A mudança feita há um ano na lei da droga deixou a distinção entre as quantidades de droga para consumo e para tráfico mais confusa, originando absolvições para suspeitos que anteriormente seriam condenados.
A alteração à Lei da Droga, em vigor há cerca de um ano, está a levar a absolvições de condenados por tráfico. A nova legislação ajusta a distinção entre consumo e tráfico de drogas e está a levar à reversão de condenações por tráfico que seriam quase automáticas anteriormente.
Em outubro de 2022, a lei foi alterada para incluir drogas sintéticas nas tabelas de consumo permitido e reduzir a rigidez na distinção entre consumo e tráfico. Antes, a posse de estupefacientes acima da quantidade considerada necessária para 10 dias de consumo era automaticamente classificada como tráfico. Agora, é apenas um indício, cabendo ao arguido justificar que a droga é para uso pessoal.
Esse ajuste legal tem levado à absolvição de acusados, como no caso de um jovem de Setúbal apanhado com 44 gramas de haxixe. Apesar de inicialmente condenado, o Tribunal da Relação de Évora absolveu-o, pois não havia provas de atividade de tráfico, explica o JN.
Apesar da flexibilização, a lei não oferece um “livre-trânsito” para traficantes. Em casos de quantidades significativamente superiores às previstas, como o de um homem na Maia com 470 gramas de haxixe, os tribunais continuam a impor condenações. Segundo Pedro Miguel Carvalho, advogado penalista, os tribunais tendem a absolver arguidos em situações de menor escala, mas mantêm condenações para casos que envolvam volumes mais expressivos.
Especialistas divergem quanto aos efeitos da nova legislação. João Goulão, presidente do Instituto para os Comportamentos Aditivos, acredita que as mudanças trouxeram benefícios ao reduzir a criminalização do consumo, sem causar grandes problemas sociais. Por outro lado, Nélson Carvalho, da Unidade de Comportamentos Aditivos da Madeira, critica a lei por supostamente “legitimar o tráfico”, aumentando a complexidade na distinção entre consumo e venda.
A nova abordagem trouxe maior subjetividade às decisões judiciais, obrigando procuradores a análises mais detalhadas. Militares da GNR e da PSP confirmam que continuam a deter indivíduos com quantidades acima do permitido, cabendo ao Ministério Público decidir se há crime. No entanto, a falta de consenso entre polícias e procuradores tem resultado no aumento de processos arquivados.