul, centenas de milhões de sardinhas aventuram-se numa migração para o norte na costa de KwaZulu-Natal, no leste do país.

Esta migração atrai também enormes grupos de predadores, incluindo golfinhos, baleias e tubarões. Muitos turistas e mergulhadores também viajam para ver o fenómeno em primeira mão, revela a Scientific American.

No entanto, apesar do interesse, as causas para esta migração em massa ainda são debatidas, especialmente tendo em conta que apenas 10% das sardinhas da África do Sul participam e há anos em que esta viagem nem acontece sequer.

Uma explicação popular refere que as sardinhas que participam na migração pertencem a uma subpopulação distinta que evoluiu no Oceano Índico, por isso os peixes estão a migrar para os territórios de onde são naturais por instinto.

Mas uma análise genómica a centenas de sarinhas sul-africanas revelou que aquelas que participam na migração são originais do Oceano Atlântico, o que sugere que a viagem não traz qualquer benefício aos peixes e que, na verdade, os leva a águas que não lhes são favoráveis, escreveram os investigadores na Science Advances.

A equipa examinou o ADN de 284 sardinhas, que tanto incluíam peixes que vivem no Oceano Atlântico como no Índico e outros capturados durante as migrações de 2015, 2018 e 2019. Os cientistas esperavam que as sardinhas migratórias pertencessem a um terceiro grupo, mas esse resultado não se verificou.

Verificou-se também uma tendência geográfica dentro dos segmentos de ADN associados às adaptações às temperaturas da água — as sardinhas do Atlântico adaptam-se melhor a água fria e as do Índico estão mais aptas a nadar em águas mais quentes.

Apesar destes grupos preferirem águas diferentes, é comum ver os peixes a misturarem-se. No caso das sardinhas do Atlântico, aventuram-se muito para as águas mais quentes do sul, onde por vezes encontram marés breves de água mais fria e mais rica em nutrientes que lhes é mais favorável.

A falsa promessa de água fria leva a que os peixes sigam pelo nordeste apenas para depois acabarem presos nas águas mais quentes do Índico. Para além da temperatura que lhes é biologicamente desfavorável, estas sardinhas “suicidas” sofrem ainda com a presença de mais predadores nesta zona.

Este fenómeno é um exemplo de uma armadilha ecológica, afirma Peter Teske, biólogo marinho na Universidade de Joanesburgo e principal autor do estudo, que dá também o exemplo de “falcões que vão para zonas urbanas por haver muitos pombos”.

“É favorável durante algum tempo porque há muita comida, mas apanham tantas doenças que os seus descendentes não vão sobreviver”, explica. No caso das sardinhas, “temos uma armadilha natural numa escala colossal — talvez a maior que alguma vez foi registada, que pode estar a acontecer há milhares de anos”, sublinha.

Os resultados do estudo também podem ajudar a explicar a quebra nas últimas décadas da pesca da sardinha na África do Sul. Para combater a redução das populações, o especialista realça que a solução é “tão simples como reduzir a pesca naquela área”.

Com as alterações climáticas a causar um aumento nas temperaturas dos oceanos, o futuro desta migração ainda não é uma certeza, podendo acabar por deixar de acontecer devido ao aquecimento progressivo das águas e ao fim da armadilha que leva as sardinhas do Atlântico a nadarem para o Índico.

ZAP //

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