A promotoria argentina está a investigar uma rede criminosa que atrai grávidas russas para o país. “Não podemos transformar o nosso país numa maternidade para o mundo inteiro”, disse Florencia Carignano, diretora do serviço de imigração da nação sul-americana.
Para ter o bebé na Argentina, as grávidas podem pagar cerca de 3.300 euros pelo pacote básico; aproximadamente 7.000 euros por um modelo com atendimento 24 horas, 7 dias por semana; ou 14.000 euros pela versão luxo, com direito a motorista, ama e curso de espanhol, relatou o DW.
Para as grávidas russas que entram no website “ArgentinaFamily”, já no primeiro acesso à página inicial há um bónus: “receba o seu segundo passaporte, que tem a emissão mais rápida do mundo, e ganhe direito à entrada sem visto em mais de 170 países para toda a família”.
O “ArgentinaFamily” é gerido pela russa Elena Kuklina, de 26 anos, residente em Buenos Aires. Há uma semana, investigadores revistaram o seu apartamento, no luxuoso bairro de Puerto Madero, e apreenderam 66.920 dólares, computadores portáteis e telemóveis. A mulher era procurada desde dezembro.
Suspeita-se que Elena Kuklina obteve dinheiro público de forma fraudulenta. Além disso, terá falsificado documentos para mais de 70 russas grávidas que entraram no país. A agência que gere é acusada de ter fornecido residências falsas para obter as naturalizações mais rapidamente. A venda de certidões de nascimento e bilhetes de identidade para cidadãos russos também está sob investigação.
Florencia Carignano indicou que se trata de “um negócio de um milhão de dólares”. Em 2022, cerca de 10,5 mil russas grávidas foram à Argentina – prevê-se o dobro para 2023.
“Quem quiser ficar no nosso país é muito bem-vindo. O problema é que muitas mulheres russas não ficam aqui. Elas simplesmente recebem os seus passaportes e viajam para outros países. Descobrimos três espiões russos na Eslovénia com passaporte argentino. Esse é o nosso medo”, disse Florencia Carignano.
As crianças nascidas na Argentina recebem automaticamente a cidadania argentina. Dessa forma, mãe e pai podem facilmente solicitar a nacionalidade. Com esse passaporte, é possível entrar sem visto em 171 países.
Em meados de fevereiro, as autoridades argentinas recusaram inicialmente a entrada de seis russas grávidas no país. “As mulheres que chegaram aqui no aeroporto na 33.ª semana de gravidez estavam sozinhas, sem dinheiro e sem bilhete de volta marcado”, contou Florencia Carignano.
“Elas não podiam dizer sequer para onde queriam ir em Buenos Aires ou o hotel que tinham reservado; os endereços não eram precisos ou nem existiam. E ali ficou claro que estávamos a lidar com “falsas turistas”, ou seja, que elas não estavam aqui para turismo”, acrescentou.
As mulheres que entram na Argentina não estão proibidas de dar à luz no país, mas para isso é necessário um visto especial.
Segundo a diretora do serviço de imigração, normalmente quem viaja para o país são mulheres russas, muitas delas grávidas, sozinhas e com condições financeiras para obter uma autorização de residência; com voos operados pela Turkish, Ethiopian Airlines, Emirates ou KLM; além de terem reservado junto a uma agência um “pacote” que garante a cidadania argentina em tempo recorde.
“Por enquanto, as nossas investigações jurídicas nada têm a ver com a futura admissão de grávidas russas, desde que cumpram os requisitos das autoridades à entrada. A Argentina, como muitos outros países, tem um acordo com a Rússia que regula a entrada durante alguns meses”, disse Federico Delgado, procurador que coordena a investigação sobre os grupos criminosos de turismo de parto.
“Tanto o sistema de saúde público quanto o privado na Argentina são muito bons, sem dever nada em comparação com o sul da Europa. Isso e o facto de a Argentina ser muito barata para quem pode pagar em dólares explica por que tantas mulheres do outro lado do mundo querem dar à luz aqui”, continuou.
Em Buenos Aires, oito hospitais tornaram-se polos para grávidas russas. Um deles é o Hospital Fernández, público e gratuito, onde as consultas para novas pacientes dispararam 50% nos últimos três meses. No hospital particular Sanatorio Finochietto, em dezembro, quase um em cada três bebés nascidos tinha pais russos.
“Não podemos transformar o nosso país numa maternidade para o mundo inteiro”, sublinhou ainda Florencia Carignano.