Pode a monarquia morrer com Isabel II? Na Commonwealth e no Reino Unido, os republicanos ganham terreno

tasmanianarchiveandheritageoffice / Flickr

A rainha Isabell II em visita ao seu reino da Austrália em 1977

A morte de Isabel II e a baixa popularidade de Carlos III acendeu dúvidas sobre a continuidade da monarquia, tanto no Reino Unido como na Commonwealth. Vários grupos republicanos acreditam que este é o momento para se acabar com a instituição, que já está no poder há mais de 1000 anos.

Aos 96 anos e com 70 de reinado, a eterna rainha Isabel II morreu esta quinta-feira — e consigo foi também muito do fascínio em torno da monarquia britânica.

Se para muitos a família real é um símbolo intrínseco do Reino Unido e é fundamental para a identidade britânica, há também cada vez mais movimentos políticos que consideram que está na hora de se acabar com esta instituição milenar e que o país deve passar a eleger o seu chefe de Estado.

Nas palavras de Graham Smith, líder do grupo Republic, “a rainha é a monarquia para a maioria das pessoas” e o futuro da família real estará em “sério risco” após a sua morte. “Carlos pode herdar o trono, mas não vai herdar a consideração e o respeito que são dados à rainha”, acrescenta.

Numa altura em que a população britânica sofre com o disparar da inflação e com os serviços públicos degradados, os Republicanos argumentam que inaceitável que os contribuintes estejam a financiar o estilo de vida opulento e luxuoso da família real.

De acordo com os dados da família real, geralmente a instituição custa apenas cerca de uma libra por ano a cada britânico. No entanto, o Republic argumenta que estas contas não incluem a segurança que fica a cargo da Polícia Metropolitana, que é paga pelos contribuintes, e estima que o valor que é verdadeiramente desembolsado pelos britânicos ronda os 350 milhões de libras por ano.

As obras de remodelação do Palácio de Buckingham também fizeram os gastos em 2021 disparar 17% em relação ao ano passado.

Os defensores da monarquia argumentam, no entanto, que a família real se paga a si mesma com o dinheiro que rende à economia britânica. A atenção dada a eventos como casamentos reais, nascimento de bebés ou as celebrações do Jubileu de Platina de Isabel II rendem centenas de milhões de libras ao sector turístico britânico e alimentam toda uma indústria de tablóides.

Por outro lado, os Republicanos defendem que o turismo até cresceria se a monarquia fosse abolida, já que os castelos e palácios onde os nobres vivem actualmente seriam totalmente abertos ao público e dão a França, que é o país mais visitado do mundo, como exemplo. Só o Palácio de Versalhes recebe cerca de oito milhões de visitantes todos os anos.

Dado o secretismo e a dificuldade em encontrar números concretos sobre o que a monarquia custa e o que rende ao Estado, as disputas económicas entre os monárquicos e republicanos não têm fim à vista.

“Vai contra todos os princípios democráticos”

Mas este está longe de ser o único argumento contra a continuação da monarquia. Nas site do Republic, a mensagem é clara. “É simples: cargos públicos hereditários vão contra todos os princípios democráticos. E por não podermos responsabilizar a rainha e a sua família nas urnas, não há nada que os impeça de abusar dos seus privilégios ou simplesmente desperdiçar o nosso dinheiro”, criticam.

As recentes revelações das investigações ao mecanismo do consentimento da rainha também vieram pôr em causa a ideia de que a chefe de Estado era uma figura meramente representativa.

Segundo as regras Isabel II tinha o direito de aprovar ou reprovar qualquer proposta legislativa que interferisse com os seus poderes públicos, a sua fortuna ou as suas propriedades ainda antes de o Governo levar as leis a votos no Parlamento. O secretismo em torno deste procedimento alimentou ainda mais a desconfiança sobre a verdadeira dimensão da influência política da rainha.

Estima-se que Isabel II e o Príncipe Carlos já tenham interferido em mais 1000 leis. Algumas das alterações garantiram isenções de impostos à família real, abriram excepções em leis de protecção ambiental ou tiveram o objectivo de ocultar a fortuna pessoal da rainha.

A monarca também era imune a mais de 160 leis e a própria polícia não pode entrar nas suas propriedades sem uma autorização especial.

Polémicas com André, Meghan e Harry

As polémicas com o Príncipe André e as suas ligações à rede de tráfico sexual de menores de Jeffrey Epstein, também não ajudam. Virginia Giufre, uma das vítimas de Epstein, acusou o filho de Isabel II de a ter violado quando esta ainda era menor de idade, tendo sido aberta uma investigação nos Estados Unidos.

