Morreu o jornalista estagiário que, com 19 anos, deu ao mundo os Rolling Stones

The Baron

Barry May (à direita) recebe o seu certificado de “Freedom of the City of London”

O jornalista britânico Barry May, autor do primeiro artigo sobre os Rolling Stones quando a recém-formada banda atuava num pequeno clube de Richmond-Upon-Thames, morreu no passado dia 1, aos 80 anos, anunciou esta sexta-feira a família.

Morreu em Richmond, a sua cidade natal, o jornalista britânico que há 61 anos “descobriu” os Rolling Stones, disse à agência Lusa a sua mulher, Dolly May.

Barry May viria a ser um dos principais correspondentes internacionais da Reuters, com missões que passaram pela África do Sul do apartheid e o Irão de Khomeini.

May tinha 19 anos e trabalhava no semanário local Richmond & Twickenham Times, em abril de 1963, quando lhe foi pedido que escrevesse sobre a “cena musical” nos subúrbios a sul de Londres.

Os Stones, também em início de carreira, depois de vaguearem por algumas salas da capital britânica, tinham conseguido pela primeira vez o estatuto de banda residente no recém-aberto Crawdaddy Club de Richmond, onde atuavam desde fevereiro, interpretando os temas mais populares do Rhythm’n’Blues (R’n’B), então em fase de descoberta no Reino Unido.

Ainda não passara um ano desde que Brian Jones pusera no Jazz News o anúncio que viria a dar origem aos Stones, e tudo mudaria após a publicação do artigo de página inteira de Barry May, em 13 de abril de 1963.

No dia seguinte, os Beatles foram ouvi-los, no que foi o primeiro contacto entre as duas bandas que durante décadas alimentaram um intenso debate na cena musical: quem foi melhor: os Beatles ou os Stones?

O contrato com a Decca aconteceu poucas semanas mais tarde, e o primeiro disco da banda, com uma versão de “Come on” de Chuck Berry, seria editado a 7 de junho, já como The Rolling Stones, dois meses depois de o jovem estagiário ter ido ao seu concerto.

Nesse artigo, Brian Jones surge como líder dos Rollin’Stones, nome original vindo do “Rollin’Stone Blues”, de Muddy Waters, e os músicos dizem-se “semi-profissionais”.

A banda era na altura composta por Brian Jones, o “arquiteto” do grupo, o teclista Ian Stewart, escriturário numa farmacêutica, Mick Jagger, estudante da London School of Economics, Keith Richards, do Sidcup Art College, Bill Wyman, baixista dos Cliftons e músico a tempo incerto desde o termo do serviço militar, e pelo designer Charlie Watts, baterista de jazz nos tempos livres.

A reportagem fala da dificuldade de Mick Jagger em mover-se em palco, de tão cheia que estava a sala do clube, que tomou o nome do êxito de Bo Diddley, expoente do R’n’B nos EUA.

Como Barry May previa no final do artigo, o hotel foi demolido, o clube teve de procurar uma nova sede e os Stones continuaram “a rolar”.

May manteve-se a fazer a cobertura da “cena musical pop” durante algum tempo, mas depressa optou pelo “jornalismo mais ortodoxo”, como confessou 55 anos mais tarde ao News Decoder, da rede educacional Nouvelles Découvertes.

Em Londres, começou no jornal The Scotsman, seguindo-se a Associated Press e, depois, a Reuters, para onde entrou em 1968 e onde trabalhou durante mais de 30 anos. O jornalismo de agência nunca mais abandonou a sua vida.

Barry John May nasceu em agosto de 1943 em Richmond-upon-Thames. Foi correspondente no Paquistão, na África do Sul e nos Estados Unidos. Em julho de 1981, foi um dos três jornalistas da Reuters expulsos do Irão pelas forças do ayatollah Khomeini.

Em causa estavam notícias sobre iranianos desiludidos pela forma como a revolução anti-Xá e anti-americana de 1979 se estava a tornar num golpe islâmico, recordou à Lusa o jornalista escocês Phil Davison, na altura a liderar a delegação da Reuters em Teerão.

Ameaçados por militantes pró-Khomeini”, os três correspondentes – Adam Philps, Barry May e Phil Davison – tiveram “apenas tempo para fazer as malas e apanhar o primeiro avião”, num dia de fuzilamentos na capital iraniana.

May chefiou ainda a delegação da agência britânica no Golfo, e esteve à frente da área de Economia, tendo sido fundador e primeiro editor do Reuters Business Report na Europa.

Quando se reformou, criou o ‘site’ The Baron, dedicado a trabalhadores da Reuters, geriu o fundo de pensões da agência, presidiu à Richmond Society e foi eleito para a Royal Society of Arts.

Em 2014, recebeu o certificado de “Freedom of the City of London“, título honorífico tradicional da cidade de Londres, que conferia a quem o recebia privilégios especiais — entre os quais o peculiar direito de pastar ovelhas sobre a London Bridge e outras áreas da cidade.

O The Baron não deixou escapar a notícia da morte do seu fundador, a quem dedica um sentido obituário. “Barry May, que faleceu a 1 de junho, com 80 anos, após uma corajosa luta contra o cancro, teve uma carreira distinta em todo o mundo com a Reuters; mas talvez a sua maior realização tenha ocorrido depois de ter partido, quando fundou o The Baron“, diz o texto.

Os fãs dos Stones, e não só, certamente discordam, porque, apesar da sua longa e ilustre carreira jornalística, a história mais influente de Barry May terá mesmo sido o seu primeiro artigo sobre os Stones — como considera Phil Davison, que recorda como Bill Wyman testemunhou “o orgulho do grupo” quando viu o texto publicado, e como Brian Jones fez questão de manter uma cópia dessa página, dobrada na sua carteira.

O meu artigo foi o primeiro sobre eles a ser publicado em qualquer lado”, recordou Barry May ao News Decoder, em 2018. “Os Stones continuaram a tocar, numa vida de álbuns de sucesso, digressões mundiais e casamentos desfeitos”.

“E os meus gostos musicais voltaram ao género que tinha aprendido a apreciar com o meu pai, o jazz”, confessou então Barry May.

ZAP // Lusa

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