A causa dos terremotos com hipocentro mais profundo tem sido um mistério para a ciência. Agora, uma equipa de cientistas do Carnegie Institution for Science, nos Estados Unidos, pode ter desvendado o que acontece.
De acordo com o novo estudo, publicado na AGU Advances, os fluidos desempenham um papel fundamental na ocorrência de terremotos de hipocentro profundo – que ocorrem entre 300 e 700 quilómetros abaixo da superfície do planeta.
A maioria dos terremotos ocorre perto da superfície da Terra, até cerca de 70 quilómetros de profundidade, quando a tensão aumenta numa falha – fratura entre dois blocos de rocha -, fazendo com que os blocos deslizem repentinamente um sobre o outro.
No entanto, até hoje, a comunidade científica ainda não tinha encontrado uma explicação possível para os sismos de foco profundo. Isto porque, em zonas mais profundas da Terra, as pressões intensas criam muito atrito para permitir que esse tipo de deslizamento ocorra e as altas temperaturas aumentam a capacidade das rochas se deformarem para acomodar as mudanças de tensão.
Agora, a equipa de investigadores, que inclui os cientistas do Carnegie Steven Shirey, Lara Wagner, Peter van Keken e Michael Walter, bem como Graham Pearson da Universidade de Alberta, conseguiu identificar terremotos que se originaram a mais de 300 quilómetros abaixo da superfície desde a década de 1920 para os estudar.
“O grande problema que os sismólogos enfrentam é como é que é possível que existam terramotos de foco profundo”, disse Wagner.
“Depois de descer algumas dezenas de quilómetros [em direção ao centro da Terra], torna-se incrivelmente difícil explicar como ocorre deslizamento numa falha, se o atrito é tão incrivelmente alto”, explicou.
As pesquisas realizadas nas últimas décadas mostraram-nos que a água desempenha um papel importante nos terremotos de profundidade intermediária – aqueles que ocorrem entre 70 e 300 quilómetros abaixo da superfície da Terra.
Nesses casos, a água é libertada de minerais, o que enfraquece a rocha em redor da falha e permite que os blocos deslizem.
Os cientistas não pensavam, no entanto, que esse fenómeno pudesse explicar os terremotos de foco profundo, em grande parte porque não acreditavam que a água e outros compostos criadores de fluidos estivessem presentes em zonas mais profundas no interior da Terra.
Mas esse pensamento mudou quando Shirey e Wagner compararam as zonas profundas onde se formam os diamantes com a profundidade dos misteriosos sismos.
“Os diamantes formam-se em fluidos”, por isso, “se os diamantes estão lá, os fluidos também”, disse Shirey, citada pelo Carnegie Institution for Science.
Os próprios diamantes, que foram analisados pelos investigadores, trouxeram amostras para a superfície do planeta, o que lhes permitiu estudar em detalhe as profundezas da Terra.
Quando os diamantes se formam no interior da Terra, podem capturar pedaços de minerais da rocha circundante. Esses minerais são chamados de inclusões e podem tornar as joias mais baratas, mas são inestimáveis para os cientistas – são uma das únicas maneiras através das quais é possível estudar amostras diretas do interior do nosso planeta.
As inclusões do diamante tinham a assinatura química distinta de materiais semelhantes encontrados na crosta oceânica, o que significa que a água e outros materiais não foram formados nas profundezas da Terra: foram transportados por parte de uma placa oceânica que afunda.
“A comunidade sismológica afastou-se da ideia de que poderia existir água tão profunda. Mas petrologistas de diamante mostraram-nos amostras e disseram ‘Não, não, não. Definitivamente há água aqui’. Então, todos nós tínhamos de nos juntar para descobrir como foi lá parar”, disse Wagner.
Wagner e van Keken construíram, então, modelos computacionais avançados para simular as temperaturas das placas mais densas – e que, portanto, afundam – em profundidades muito mais elevadas do que as que haviam sido estudadas anteriormente.
Além desses modelos, Walter examinou a estabilidade dos minerais portadores de água para mostrar que sob calor intenso e as pressões que existem no interior da Terra, seriam, de facto, capazes de reter água em certas condições.
A equipa mostrou que, embora as placas mais quentes não retenham água, os minerais nas placas oceânicas mais frias podem teoricamente transportar água para as profundezas que associamos aos terremotos de foco profundo.
Para solidificar o estudo, os investigadores compararam as simulações com dados sismológicos reais e foram capazes de mostrar que as placas que teoricamente poderiam transportar água eram também aquelas que experimentavam os terremotos profundos.
“A natureza dos terremotos profundos é uma das grandes questões da geociência”, disse Shirey.
Este estudo é incomum na aplicação de quatro áreas científicas diferentes – geoquímica, sismologia, geodinâmica e petrologia – à mesma questão e, para a investigadora, só foi possível porque todas elas existem internamente no Carnegie.