Narva pode ser porta para a Terceira Guerra Mundial: “não queremos guerra, mas…”

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Narva, na Estónia

Território fundamental e símbolo de resistência, Narva, na Estónia, está no “fim do mundo livre”, com uma fronteira congelada que, por enquanto, contraria a ameaça russa. As provocações de Putin são cada vez mais frequentes.

A terceira maior cidade da Estónia, Narva, situa-se numa intersecção que separa o território da NATO e a influência russa, uma zona cada vez mais tensa desde a invasão da Ucrânia.

Situada nas margens nevadas do rio Narva, a cidade fronteiriça é vista como um ponto de inflamação para um potencial conflito global, numa altura em que o Ocidente denuncia e condena as crescentes provocações e agressões russas.

Os responsáveis pela segurança na Estónia alertam para o facto de Narva poder vir a tornar-se o local de uma escalada, possivelmente, até à Terceira Guerra Mundial.

“Não temos a intenção de iniciar uma terceira guerra, mas vemos as constantes tentativas de nos provocar a fazer algo que teria um impacto maior”, disse Egert Belitšev, diretor-geral da Polícia e da Guarda de Fronteiras da Estónia, ao jornal Politico, que descreve Narva como “o fim do mundo livre”.

Cidade provocada por Putin

Com 56 mil habitantes, Narva, que em área é equivalente à Póvoa do Varzim, fica mais perto de São Petersburgo, na Rússia, do que da capital da Estónia, Tallin, e 96% dos seus residentes falam russo e um terço tem passaporte russo. O ‘mix’ demográfico alimenta preocupações sobre as ambições do Presidente russo Vladimir Putin de explorar as divisões étnicas da região.

A verdade é que Putin já insinuou reivindicações históricas sobre Narva. Em 2022, o Presidente russo afirmou que Pedro, o Grande [Czar da Rússia de 1682 até à formação do Império Russo em 1721] não se apoderou de quaisquer territórios suecos durante a Grande Guerra do Norte, mas que “os recuperou”, cita a agência estatal russa TASS.

Segundo Putin, o czar recuperou Narva durante a longa guerra com a Suécia, entre 1700 e 1721, algo que, segundo o líder do Kremlin, a Rússia está agora a fazer na Ucrânia.

A Estónia fez parte do império russo durante mais de dois séculos antes de conquistar a sua independência em 1918. Em 1940, a União Soviética anexou o país, que só recuperou a sua independência em 1991.

Desde então, Moscovo sabe como provocar Narva ao longo da fronteira, com interferência constante na navegação por satélite, remoção de marcas fronteiriças e vigilância através de drones e dirigíveis, avistadas com o símbolo “Z” que distingue as forças armadas russas, denunciam as autoridades estónias.

Força da NATO na Estónia

Embora seja membro da NATO, a Estónia teme que a aliança possa não estar totalmente preparada para uma crise em Narva.

As forças da NATO na Estónia incluem 900 tropas britânicas na base aérea de Tapa e unidades de França. Mas as forças armadas da Estónia — compostas por 7.700 militares no ativo e um potencial de 43.000 reservas — teriam certamente dificuldades em repelir uma ofensiva russa sem reforços imediatos da NATO.

É a falta de urgência na reação da NATO que frustra os responsáveis estónios.

“Penso que a consciência não existe tanto como nós a temos”, diz Belitšev sobre os aliados: “as pessoas não compreendem a situação real”, desabafa, enumerando as reações “lentas” noutros conflitos com a Rússia, como na Geórgia, em 2008, e na Crimeia, em 2014.

“Quando a invasão ocorre, já é tarde demais“, disse o Ministro da Defesa da Estónia, Hanno Pevkur: “precisamos de analisar o sistema de alerta precoce e deixar claro que, quando a primeira pessoa atravessar a fronteira, responderemos imediatamente”.

Os responsáveis belgas visitaram recentemente a Estónia, mas concentraram-se nos planos de evacuação dos seus cidadãos e não nas estratégias de defesa para os países bálticos, acusam ainda os responsáveis do país báltico.

Proteger a fronteira

A Estónia mexe cada vez mais ‘cordelinhos’ para se defender: gasta atualmente 3,4% do seu PIB em defesa, um valor que deverá aumentar para 3,7% no próximo ano e tornar-se uma das maiores despesas de defesa da UE.

O país está a fortificar a sua fronteira de 338 quilómetros com a Rússia. O governo investiu 157 milhões de euros na segurança da fronteira, incluindo novos sistemas de vigilância e barreiras anti-tanque do tipo “dentes de dragão”. Os planos incluem também um “muro de drones” para bloquear os veículos aéreos não tripulados inimigos.

Desafios em Narva

Manter controlo das fronteiras é desafiante para um país significativamente mais pequeno e exposto. A remoção de bóias fronteiriças pela Rússia este ano levou a um aumento das incursões territoriais — passaram de 18 em dois anos para 96 em 2023 — e o terreno complica os esforços de segurança.

O rio Narva e o lago Peipus formam barreiras naturais, mas as suas superfícies congeladas no inverno permitem um acesso muito mais fácil. Além disso, a interferência do sinal GPS da Rússia perturba os sistemas de localização e dificulta muito o trabalho de controlo de fronteiras das autoridades.

Apesar das tensão, a Estónia mantém a ponte de Narva aberta ao tráfego pedonal  contínuo com a Rússia, mas o ambiente é de cortar à faca nos postos de controlo. As longas filas de viajantes que aguardam a travessia para a Rússia descarregam frequentemente as suas frustrações na neve, culpando as autoridades estónias pelos atrasos, descreve o Politico — perturbações orquestradas pela Rússia para criar descontentamento e prejudicar a imagem da Estónia, acusa Belitšev.