No entanto, André nunca colaborou com o FBI e acabou por chegar a acordo com Giufre fora do tribunal, pagando-lhe mais de 14 milhões de euros.

Desde então que o príncipe foi afastado da vida pública e perdeu os títulos, mas a sua aparente impunidade só veio reforçar a ideia na opinião pública de que a família real beneficia de privilégios que não são dados aos comuns dos mortais, mesmo quando estão em causa acusações de crimes graves.

O príncipe Harry e a esposa Meghan Markle também já fizeram correr muita tinta nos jornais britânicos. Se para uns são o símbolo da mentalidade egoísta da monarquia — já que se queixaram de ter de passar a pagar pela própria segurança quando abandonaram os deveres reais — para outros são vítimas de uma instituição arcaica e, de acordo com as acusações bombásticas que fizeram na entrevista com Oprah Winfrey, racista.

“Carlos é polémico, não tem reservas e é impopular. O Príncipe André é uma pessoa de interesse numa investigação criminal. E Harry e Meghan estão a mostrar que a monarquia não é só má para os britânicos, também é má para os membros da realeza”, atira o Republic.

De acordo com uma sondagem de Maio da YouGov, 27% dos britânicos apoiam a abolição da monarquia, uma grande subida em relação aos 15% que têm sido a média nos últimos 20 anos.

Os mais jovens opõem-se ainda mais à continuação da família real no poder — abaixo dos 25 anos, a percentagem já dispara para 40%. Apesar de o movimento republicano ser mais contido em Inglaterra, tem mais força na Escócia e na Irlanda do Norte, já que grande parte da população destes dois territórios também defende a saída do Reino Unido.

Commonwealth desligada da monarquia

Não é só no Reino Unido que a conversa sobre a abolição da monarquia está a crescer, já que várias nações da Commonwealth também têm ambições republicanas e pretendem eleger um chefe de Estado que esteja mais ciente da realidade do seu país. De momento, 14 dos 54 membros da Commonwealth têm o rei ou rainha britânicos como chefe de Estado.

Meras horas após a morte de Isabel II, os burburinhos já começaram na Austrália. Adam Bandt, líder dos Verdes, defendeu a instauração de uma República na mesma mensagem onde deixou as condolências pelo óbito da monarca.

“Descanse em paz, rainha Isabel II. Os nossos pensamentos estão com ela, a sua família e todos os que a amaram. Agora a Austrália tem de seguir em frente. Precisamos de nos tornar uma República“, defendeu.

O senador Mehreen Faruqi, do mesmo partido, foi ainda mais longe: “Não posso fazer o luto de uma líder de um império racista construído sobre vidas e terras roubadas e sobre a riqueza dos povos colonizados. Somos lembrados da necessidade de um Tratado com as Primeiras Nações, justiça e reparações para as colónias britânicas e de nos tornarmos uma república”.

O novo Governo Trabalhista do país também já indicou que pretende fazer um referendo à possibilidade de a Austrália se tornar uma República caso seja eleito para um segundo mandato — e a morte da rainha pode dar um impulso a esta intenção.

A Austrália é um peso pesado da Commonwealth e a sua perda seria um pesado golpe para o seu novo rei, Carlos III. Na vizinha Nova Zelândia, a conversa também está a ganhar força. A primeira-ministra Jacinda Ardern disse em 2021 que acredita que o país se tornará uma república ainda durante a sua vida.

O deputado Rawiri Waititi também escreveu no Twitter esta sexta-feira que a morte de Isabel II deixa um “enorme vazio” e que vai “causar debate”.

Nos países das Caraíbas, o sentimento anti-realeza é ainda mais forte, já que está intrinsecamente ligado à luta anti-racista e anti-colonista. William e Kate enfrentaram uma onda de protestos durante a sua viagem à região em Março, com alguns grupos de activistas a exigir reparações pela escravatura, e até tiveram de cancelar alguns dos eventos previstos na agenda.

Antes da sua visita à Jamaica, uma carta aberta endereçada aos Duques de Cambridge assinada por mais de 100 líderes locais também lançou farpas à monarquia. “Durante os seus 70 anos no trono, a sua avó não fez nada para reparar o sofrimento dos nossos antepassados que aconteceu durante o seu reino ou durante o período em que os britânicos traficaram e escravizaram africanos“, criticaram.

Barbados, que era conhecida como a “pequena Inglaterra“, também deu força a este movimento quando se tornou uma república em Novembro de 2021. Sandra Mason, a nova Presidente do país, disse na altura que tinha chegado a hora do país “deixar de vez o seu passado colonial para trás“. Há já 396 anos que a coroa britânica reinava no território.

Carlos III conta assim já com grandes desafios meras horas depois de ter ascendido ao trono.

Adriana Peixoto, ZAP //

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