Globalmente, a humanidade está a produzir mais comida do que nunca, mas a colheita está concentrada num punhado de “celeiros”, e nem as terras agrícolas mais ricas da América vão escapar ao colapso climático. São boas notícias para a Rússia, Canadá e leste asiático, más para o resto do mundo.
Algumas das terras agrícolas mais produtivas do mundo, incluindo as principais regiões produtoras da Rússia e Ucrânia (responsáveis por mais de 1/3 das exportações mundiais de trigo e cevada) e dos Estados Unidos, estão a caminho de quedas acentuadas nas colheitas devido às alterações climáticas.
Estas são más notícias não apenas para os agricultores, mas também para toda a população mundial, especialmente porque se torna mais difícil e caro alimentar um mundo mais populoso e com mais fome, diz a Vox.
Segundo um novo estudo, publicado na semana passada na revista Nature, num cenário moderado de emissões de gases com efeito de estufa, seis culturas básicas fundamentais verão um declínio de 11,2 % até ao final do século, comparado com um mundo sem aquecimento — mesmo que os agricultores tentem adaptar-se.
As maiores quedas não estão a ocorrer nas terras agrícolas mais pobres e marginais, mas em locais que já são grandes produtores de alimentos — regiões como o Midwest americano, que foram abençoadas com bom solo e clima ideal para cultivar produtos básicos como milho e soja.
No entanto, quando o clima ideal que abençoa essas regiões ultra-produtivas se torna “menos do que ideal“, a produtividade agrícola pode sofrer reduções drásticas. O clima extremo já prejudicou várias colheitas este ano: as inundações destruíram arroz no Tajiquistão, pepinos em Espanha e bananas na Austrália.
Nesta primavera, tempestades severas nos Estados Unidos causaram milhões de euros em danos às culturas. Em anos passados, o calor severo levou a grandes declínios na produção de mirtilos, azeitonas e uvas.
E à medida que o clima muda, o aumento das temperaturas médias e as mudanças nos padrões de precipitação estão preparados para diminuir os rendimentos, enquanto eventos climáticos como secas e inundações que atingem extremos maiores podem eliminar colheitas mais frequentemente.
“Não é um mistério que as alterações climáticas afetarão a nossa produção alimentar”, diz Andrew Hultgren, investigador da Universidade do Illinois e primeiro autor do estudo. “Esse é o setor da economia mais exposto ao clima“.
Os agricultores estão a fazer o que podem—testando diferentes variedades de culturas que possam resistir melhor às mudanças no clima, alterando o momento em que semeiam, ajustando o uso de fertilizantes e água, e investindo em infraestruturas como reservatórios de água.
A questão é se essas adaptações conseguem continuar a acompanhar o ritmo das alterações climáticas. Para o descobrir, Hultgren e a sua equipa analisaram dados de culturas e clima de 54 países em todo o mundo, recolhidos desde os anos 1940.
Os investigadores analisaram especificamente a forma como os agricultores se adaptaram às mudanças no clima que ocorreram nas últimas décadas, focando-se no milho, trigo, arroz, mandioca, sorgo e soja — culturas que, combinadas, fornecem 2/3 das calorias consumidas humanidade.
No seu artigo, Andrew Hultgren e a sua equipa relatam que, em geral, a adaptação pode conseguir retardar algumas perdas de culturas devido às alterações climáticas, mas não todas.
A diminuição na nossa produção alimentar pode ser devastadora: por cada grau Celsius de aquecimento do planeta, a produção alimentar global provavelmente diminuirá 120 calorias por pessoa por dia.
Esta diminuição acontecerá mesmo tendo em conta que as alterações climáticas podem tornar as estações de crescimento mais longas e que mais dióxido de carbono na atmosfera pode encorajar o crescimento das plantas, dizem os autores do estudo.
No cenário moderado de emissões de gases com efeito de estufa — entre 2 e 3 graus Celsius de aquecimento até 2100 — eventuais adaptações e melhorias de produtividade apenas compensariam 1/3 das perdas de culturas no mundo.
“Olhar para um futuro 3°C mais quente do que em 2000, corresponde a cerca de uma perda de 13 % no consumo calórico diário recomendado per capita”, diz Hultgren. “É como se todos deixassem de tomar o pequeno-almoço… cerca de 360 calorias para cada pessoa, para cada dia.”
Mas há boas notícias… para alguns países
Os investigadores também mapearam onde as maiores quedas—e aumentos—de culturas provavelmente ocorrerão à medida que o clima aquece.
Enqaunto as terras agrícolas mais produtivas do mundo são duramente atingidas, países mais frios como a Rússia e o Canadá estão a caminho de ter colheitas maiores. O mapa abaixo mostra a vermelho as regiões onde o rendimento das culturas poderá diminuir, e a azul onde pode vir a aumentar:
Hultgren, A. / Nature

Os resultados complicam a ideia de que os países pobres terão as maiores perdas na produção alimentar devido às alterações climáticas. Segundo o estudo, os países produtores de alimentos mais ricos e em grande escala podem registar as maiores quedas.
No entanto, os países pobres ainda serão afetados, uma vez que muitas culturas são commodities comercializadas internacionalmente, e os maiores produtores são exportadores.
Uma colheita menor significa preços alimentares mais altos em todo o mundo. Regiões menos ricas também enfrentam os seus próprios declínios de culturas devido a catástrofes naturais e alterações climáticas, embora em escalas menores.
Enquanto isso, a população global está a crescer, embora muito mais lentamente que no passado. É uma receita para mais insegurança alimentar, para mais pessoas.
O arroz é uma exceção a esta tendência. As colheitas globais deste cereal provavelmente aumentarão num mundo mais quente: o arroz é uma cultura versátil e, ao contrário dos outros produtos básicos, beneficia de temperaturas noturnas mais altas.
“O arroz revela-se a cultura mais adaptada, protegida de grandes perdas mesmo num futuro com maiores temperaturas globais — o que é uma vantagem para regiões como o Sul e Sudeste Asiático”, diz Hultgren.
Enquanto as alterações climáticas podem prejudicar a cadeia de fornecimento alimentar, a forma como fazemos comida, por sua vez, também prejudica o clima. Cerca de 1/3 das emissões de gases com efeito de estufa da humanidade provém da produção alimentar; pouco menos de metade disso de carne e lacticínios.
É por isso que a produção alimentar tem de ser a linha da frente da forma como nos adaptamos às alterações climáticas e reduzimos o aumento das temperaturas globalmente, conclui Hultgren.