Netflix

Uma série notoriamente violenta que transforma jogos infantis em desafios mortais tornou-se um fenómeno de audiências e uma obsessão global de entretenimento. É um trabalho de autor, uma reflexão sobre o desespero financeiro, e um retrato — possivelmente fiel — da natureza humana.
A série sul-coreana da Netflix “Squid Game“, que chegou aos ecrãs em 2021, evoluiu rapidamente de um sucesso de streaming para um fenómeno cultural global, dando origem a experiências imersivas nas principais cidades do mundo e tornando-se o conteúdo mais visto de sempre na plataforma.
Mas o impacto da série, cuja terceira e última temporada estreou nesta sexta-feira, estende-se muito além das métricas televisivas tradicionais, diz o Foreign Policy.
Segundo dados da Netflix, a série acumulou umas impressionantes 3,585 mil milhões de horas de visualização nas duas primeiras temporadas, o equivalente a mais de 409.000 anos de tempocoletivo de visualização.
Este envolvimento sem precedentes traduziu-se em atrações do mundo real, com instalações “Squid Game: The Experience” em Nova Iorque, Londres, Sydney e Seul, onde os visitantes recriam cenas da notoriamente violenta série.
Criada como uma espécie de reflexão sobre o desespero financeiro e a natureza humana, “Squid Game” segue Seong Gi-hun, interpretado por Lee Jung-jae, um pai viciado no jogo e afogado em dívidas.
A jornada do protagonista começa quando é recrutado através de um jogo infantil aparentemente inocente numa estação de metro, o que acaba por levá-lo a uma ilha misteriosa onde 456 indivíduos financeiramente desesperados competem em versões mortais de jogos infantis.
A premissa central da série gira em torno de participantes que arriscam as suas vidas por um prémio de 45,6 mil milhões de won—um número tantas vezes pesquisado que o Google agora completa automaticamente a expressão quando os utilizadores digitam “45,6”. Para lhe poupar a pesquisa, são cerca de 28 milhões de euros.
Este detalhe exemplifica quão profundamente a série penetrou na consciência popular em todo o mundo.
Apesar da sua violência extrema e temas niilistas, “Squid Game” é na verdade um trabalho autor com uma visão artística distinta.
A série usa metáforas visuais marcantes, desde coloridas escadas inspiradas em M.C. Escher até cenários semelhantes a René Magritte, criando um pano de fundo surreal para a sua narrativa brutal.
A genialidade da série reside na sua complexidade psicológica. Após ganharem consciência da realidade horrível dos jogos—onde “eliminação” significa morte por um franco-atirador—os concorrentes têm a oportunidade de votar se querem continuar a jogar ou abandonar o desafio.
Embora muitos escolham partir, os participantes acabam sempre por regressar, atraídos pelo prémio monetário massivo e pelas circunstâncias desesperadas do seu mundo real.
A série é tanto entretenimento quanto como reflexão social, explorando temas como endividamento, capitalismo e compromisso moral. O seu foco em “medições”—calcular probabilidades, gerir dívidas e determinar quanta humanidade se pode sacrificar pela sobrevivência financeira—ressoa globalmente numa era de incerteza económica.
O sucesso da série desafia noções tradicionais de entretenimento mainstream, provando que as audiências mundiais têm fome de conteúdo complexo e desafiante que não foge de temas difíceis.
A série mostra também como as plataformas de streaming podem criar fenómenos verdadeiramente globais que transcendem barreiras linguísticas e diferenças culturais, enquanto as suas experiências imersivas mostram como o conteúdo bem-sucedido pode estender-se aos espaços físicos.
Agora na sua temporada final, “Squid Game” já garantiu o seu lugar como uma peça definidora do entretenimento do século XXI, conclui o Foreign Policy.