Pela primeira vez, Portugal conseguiu três medalhas de ouro num Europeu de atletismo em pista coberta. Só Patrícia Mamona nasceu em Portugal. O que é preciso para uma pessoa estrangeira se tornar portuguesa?
Os registos de Carla Sacramento (1.500 metros) e de Fernanda Ribeiro (3 mil metros) ficaram para trás. Em 1996, as duas atletas conquistaram medalha de ouro nos Europeus de atletismo em pista coberta; era o melhor registo de Portugal na tabela oficial de medalhas, em pista coberta, até que os Europeus de 2021 superaram essa dupla conquista.
Três medalhas de ouro em cerca de 48 horas: Auriol Dongmo foi a melhor no lançamento do peso, Pedro Pichardo superou confortavelmente a concorrência no triplo salto e Patrícia Mamona, “por um triz”, venceu também o concurso do triplo salto.
A tabela oficial de medalhas dá prioridade às medalhas de ouro. Por isso, a comitiva portuguesa ficou no segundo lugar, superada apenas pela holandesa, que levou quatro medalhas de ouro para os Países Baixos. Contabilizando o total de medalhas (também três), Portugal conseguiu a nona posição.
Só Mamona nasceu em Portugal
A primeira medalha de ouro foi conquistada por Auriol Dongmo, na sexta-feira. Nascida há 30 anos em Ngaoundéré, nos Camarões, Auriol Dongmo Mekemnang nunca tinha representado Portugal. Até 2017 vestiu o equipamento do seu país natal, conseguindo títulos continentais em África e marcando presença na última edição dos Jogos Olímpicos. Foi nesse ano, 2017, que passou a viver em Portugal: a religião e Fátima foram motivos fundamentais para essa mudança. Assinou contrato com o Sporting, clube que a própria tinha procurado. Em maio de 2020 a federação internacional de atletismo anunciou que, a partir de 26 de julho do ano passado, Dongmo tinha autorização para competir por Portugal. Estreou-se só agora, devido ao coronavírus.
Pedro Pablo Pichardo Peralta nasceu em Santiago de Cuba, em 1993. Campeão mundial de juniores, campeão americano, três medalhas em Mundiais – sempre ao serviço de Cuba. Abril de 2017 mudou o seu percurso: foi um dos vários cubanos que aproveitaram uma estadia no estrangeiro para fugir. Aconteceu durante um estágio na Alemanha e, poucos dias depois, soube-se que estava em Portugal e logo assinou contrato com o Benfica, ainda em abril. Foi no mesmo ano, em dezembro, que passou a ser cidadão português. Passou a representar Portugal em competições de atletismo em agosto de 2019. No mês seguinte esteve nos Mundiais e ficou à beira do pódio, no quarto lugar.
Patrícia Mbengani Bravo Mamona nasceu em Lisboa, em 1988. O seu pai é angolano.
Outros atletas portugueses que conseguiram medalhas em Europeus de pista coberta (e não só) não nasceram em Portugal: Francis Obikwelu é da Nigéria, Naide Gomes nasceu em São Tomé e Príncipe e Nélson Évora na Costa do Marfim.
Aliás, a escolha de desportistas nascidos noutros países para alinharem por seleções portuguesas não começou agora. Ficaram famosos os casos de Deco, no futebol, ou precisamente de Obikwelu. O Diário de Notícias sublinhou, em 2016, que nos Jogos Olímpicos no Rio de Janeiro, Portugal iria ter atletas provenientes de 17 países. Cerca de um quinto dos atletas olímpicos naquele ano não nasceram em Portugal.
Quais são as regras?
O Diário da República estabelece a Lei da Nacionalidade, que prevê a naturalização de pessoas nascidas noutros países em diversos contextos. O documento apresenta 10 pontos.
O primeiro indica que a pessoa em causa tem de, entre outros critérios, viver em Portugal há pelo menos cinco anos. Seguem-se regras para menores de idade, que mesmo sendo filhos de estrangeiros podem ser portugueses; uma das regras menciona que o menor tem de concluir em Portugal um dos ciclos do ensino. Quem tem ascendência familiar portuguesa também pode ter direito a cidadania lusa.
Pichardo e Dongmo nem são menores, nem vivem em Portugal há pelo menos cinco anos, nem têm qualquer ligação familiar com Portugal. Tal como não tinha Obikwelu, quando ficou com nacionalidade portuguesa.
Mas aparece então o ponto 6 desta Lei da Nacionalidade: “estrangeiros que tenham prestado ou sejam chamados a prestar serviços relevantes ao Estado Português ou à comunidade nacional” podem ser autorizados pelo Governo a ter nacionalidade portuguesa. E foi este ponto que “serviu” para apressar as naturalizações de Obikwelu, Pichardo e Dongmo.
Os casos de Nélson Évora e de Naide Gomes são diferentes. Ambos nasceram fora de Portugal mas vivem em Portugal desde crianças: Évora desde os 6 anos, Naide desde os 11. Naide ainda representou São Tomé e Príncipe, por exemplo, nos Jogos Olímpicos de 2000. Tornou-se cidadã portuguesa no ano seguinte, quando tinha 21 anos – Nélson Évora mudou a sua nacionalidade aos 18 anos mas, revelou o próprio, o seu processo de naturalização começou quando tinha 10 anos.