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Na pizza, em waffles, em Doritos. A Internet anda louca com caviar. E o que é feito do esturjão?

As bolinhas pretas  estão em todo o lado — no TikTok, no Instagram, na mão de influencers, em cima de alimentos inusitados e… dentro do esturjão, uma espécie em vias de extinção.

Se pesquisar por “caviar” no TikTok ou no Instagram, é provável que encontre uma utilizadora chamada Danielle Zaslavskaya, também conhecida como a Rainha do Caviar. Vestida com roupas de estilistas e jóias com diamantes, a ucraniana espalha caviar sobre qualquer comida esteja mais à mão (dedos de peixe, Doritos, Pringles, a lista é infinita).

Mas não é a única pessoa na Internet que está a dar cartas na Internet à custa deste produto. Jonathan Haffmans, o chefe executivo do Industry Kitchen, ficou conhecido por ter criado a tarte “24K”.

Sim: tal como o nome indica, esta “tarte”, uma espécie de pizza, é caríssima, e custa 2 mil dólares (1,9 mil euros) e, por entre folhas de ouro comestíveis, pétalas e tinta de choco, encontra-se o ingrediente de luxo, as ovas de esturjão, mais conhecidas por caviar.

De acordo com a revista Forbes, um toque moderno no caviar, o “caviar bump“, está a acumular milhões de visualizações nas redes sociais. O “caviar bump” consiste em deitar uma pequena porção de caviar na mão, na zoan entre o polegar e o indicador, e lambê-lo de uma só vez. A tendência tornou-se viral no TikTok, com pessoas a gravarem-se a si próprias a experimentar o “caviar bump”.

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Como conta a Hakai Magazine, até há relativamente pouco tempo, as ovas de esturjão salgadas (e, por vezes, as ovas de salmão, de peixe-espada ou de uma mão-cheia de outras espécies de peixe que entram no balde do caviar) eram um produto caro, mas de nicho, popularizado pela realeza russa nos tempos do czar. Agora já não.

As vendas globais de caviar aumentaram 74% desde 2020, especialmente durante os primeiros anos da pandemia de COVID-19, quando a ideia de uma experiência de luxo numa lata atraiu os mais carentes de restaurantes.

“Vimos um aumento significativo de 15% nas vendas em 2023, que atribuímos a vários fatores: o interesse contínuo pós-pandemia em luxos caseiros, o aumento do caviar nas redes sociais e uma curiosidade crescente entre as gerações mais jovens”, conta Edward Panchernikov é o diretor de marketing da Caviar Russe, a loja online de um dos maiores importadores de caviar dos EUA.

“Estamos entusiasmados por ver o caviar ser adotado por um público mais vasto. Quer se trate de um emparelhamento clássico ou de um toque moderno”, diz.

Durante a maior parte do século XX, a União Soviética manteve um quase monopólio no comércio do caviar. Os burocratas em Moscovo conheciam muito bem o seu valor. Sendo um país pobre que necessitava de moeda estrangeira para sustentar a sua economia embrionária, a URSS estava ansiosa por rentabilizar o vison, o ouro, os diamantes — no fundo, tudo o que chamasse a atenção do Ocidente.

Devido à sua associação com a nobreza russa, que gastava prodigamente em toda a Europa antes da Revolução Russa de 1917, o caviar entrava nessa categoria.

Entretanto, com a decadência da URSS na década de 80, foi aumentando o mercado negro de caviar. Ira Goller, proprietário da famosa Loja de Esturjão de Murray, explica que nos EUA, a certa altura, estalou uma guerra de caviar entre os grandes armazéns Macy’s e o Zabar’s, o bastião do “apetite” judaico, fazendo com que o preço do caviar descesse e descesse.

Podia-se descer a Broadway e havia uns pequenos recipientes de caviar de plástico por todo o passeio“, lembra Goller. Era assim que era barato.

Atualmente, nos EUA o esturjão branco cresce em tanques na Califórnia, Havai, Oregon e Idaho. Entretanto, no sudeste dos Estados Unidos — na Florida, na Geórgia e na Carolina do Norte, em particular — há provavelmente mais esturjão russo em quintas do que em toda a região selvagem do Cáspio.

E não foi só nos Estados Unidos que a domesticação do esturjão passou a ser vista como uma coisa útil a fazer. O Canadá, a França e a Itália tornaram-se produtores importantes desde o colapso da União Soviética.

Como explica o Daily Mail, a corrupção desenfreada e a “sobrepesca” dizimaram as unidades populacionais e, desde 2008, é ilegal vender caviar selvagem. Atualmente, tudo é cultivado, sendo a China o principal fornecedor, assegurando 200 das 600 toneladas anuais do mercado mundial, algumas das quais (provenientes da Bélgica e de Itália, bem como da China) são, de facto, de elevada qualidade.

“Mesmo no caso do baeri [kaspia, uma espécie de esturjão originária da Rússia], que se reproduz mais rapidamente, é necessário um mínimo de cinco anos. O investimento é enorme e perde-se até 30% dos alevins iniciais [peixes juvenis], que não amadurecem para produzir ovos”, conta outra “Rainha do Caviar“, do Reino Unido, Laura King MBE, que também ficou famosa por causa deste alimento.

Em Portugal, atualmente, o esturjão está extinto. Mas está sob ameaça no mundo todo. Como comunica a WWF, “os esturjões são o grupo de espécies mais ameaçado do planeta. Estes gigantes gentis existem desde a era dos dinossauros, mas estão agora à beira da extinção devido à sobrepesca, ao florescente comércio ilegal de caviar e à perda de habitat“.

A tendência do TikTok tem também o seu lado negro — literalmente. A União Europeia já tem planos para uma tentativa de conservação da espécie. Entretanto, as “rainhas do caviar” continuam a tomar “shots” das ovas do peixe em vias de extinção.

ZAP //

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