Desvendado o mistério por trás do pelo dos gatos cor de laranja

Novas pesquisas identificaram o gene específico que determina a cor da pelugem dos gatos laranja, como o famoso Garfield.

Garfield, estrela da banda desenhada com o mesmo nome criada por Jim Davis em 1978, é, tal como muitos dos gatos que vagueiam pelas nossas casas, cor de laranja.

O icónico gato é cor de laranja — da mesma forma que algumas pessoas são ruivas ou alguns cavalos são castanhos — mas há uma diferença importante.

Para todos os outros animais, incluindo os humanos ruivos, sabemos o que causa esta cor caraterística, mas, surpreendentemente, não sabíamos o que a causava nos gatos – e nos felinos em geral – até agora.

Dois artigos acabam de ser publicados no bioRxiv – um dos mais populares repositórios de artigos não revistos antes da publicação – que explicam a genética por detrás dos gatos cor de laranja. Um vem do laboratório de Greg Barsh, da Universidade de Stanford, na Califórnia. O outro é do laboratório de Hiroyuki Sasaki na Universidade de Kyushu, Japão.

Eumelanina e feomelanina: os dois pigmentos dos mamíferos

Os mamíferos têm apenas dois pigmentos, que são duas cores de melanina: a eumelanina (castanha escura, preta) e a feomelanina (amarelada, avermelhada ou laranja). Os ruivos produzem apenas feomelanina, enquanto as pessoas de pele escura acumulam principalmente eumelanina. Todas as outras cores de pele e cabelo estão algures no meio, graças aos 700 genes que regulam a pigmentação nos animais.

Em primatas, cavalos, roedores, cães, vacas e muitos outros animais, a produção de melanina e a decisão de produzir eumelanina ou feomelanina está nas mãos de uma proteína de membrana chamada MC1R. Esta controla as células da pele conhecidas como melanócitos que libertam melanina.

Se for libertada uma hormona estimuladora dos melanócitos (alfa-MSH), os melanócitos começam a produzir eumelanina. Se entrar em ação um antagonista, como a proteína de sinalização de agouti ou a beta-defensina nos cães, a produção de eumelanina escura pára e os melanócitos produzem feomelanina laranja.

No entanto, os gatos são uma questão completamente diferente. Qualquer pessoa que tenha um gato em casa sabe que eles são animais muito peculiares, muito especiais em todos os sentidos, e isso estende-se à sua pigmentação.

Nos gatos, a produção de eumelanina ou feomelanina não é controlada pelo recetor MC1R. Em vez disso, está nas mãos de um locus (cujo gene era, até agora, desconhecido) chamado “laranja”. Um locus é uma localização física no genoma cujos efeitos são conhecidos (por exemplo, pelagem preta ou laranja), mas não os detalhes da sequência exata de ADN que contém, nem o gene a que pertence.

Por esta razão, normalmente identificamos primeiro o locus e depois, com o tempo, descobrimos e descrevemos o gene associado em pormenor. O locus laranja em gatos pode vir em duas versões: uma variante ‘O’ que suporta a produção de feomelanina (laranja), e uma variante ‘o’ que é responsável pela produção de eumelanina (preto).

Um pormenor a ter em conta é que o locus laranja se encontra no cromossoma X. As gatas são XX e os gatos são XY, como todos os outros mamíferos. E tal como em todos os mamíferos fêmeas, todas as células ao longo do desenvolvimento vão inativar aleatoriamente uma das duas cópias do cromossoma X. As gatas Oo – portadoras da variante O num cromossoma X e da variante O no outro – gerarão áreas do seu corpo que são cor de laranja (nas áreas em que inactivaram o alelo ‘o’) e outras que são pretas (quando inactivam o alelo ‘O’).

Isto significa que quando vemos um gato bicolor (preto/laranja) ou tricolor (preto/laranja/branco), ou uma das suas versões mais diluídas, sabemos que deve ser uma fêmea, e o seu padrão de pigmentação será completamente único.

Os gatos machos são cor de laranja ou pretos (têm apenas um cromossoma X), mas não podem ser bicolores ou tricolores, a não ser que sejam portadores de uma alteração cromossómica equivalente à síndrome de Klinefelter nos humanos (em que os machos nascem com um cromossoma X extra).

Gatos Calico

As fêmeas podem, portanto, ter os padrões únicos de mosaico tão apreciados pelos amantes de gatos. Quando coincide com uma outra mutação que afeta a proliferação e diferenciação dos melanócitos (produzindo manchas brancas, sem pigmentação), gera um gato tricolor, vulgarmente conhecido como calico.

Cada chita é única, uma vez que a inativação de um dos cromossomas X em cada célula pigmentar ocorre aleatoriamente durante o desenvolvimento. Quanto mais cedo esta inativação ocorrer durante o desenvolvimento, maior será a mancha resultante. Quanto mais tarde ocorrer, mais pequenas serão as manchas.

O gene do pelo laranja felino

Até agora, não sabíamos que gene estava escondido por detrás do locus laranja nos felinos. O trabalho recente de Barsh e Sasaki identificou que não é o homólogo felino do MC1R, mas um diferente: o gene Arhgap36. Os gatos machos com pelagem cor de laranja, bem como as manchas cor de laranja dos gatos calicos, são portadores de uma mutação neste gene que bloqueia a produção de eumelanina e permite a produção de feomelanina.

Estes dois estudos são um ótimo exemplo de boa investigação, básica e sólida, que visa apenas satisfazer a curiosidade científica sem conhecer as suas aplicações imediatas, e compreender, neste caso, porque é que o gato maroto Garfield é laranja.

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